Selecione o tipo de erro abaixo


O ruído de um despertador atrapalhou meus sonhos. Irritado com o barulho e sem muito o que fazer, levantei-me. Até que percebi que não era um despertador, mas sim berros de pessoas no refeitório.

Um grande suspiro dei após perceber que mais uma vez um surto coletivo acontecia. Por mais que no último eu tenha participado, percebi que naquele momento a melhor coisa a se fazer era manter o máximo de calma.

Levantei-me um pouco cansado e cambaleante da cama e segui em direção ao refeitório. A multidão que estava envolta do escândalo não me deixava enxergar o que estava ocorrendo. Me fazendo ter que entrar em meio às pessoas para poder ver o que estava acontecendo.

Quando finalmente consegui entrar no meio da multidão, vi o psicólogo Justem e uma mulher no centro da roda formada pelas pessoas. Ele erguia as mãos em um gesto de súplica, tentando desesperadamente acalmá-la. A mulher, cujas lágrimas escorriam pelo rosto, segurava uma faca trêmula contra o próprio pescoço.

— Por favor, não faça isso! — sua voz ecoou pelo refeitório, misturando-se aos gritos e murmúrios frenéticos dos espectadores ao redor.

— Eu… estou com medo! — a mulher bradou enquanto suas lágrimas gotejavam sobre a faca. — Não irei deixar esse oxigênio me matar. Não irei!

— Calma, pense em sua família!

— Minha família? — Seus olhos oscilavam. — Eles… devem estar mortos pelo oxigênio artificial!

— Não… eu já disse, eram apenas teorias, não deve considerá-las um fat-

— Pouco me importa…

A garota, com os olhos lustrosos de lágrimas, acionou a faca em direção ao seu próprio pescoço. Justem corre tentando pará-la, mas era em vão. O corpo da garota pendia para trás, o sangue vermelho esguichava pelo refeitório e o cheiro de vida exalava em nossas narinas.

Justem conseguiu segurar o braço, mas não da garota, e sim de um corpo já vazio. A faca, ao cair sobre terra, fez um som ressoar pelo refeitório. O olhar de Justem, não era de alguém que perdeu um paciente, parecia um olhar de quem perdeu algo muito maior. O olhar tremulante, a boca completamente aberta, ele estava devastado.

Foi ali que percebi, a garota que estava estirada no colo de Justem não era uma mulher qualquer, era a sua esposa. A aliança no dedo da mulher e no dedo de Justem era a prova disto.

A maioria das pessoas entrou em pânico, correndo para a sala principal com o objetivo de não ver a cena. Entretanto, uma parcela parecia já não ligar mais, apenas ficando ali, olhando a cena. Eu era uma delas, que ficou inutilmente olhando aquilo.

— Não! Por quê? — ele clamava com suas cordas vocais quase rasgando.

Após perguntar a um dos telespectadores, descubro que Justem, sem querer, supôs que a família de ambos poderia estar morta. Sua esposa não queria aceitar aquilo. Com o psicológico já abalado, ela pensou que a melhor escolha era se matar.

Uma suposição do psicólogo gerou todo aquele caos, contudo era estranho ver alguém como ele falar de algo tão sensível dessa forma tão imprudente.

Os berros e choros do homem, duraram por um bom tempo. Parecia uma criança se esperneando por não aceitar as consequências de seus atos.

O choro durou por um bom tempo. A pequena parcela de pessoas que olhava tudo aquilo apenas ficaram em silêncio. Eles não queriam atrapalhar um momento como aquele, embora o certo fosse ir até lá e dar um basta.

Depois de um tempo, aceitando parte de sua culpa, Justem fez algo que ninguém imaginava. O homem, com os olhos vermelhos de tanto chorar, levantou-se deixando a sua esposa sobre o chão e correu para o portão de saída da sala principal. Seus passos criavam um eco de desespero, juntamente com suas lágrimas que pairavam sobre o ar.

Ao chegar na porta de saída, ele pressionou o botão de abertura da porta. Um grande alarme soou em alerta. As pessoas que estavam na sala principal, incluindo eu que o seguia para ver o que faria, vimos o ar fugindo da instalação, era como abrir a porta de um avião em pleno voo. As coisas começaram a ser sugadas para fora.

— Merda, não! — um homem gritou enquanto agarrava a parede.

Os gritos aumentavam cada vez mais. Justem, já não era mais possível ser visto, ele foi sugado para fora e provavelmente morto.

Tudo parecia perdido, os pertences das pessoas voavam para fora da instalação, o oxigênio se esvaiu rapidamente. Eu não consegui fazer nada ali, apenas fiquei me segurando na quina da cozinha para não ser ejetado para fora.

Graças ao líder, que apareceu perante o caos, ele fechou a porta pelo botão ao lado da mesma, quase sendo morto no processo. Um ato digno de um líder. Todos aplaudiram o herói após um ato heroico.

Graças àquilo, não tivemos grandes perdas, as únicas coisas que se foram eram alguns pertences e o próprio Justem. As pessoas lentamente iam se acalmando.

Logo em seguida, Louga, Vurg e Nukes aparecem em minha busca. Nós ficamos conversando por um bom tempo; o motivo de tal, mesmo eles não me falando, eu sabia que era a preocupação deles em me ver tendo um fim como aquele. Já que sou um belo de um recluso, o que eu poderia fazer em um surto assustava eles. Ficamos um bom tempo juntos conversando, contudo, em meio a toda conversa milhares de pensamentos me rodeavam.

Porque era incrível o fato de que em meio a tudo que estava acontecendo, mesmo tendo pessoas morrendo, as outras pessoas pareciam não se importar. Quando eu estava conversando com Vurg, ouvia ao fundo indivíduos agradecendo o fato de sobreviverem, mas em nenhum momento escutei eles tendo pena de Justem ter morrido ou até mesmo sua esposa. A verdade é que ninguém ligava, apenas se importavam com o seu bem-estar. Os outros morrendo e não afetando eles, já estava de bom tamanho. Pouco importava a vida alheia. Então, por que tenho que me importar? Por que tenho que ter pena? Por que tenho que me sentir mal ao não ajudar? Por quê? Significa que não preciso sentir raiva de mim mesmo ao não ligar de verdade com as outras pessoas?

Eu não sabia as respostas e, com certeza, nunca saberia. Por algum motivo, em meio a todos esses pensamentos, uma lembrança de minha família vinha em minha mente, fazendo com que meus olhos se enchessem de água.

— Marlon, o que foi? — Louga me perguntava olhando para meu rosto sujo de impureza.

— Você está bem cara? — Vurg me olhando.

— Está tudo bem… apenas estou… cansado. — enxugando minhas lágrimas. — Certo! Tenho que ir fazer minha tarefa.

Eu me levantei do chão e fui em direção ao banheiro, deixando os três conversando entre si e se perguntando o que estava acontecendo.

A realidade era que eu estava cansado de tudo. Quanto mais o tempo passava, mais me cansava. Era um inferno, um lixo, um sugador de vitalidade. Eu cansei, não estava aguentando mais. A única coisa que eu desejava era ter paz e me preocupar com mais nada além de mim. Era arrogante o pensamento, mas a arrogância era a última coisa a se pensar em uma situação como aquela.

Meio-dia marcava no relógio.

Com uma expressão abatida, ao terminar a limpeza do banheiro, entrei e me sentei no fundo do refeitório. Não queria conversar com ninguém, apenas queria ter paz por um tempo.

“Não.”

O líder apareceu em meio a todos com o rosto claramente demonstrando desespero.

“Por favor, chega. Estou cansado de tanta merda acontecendo!”

Karley pegou novamente uma cadeira de metal e a colocou na frente de todos. Sentando-se em seguida com uma grande expressão de relutância.

— Tenho uma notícia triste para dar.

“Para!!”

— O rádio…

“Por favor!!!”

— Ele quebrou.

Um misto de sentimentos corria em meu corpo: tristeza, raiva, medo, ódio, tudo junto. Me sentia sufocado pelos meus próprios sentimentos. Era como cair em uma areia movediça e ser sufocado lentamente, ver a areia com o tempo subindo cada vez mais é com certeza um dos sentimento mais assustador de todos.

— O que faremos agora? — Vurg levantou e bateu a mão na mesa, e Louga tentava acalmá-lo.

— Bem, eles irão vir todo mês, então é só esperar — Um homem aleatório rebateu.

— O problema é que perdemos muito oxigênio — o líder olhava fixamente para o chão. — Até o governo vir, o oxigênio já teria acabado.

“O que?”

— A melhor solução seria montar um esquadrão para sair em busca de ajuda em outras instalações.

Eu não sabia muito bem o que exatamente, mas sabia que ele estava mentindo em algo, ou omitindo. Era claro para mim. A forma que foi mostrada as informações, a maneira que ele propagava tudo. Eu, como escritor, conseguia facilmente ver como as pessoas eram de verdade. Era o dom de observação.

— Alguém se disponibilizaria?

“Obviamente ninguém vai querer fazer algo tão imprudente, ninguém é burro o suficien-”

— Eu! — Vurg gritou como um idiota.

— Já que ele vai, eu também vou — Louga ao seu lado se levantou juntamente.

Não sei muito o porquê, mas dei um pequeno sorriso ao presenciar aquela cena. Todos os problemas que estava me rodeando lentamente sumiram. Percebi finalmente que não existem apenas pessoas inúteis no mundo. Talvez tenha sido ali que tudo mudou. Que finalmente encontrei outro objetivo de vida.

— Mais alguém?

— Eu… posso ir junto? — Eu, com a mão levantada e um pouco trêmula.

Já estava cansado daquela prisão de metal, então era a melhor escolha que poderia ter feito era ir junto. Não sei se foi uma escolha sábia, só sei que era a única viável no momento. Talvez se me prendesse mais algum dia ali, meu cérebro explodiria.

O tempo passou e ninguém mais levantou a mão.

Nove horas da noite.

Todos estavam dormindo na sala principal quando vi Karley entrando na porta que tinha visto no dia anterior. De uma forma que ninguém me percebesse, eu obviamente segui ele até lá. Dessa vez, por saber que a porta rangeu ao abrir com força, abro-a com a maior calma do mundo e realmente ela não faz nenhum barulho.

Lá estava Karley e Joum, olhando para a jaula de vidro que brilhava em azul. Eles conversavam de algo que eu não conseguia escutar, então curioso me aproximei, todavia eles me perceberam rapidamente.

“É, não sirvo para planos maquiavélicos.”

— O que faz aqui novamente? — Karley me perguntou.

— Aquilo — Apontei para a jaula de vidro. — É um reator nuclear, não é?

Eles olharam rapidamente para a jaula e em seguida voltaram com suas feições de espanto lentamente para mim.

— C-Como…? — Joum gaguejou com os olhos fixados na minha pessoa.

— O corpo que vocês jogaram lá, fez com que a máquina de gerar oxigênio pifasse, não é mesmo? Que imprudência.

— Do que você está falando? — inquiriu Karley apontando para mim.

— Eu conheço um amigo que é físico, ele entende muito bem disso. Fiz uma suposição envolvendo um caso de um corpo cair dentro de um reator, e sabe o que ele falou? — Coloquei minha mão sobre meu rosto. — O reator nuclear poderia sofrer vários problemas.

— Seu idiota, reatores nucleares são utilizados para geração de energia.

— Eu sei — esbocei um sorriso maquiavélico embaixo da minha mão —, contudo lembremos que o oxigênio artificial é feito em tempo real, ou seja, necessita de energia para funcionar. Se o reator pifar, o oxigênio consequentemente vai pifar.

O olhar de ódio nos dois era belo, de certa forma. Eles não gostavam do fato de eu ter conhecimento sobre aquilo. Tentaram até rebater meus fatos, porém nada funcionou, até que finalmente cederam.

— Seu lixo! — Joum veio em minha direção furioso.

— Opa, calma aí — eu disse, enquanto joum segurava minha gola e preparava o punho para um soco.

— O que quer para não espalhar a informação? Um caos seria feito se todos soubessem. — Karley enquanto desviava seu olhar.

— O que? Irá desistir e aceitar a ameaça dele?

— Joum… Querendo ou não, a culpa é nossa.

Joum lentamente soltou minha gola e um pouco relutante se afastou.

— Você está certo, por isso desejarei algo simples. — Apontei para Karley. — Você terá que ir com a gente, para a exploração.

— O quê? Por que eu?

— Não tem graça com spoilers.

— Seu merda, você nunca foi um tímido, não é? Era um mero fingimento tudo aquilo! — Joum com um olhar fulminante.

— Isso não é da sua conta. Você karley, tem até amanhã para pensar nisso, pense com cuidado.

Após a nossa conversa agradável, voltei para meu canto. Estava cansado de pensar tanto, mas também fiquei impressionado ao saber que posso usar esse meu dom para conseguir certas coisas.

“Talvez eu seja um grande gênio.”

Um gênio ou não, tinha conseguido fazer algo incrível. Portava um poder que poucos conseguiam manusear. O motivo de usar o poder desse jeito, por mais que eu tentasse de todas as formas acreditar ser apenas bondade, no fundo sabia que era apenas por satisfação minha. Ou tudo isso foi graças a minha singularidade?

Eu era um idiota por completo. Para não enlouquecer, imaginei que brincar com a cabeça dos outros que pareciam maus, iria me acalmar por um tempo. O fato de serem ruins me ajudava a fazer aquilo sem me sentir um vilão.

Agora, apenas restava à espera da resposta do líder no outro dia.


Picture of Olá, eu sou Tanuvis!

Olá, eu sou Tanuvis!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥