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Passado

Belial

Caminhando pelo palácio, avistei uma jovem no jardim principal. Sentada, observando as flores, Mana tinha uma expressão distante. Não pude conter minha expressão de desgosto ao vê-la com um olhar tão vazio. Uma criança de sua idade não deveria carregar tal expressão no rosto. O veneno da besta divina estava em um nível que até mesmo eu ou Samael teríamos dificuldade em suportar.

Por vários dias desde sua chegada, me culpei por ter colocado uma besta divina como guardiã dos exilados. Minha decisão foi proteger aqueles que são próximos, mas por minha covardia, uma pessoa próxima de meu filho estava passando por todo esse sofrimento.

Suspirei e decidi me aproximar. Desci as escadas e caminhei em direção ao jardim. Notando minha aproximação, Mana rapidamente se esforçou para demonstrar seu sorriso gentil.

“Oh, Mana. Imaginei que estaria com o Azrael hoje,” disse, fingindo não notar sua expressão anterior.

“Pensei que o Senhor dos Demônios estaria irritado com a saída do Azrael,” respondeu ela, com um sorriso gentil.

“Vamos, Mana, eu sou o Senhor dos Demônios, mas também sou seu pai adotivo. Doeria chamá-lo de pai?” usei um tom irônico, não querendo forçá-la a fazer algo que não quisesse.

“Pai, é…? Poderia me dar mais algum tempo?” sua voz se tornou pesada, como se lembrasse de algo doloroso.

Droga, cometi um erro? pensei.

Decidi sentar ao lado dela e, ao fazê-lo, notei a pequena rosa que Mana estava observando mais cedo. Uma rosa quase sem vida, em seus últimos momentos, algo que não deveria estar no jardim, mas que algum responsável deve ter esquecido de retirar.

“Essa rosa…” comentei em um murmúrio.

“Pedi para deixá-la no jardim por mais algum tempo,” disse Mana com a voz fraca. “Ela pode estar nesse estado, mas continua tentando sobreviver.”

Suas palavras me fizeram entender. Ela se via refletida na rosa murcha.

“Mesmo uma rosa murcha,” disse, canalizando mana na ponta dos dedos. Com um simples gesto, consegui restaurar a rosa, usando minha magia. “Pode ser recuperada.”

Mana então virou o olhar em minha direção, surpresa com meu gesto.

“Você é mais gentil do que imaginei.”

Não pude deixar de sorrir com suas palavras.

“Não sou bom em demonstrar o que sinto, mas posso ao menos tentar.”

“Você é mais parecido com o Azrael do que imagina.”

“Por falar nele, imaginei que ele passaria o resto do dia ao seu lado…”

“Ele queria, mas pedi que saísse. Não quero que ele se segure por minha causa. Azrael viveu a maior parte de sua vida no centro de pesquisa. Sair um pouco e conhecer novas pessoas é o melhor remédio.”

“Se você diz…”

Nem mesmo notei o tempo passar enquanto conversava com a jovem. Mesmo não vivendo por mais de um milênio, ela parecia tão inteligente quanto um adulto, adaptando-se à conversa com maestria.

“E como é a convivência com seus irmãos?” perguntei, curioso.

“No começo, fiquei um pouco ciumenta de Alice, por tentar se aproximar do Azrael. Senti que perderia meu querido irmão, mas, com o tempo, entendi como ela se sentia e, na verdade, acabamos virando amigas…”

Alice estava feliz por conhecer seu irmão e queria se aproximar. Talvez sua forma de agir tenha feito Mana pensar que Alice estava tentando roubar o Azrael. Realmente, uma criança.

“Quanto ao Ex… Ele se mantém distante, mas é um jovem excepcional. Sempre se preocupando com seus irmãos e até enganou alguns guardas quando Azrael fugiu pela primeira vez.”

Ex pode parecer severo; era algo normal, já que ele mesmo não consegue se expressar direito, algo que parece ter herdado de seu pai…

Foi então que notei Mana vacilar por um momento, quase caindo e me segurando instintivamente enquanto parecia tonta.

“Mana! Está tudo bem?” perguntei, agitado.

“Oh? Me desculpe por isso,” disse ela, passando a mão no rosto. “Fiquei tonta de repente, mas já estou melhor.” Tentou mudar de assunto para não me preocupar. “E você? Como está sendo seu convívio com o Azrael?”

“Hmm… Você acredita que o Azrael não me chamou de pai uma única vez? Ele parece tão rebelde, me chamando de ‘velho’ enquanto chama Lilith de ‘mãe’. Ele é cruel,” eu disse, encenando lágrimas e um rosto abalado.

Mana então começou a sorrir.

“Não se preocupe, uma hora ele vai lhe chamar de pai.”

“O mesmo vale para você?”

“Quem sabe?”

Foi quando notei os guardas agitados. Não demorou muito para um homem se aproximar. Seus cabelos vermelhos e olhos azuis escuros eram características que eu reconhecia muito bem.

“Oh? Asmodeus. Aconteceu algo?”

“Belial…” ele disse, notando a presença de Mana ao meu lado. “Na verdade, Samael chegou há poucos minutos. Ela disse que deveríamos preparar tudo para amanhã.”

Sim, faltava apenas um dia para que Mana entrasse em um sono profundo e Samael queria se preparar para que nada desse errado.

“Então só tenho mais um dia…” ela disse com um suspiro.

Foi quando Asmodeus se aproximou, parando em frente à jovem pálida. Ele se ajoelhou para ficar na altura dos seus olhos.

“Princesa, pode parecer rude de minha parte, mas você não tem apenas um dia. Todos estão trabalhando para encontrar uma cura para seu estado atual,” as palavras de Asmodeus não pareciam ser ditas para repreendê-la. “Contudo, se a senhorita falar algo assim, o que os outros pensariam? Se você mesma não tem o desejo de viver, como aqueles que estão trabalhando duro para encontrar a cura vão se motivar?”

“Me desculpe.”

“Contanto que você entenda… Lembre-se, Princesa, você vai dormir por algum tempo, mas quando acordar, todos vão estar aqui para recebê-la com um sorriso no rosto.”

Obrigado, Asmodeus, pensei.

“Vamos? Samael deseja ver o seu estado atual.”

“Sim…”

Tanto eu quanto Asmodeus ajudamos a jovem, que estava fraca demais para se movimentar. Por algum motivo, ela não parecia querer esconder o seu estado na nossa frente. Contudo, ao passar pelos guardas ou Alice, ela rapidamente se recompunha com um sorriso no rosto e uma aparência vívida.

Observá-la fazia meu coração doer. Ela estava se esforçando muito para não preocupar todos.

Não demorou muito para chegarmos ao local onde Samael estava. Um quarto preparado para Mana, e esse seria o local de seu descanso. Samael parecia ter infundido uma grande quantidade de mana no ambiente, tornando-o puro.

“Hmm? Asmodeus, você engordou?” disse Samael de forma sarcástica ao notar meu amigo e conselheiro.

“Posso ter ganhado um pouco de peso. Fico extremamente feliz com seu olhar atento,” disse Asmodeus.

“Bom, vejamos…”, Samael virou seu olhar para Mana e logo se surpreendeu. “Como você ainda consegue se manter em pé nesse estado?” Sua pergunta me surpreendeu. Não esperava que Samael notasse apenas com um olhar.

“Eu estou perfeitamente bem,” disse Mana com seu sorriso.

“Todos os guardas, saiam,” disse Samael, ao que eu assenti.

Todos os guardas então saíram do quarto, deixando apenas nós quatro no ambiente. Samael caminhou até Mana e, com um movimento suave de sua mão, empurrou Mana levemente. A jovem caiu, como se Samael tivesse usado toda a sua força. Me surpreendi por um momento, mas Samael apenas nos ignorou.

“Vamos… Estamos apenas nós duas e esses dois. Posso garantir que tudo o que acontecer neste quarto não será conhecido. Não finja estar bem na minha frente.”

Foi quando todo o corpo de Mana começou a tremer. Seus olhos se tornaram apáticos enquanto seu sorriso desapareceu. Sua expressão foi tomada por desespero enquanto lágrimas caíam incessantemente de seus olhos. Por um momento pensei que Samael tinha usado algo em Mana, mas não parecia ser o caso.

“Deve ser doloroso,” disse Samael, observando Mana. “Me desculpe por não ter vindo mais rápido,” sua voz envolta em culpa.

“Sim, está doendo muito… Todo o meu corpo… Até respirar é doloroso,” as palavras de Mana me fizeram abrir os olhos. Pensei que ela estava em um estado grave, mas nunca imaginei que estaria tão ruim.

“Então por que você continua com o sorriso no rosto?” perguntou Samael com a expressão séria.

“Eu não queria preocupar a todos,” disse Mana enquanto as lágrimas continuavam a cair. “Eu não suporto mais… Por muitas vezes pensei em tirar minha vida. Acabar com meu sofrimento. Não suporto mais.”

Sua voz envolta em desespero mostrou a real gravidade da situação.

“E por que você não tirou sua vida? Por que não acabou com seu sofrimento?”

Foi quando Mana olhou para Samael. “Azrael… Ele… Ele… Eu não posso morrer ainda.”

Mesmo sem conseguir colocar em palavras, todos nesta sala conseguimos entender o que ela queria dizer. Desistir de sua felicidade por outra pessoa. Todos passamos por isso. Eu, Samael, Asmodeus e Mana.

“Belial… Quero te pedir um favor…” disse Samael, olhando em minha direção.

“Claro.”

“Quero que Mana não sinta essa dor no último dia”

“Você quer que eu fique com sua dor?”

Era compreensível. Ficar com o fardo de Mana significava assumir toda a dor que ela estava sentindo nesse momento. Viver um ano com a dor crescente do veneno era algo inimaginável e, mesmo com as poções de Samael, Mana deveria estar no limite.

“Não. Eu queria que você aceitasse o fardo por alguns minutos, enquanto canalizo de você para mim.”

Samael então explicou que, se mandasse diretamente para ela, não seria possível usar outras magias, já que Samael precisaria de tempo para se acostumar.

“Então você vai usar esse dia para se acostumar, para assim usar sua magia amanhã?” perguntou Asmodeus para confirmar.

“Sim. Mandarei o fardo do veneno para o Belial, em seguida usarei magia de cura, magia de controle e revitalização. Em seguida, vou enviar o fardo de Belial para mim.”

Com a explicação de Samael, consegui entender o que ela estava imaginando.

“Tudo bem. Faremos isso o mais rápido possível.”

Meu desejo era fazer com que Mana se livrasse da dor o mais rápido possível, e Samael logo entendeu.

“Durma,” disse Samael, fazendo Mana desmaiar no mesmo instante.

Asmodeus então a levou até a cama e Samael começou a formar sua magia. Fiquei em pé, ao lado da cama, enquanto Samael começava. Observando o nível de mana que Samael estava usando e toda a concentração, pude notar que era uma magia avançada.

Samael fechou os olhos, murmurando palavras arcanas. Um brilho azulado começou a envolver seu corpo e, em seguida, estendeu-se até mim. Senti uma pressão esmagadora ao meu redor, como se uma enorme onda estivesse prestes a me engolir.

“Belial, prepare-se,” avisou Samael.

“Estou pronto,” respondi, tentando manter a compostura.

De repente, uma dor lancinante atravessou meu corpo. Era como se minha pele estivesse sendo arrancada lentamente, camada por camada, enquanto todos os meus ossos eram esmagados e reconstruídos infinitamente. O sofrimento era indescritível, um tormento que ultrapassava qualquer dor física que eu já tivesse sentido.

Gritei, caindo de joelhos, incapaz de suportar a intensidade do sofrimento. Meu corpo tremia violentamente, suor frio escorrendo pela minha testa. Cada respiração era um esforço monumental, como se meu peito estivesse sendo esmagado por uma força invisível.

“É… insuportável… Como essa criança…?” consegui murmurar entre gemidos de dor.

Minhas veias pareciam estar em chamas, cada célula do meu corpo gritava em agonia. O tempo parecia se arrastar, cada segundo um inferno eterno. Meus músculos se contraíam descontroladamente, como se estivessem tentando escapar do sofrimento que os consumia.

“Continue… só mais um pouco,” disse Samael, sua voz firme, mas com um toque de urgência. Ela sabia que cada segundo era crucial.

Minhas mãos cravaram-se no chão, unhas quebrando-se ao tentar encontrar algum alívio na superfície dura. A dor era tão intensa que minha visão começou a embaçar, pontinhos de luz dançando na minha frente.

“Quase… lá…” A voz de Samael parecia distante, como se estivesse a milhas de distância.

Finalmente, senti uma leve diminuição na intensidade da dor. A sensação de alívio foi momentânea, pois a dor voltou com força total, mas desta vez era diferente. Senti uma força externa puxando o sofrimento para longe de mim, como se uma mão invisível estivesse extraindo o veneno de minhas veias.

“Agora, Belial! Estou transferindo para mim!” gritou Samael, sua voz carregada de esforço.

Com um último grito de pura agonia, senti a dor sendo arrancada de mim, deixando-me exausto e sem forças. Caí no chão, respirando pesadamente, meu corpo ainda tremendo com os resquícios do sofrimento.

“Está… feito…” disse Samael, sua voz fraca, mas aliviada.

Asmodeus rapidamente se aproximou, ajudando-me a levantar. Olhei para Samael, que agora estava de joelhos, suando e ofegante, mas determinada..

Samael acenou levemente, um pequeno sorriso de triunfo em seus lábios.

“Agora… Mana pode descansar… sem dor…” disse ela, olhando para a jovem adormecida na cama.

Sentir a dor de Mana por aqueles poucos minutos foi um sacrifício inimaginável, mas saber que ela estaria livre daquele sofrimento, nem que fosse por um breve período, fazia tudo valer a pena. Olhei para Asmodeus e vi a mesma determinação em seus olhos. Estávamos juntos nessa luta, prontos para enfrentar qualquer desafio para proteger aqueles que amávamos.

Samael levantou-se com dificuldade e se aproximou da cama de Mana. Com um gesto suave, ela colocou a mão sobre a testa da jovem, canalizando uma magia de sono profundo para garantir que ela descansasse tranquilamente, livre do sofrimento que a havia afligido por tanto tempo.

Observando a expressão serena no rosto de Mana, senti um misto de alívio e gratidão. Embora soubesse que a batalha ainda não estava ganha, o fato de que ela poderia descansar sem dor por um tempo era um pequeno raio de esperança em meio à escuridão que nos cercava.

“Belial, Asmodeus, obrigada por me ajudarem. Eu não poderia ter feito isso sozinha,” disse Samael, sua voz ainda carregada de cansaço.

Foi quando Samael caiu, Asmodeus se moveu rapidamente para segurando o corpo desacordado de nossa queria amiga. Ela parecia ter gastado todas as suas reservas de energia e não conseguiu se manter acordada por mais tempo

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