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Tâmara, assim que viu Renato, se jogou sobre ele, abraçando-o com força.

— Ah, Renato! Quando você saiu daquele jeito, eu fiquei com tanto medo! Tive medo de não te ver mais! Ah! Como é bom te ver!

Mical, que tinha ficado junto de sua irmã a alguns metros de distância, e que estava apoiando aquela pesada bazuca sobre seu ombro, roçou o dedo no gatilho.

— Quem é essa prostituta da babilônia abraçando o Renato? Vou explodir ela em pedacinhos! — Os olhinhos verdes tinham um brilho malvado.

Jéssica ainda segurava o fuzil, apontando-o na direção de Tâmara.

— Acho que ele não vai se importar, né? — disse ela.

Clara se aproximou, pôs os braços entre os dois e os separou. Tâmara lhe lançou um olhar chateado.

— Quem é essa, Renato? — perguntou Clara, com a Espada do Pecado ainda em sua mão, porém com a lâmina voltada para baixo.

— Ah — o garoto coçou a bochecha com o dedo —, é minha colega de classe.

— E assassina em série, muito prazer. — Tâmara fez uma mesura respeitosa.

— Assassina? — Clara ergueu uma sobrancelha.

Mical e Jéssica estavam se aproximando, cautelosas, porém com passos firmes.

— Bom, na verdade foi tudo uma grande confissão de amor! — disse Tâmara. — Eu matei algumas pessoas, sabe? Pra  ver se o Renato me notava… mas ele não me notou, esse malvado!  — Ela guardou as submetralhadoras na cintura, escondendo-as sob a camiseta larga, e levou as mãos ao rosto, cobrindo-o. Estava vermelha de vergonha.

— Ah, isso é tão constrangedor! É que eu sou tão tímida…

Clara sorriu, achando a atitude da garota um pouco engraçada.

— Ah, você é mesmo uma súcubo! Que tipo de poderes você tem? Isso me deixa tão curiosa! Você pode voar? É verdade que pode… explodir… você sabe… aquela parte dos homens? — Tâmara tentou conter as risadinhas, mas não conseguiu.

— Ah… bom…

— E vocês duas! Fugindo em busca de liberdade! Tiveram que lutar contra aqueles que sempre chamaram de família! Nem imagino os perigos que passaram! Isso é tão excitante!

Mical e Jéssica se entreolharam, confusas.

Clara fez sua espada desaparecer e pôs a mão sobre o ombro do rapaz.

— Sabe, Renato, ela parece legal. Devíamos levar ela com a gente.

— Tá brincando? Ela é doida!

— E quem aqui não é? Você, por exemplo, é doidinho de pedra. Acha que gente normal aceita ir pro Inferno por livre e espontânea vontade? Só gente doida faz isso, Renato. E eu… acho que nem preciso falar nada! Admito que sou completamente maluca também. — Clara disse isso com um certo orgulho. — E aquelas duas! Mais doidas que eu e você juntos!

— Ei! Eu não sou doida, não! — protestou Jéssica.

— E-eu também não! — disse Mical, e bem na hora se desequilibrou por causa do peso da bazuca em seu ombro, e ela deixou a arma cair no chão. Com dificuldade, ela pegou aquele cilindro de metal e pôs no ombro novamente.

Clara balançou a cabeça.

— Já disse que isso é pesado demais pra você, Mical. Devia pegar uma arma mais leve. Uma pistola seria ideal. Talvez uma 22. 

— Não! Eu gosto dessa! — Mical passou os dedos sobre a bazuca, como se a acariciasse. Seus olhos brilhavam.

Renato relaxou os ombros e suspirou.

— Acho que é fé nas malucas, né…

— Pra onde vocês estão indo? — perguntou Tâmara.

— Concertar a cagada que a gente fez, Tâmara. Vamos libertar o professor.

Por um instante, a garota pareceu chocada, mas depois assentiu.

— Numa hora dessas, ele tá preso no fórum. Vão promover uma fuga?

— Tipo isso.

— Então me deixa ajudar, vai. Não custa nada me deixar ajudar! Até porque a maior parte da culpa é minha, não é? Por favorzinho!

— Qual é, Renato? — disse Clara, se aproximando de Tâmara e pondo a mão sobre o ombro dela.  — Coitadinha. Não pode ser pior que um demônio, né?

Renato suspirou.

— Certo. Vamos concertar as coisas, na medida do possível. Depois eu penso no que fazer.

— Oba! — Tâmara deu pulinhos de alegria e abraçou Renato novamente.

O rapaz se afastou dela, desfazendo o abraço.

— Vamos indo pro cemitério.

Tâmara voltou pro Jetta, enquanto os outros entraram no Corolla. Ela olhou novamente para eles, através do buraco no para-brisa, e sorriu, acenando. Depois, disfarçando um pouco, levou a mão ao ombro e fingiu coçá-lo, e retirou o pequeno aparelho de escuta que Clara tinha colocado ali.

— Tudo conforme o plano — disse ela, enquanto dava partida no carro.

*

— Veem? Eu tinha razão. Um sepultamento acontecendo agora mesmo — disse Clara.

Estavam dentro do carro. Do outro lado da rua, o cemitério Boa Partida estava com os grandes portões abertos.

Os coveiros jogavam a terra para dentro do buraco, usando pás, enquanto as pessoas envolta choravam e se abraçavam. Uma senhora, de cerca de 50 anos, era a mais desesperada. Os outros tiveram que segurá-la, porque ela queria se jogar dentro do buraco pra ir junto.

— Como sabia? — perguntou Renato.

— Não foi  difícil. Principalmente no meu estado atual. Além do mais, nos últimos dias, muita gente está morrendo, sabe? Incêndios, desastres… Parece até que a Morte em pessoa voltou a caminhar sobre a Terra.

— Que Deus console esta família — sussurrou Mical. — E que ele acolha a alma desta pessoa.

— Amém — concordou Jéssica.

Tâmara, que tinha deixado o Jetta estacionado logo atrás, bateu na janela do Corolla.

— E aí, o que a gente faz agora? Vamos invadir o enterro, matar aquelas pessoas e levar o corpo?

— Não! — Mical respondeu, com indignação na voz.

— Não podemos interromper o enterro — disse Clara. — Despedidas assim são protegidas por certas leis espirituais. Leis que são cumpridas por certas… entidades. Estamos na frente dos portões da Calunga, garotinha. Se não respeitar, vai sofrer retaliação. Aliás, até pra entrar precisaremos pedir licença.

Tâmara revirou os olhos., mas não questionou. Havia muita coisa que ela não entendia ainda.

Renato, no entanto, começou a sentir um desconforto no peito. Como se algo apertasse seu coração. Os batimentos ficaram mais rápidos e descompassados. O cheiro de morte chegou até suas narinas. Era podre, preenchido do mais puro desespero. Ficou difícil para respirar.

Ele, sem falar nenhuma palavra, abriu a porta do carro e saiu. Fechou os olhos e puxou o ar. Foi como respirar ácido. Queimava. Ardia. Olhou em volta e tudo o que viu foi fogo. Toda a paisagem em volta foi substituída por um fogo intenso e vermelho. As ruas eram como rios de lava e as casas eram tochas flamejantes gigantescas. O chão sob seus pés ardia em brasa.

Sua carne derretia com o calor e descolava dos ossos, e os vermes andavam por ele, se afundando na carne queimada, se alimentando dos ossos que se tornavam pó.

Foi quando Clara o abraçou, e todo o desespero e morte, e as chamas que estavam em volta, sumiram. O mundo voltou ao normal naquele abraço aconchegante e quentinho.

— Tá tudo bem agora — disse ela. — Já acabou. Você saiu de lá.

Renato respirou, e o ar desceu refrescante pelos pulmões, junto do aroma adocicado de Clara.

— Verdade. Já acabou. Mas por que eu sinto que uma parte daquilo ainda tá comigo? Eu tentei ignorar, mas agora, esse cheiro, essa presença de tristeza e desesperança do cemitério trouxe tudo aquilo de volta. Foi como se eu voltasse pra lá.

— Não existe nenhuma outra alma humana caminhando sobre a Terra que já tenha passado por aquilo, Renato. Vamos te ajudar a lidar com isso. Não está sozinho. — O abraço de Clara ficou ainda mais apertado.

— Eu tô bem agora — disse ele, ajeitando a postura. Levantou a cabeça. Tinha um olhar duro. Respirou pesadamente. — Desculpem por isso, mas já tá tudo bem agora.

Tâmara parecia não estar entendendo muita coisa. Tinha um olhar perdido.

— A cicatriz… — disse Jéssica, se aproximando.

— Pode vê-la? — perguntou Clara.

— Não. Mas posso senti-la.

— Eu também posso. — A voz de Mical saiu baixa como um sussurro, e ela estava olhando para o chão. — O que aconteceu lá embaixo? O que causou isto?

Renato era do tipo que, às vezes, preferia guardar o que sentia para si mesmo. Para não preocupar os outros, para não parecer fraco, os motivos eram vários. Foi assim que aprendeu a ser durante sua vida. Portanto, tudo o que fez foi curvar os lábios, forçando um sorriso.

— Não aconteceu nada demais. Já tá tudo bem agora.

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Olá, eu sou Max Sthainy!

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