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A cidade se estendia no horizonte, imponente e cheia de vida, um contraste gritante com as ruínas que deixaram para trás. O mercado estava agitado como sempre, com comerciantes gritando suas ofertas e pessoas se apressando de um lado para o outro. Era um lugar de constante movimento e energia, uma colmeia de atividade que mascarava a escuridão que muitos sabiam que ali existia.

— Por que não fomos junto com os outros se íamos para Tenebris de qualquer forma? — perguntou Lúcia, sua voz carregada de curiosidade e um pouco de impaciência.

Ana olhou para a menina e depois voltou a observar a cidade. A brisa fria do entardecer soprava suavemente, carregando consigo o cheiro das fogueiras distantes e a vida agitada do local.

— Não sou bem-vinda ali, e não queria que soubessem de nós — respondeu ela calmamente.

Lúcia acenou, entediada, e voltou a olhar para a cidade. Uma estranha luz apareceu em suas íris enquanto seu olhar se focava em uma pessoa de cada vez.

— Seu controle da mana está realmente incrível. Estou impressionada.

Lúcia ficou corada com o elogio, um leve sorriso aparecendo em seus lábios.

— Obrigada. Ainda não vi ninguém parecido com a descrição — disse ela, tentando mudar de assunto.

— Devem chegar em breve. Os jogos começam em poucos dias.

No último mês, as duas tinham se escondido nos arredores de Tenebris. Ana pediu a Lúcia que procurasse pela caravana de Cesar usando sua visão aprimorada para não terem que se aproximar demais, e assim era passado a maior parte do dia. Às vezes, nos dias mais parados, treinavam um pouco, explorando os limites dos corpos mais fortes do grupo, um treinamento intenso que fazia Ana se surpreender com o quanto a mana agiu no corpo da criança e do lobo que a acompanhavam.

Enquanto conversavam, a mercenária entregou um prato com uma aromática sopa para Lúcia, e começou a comer um pedaço de carne sangrento, um hábito que apareceu novamente ao ter que viver na floresta.

— Isso realmente não faz mal? — perguntou a menina, franzindo o nariz.

— Já me acostumei. Ajuda a ficar mais forte. Você devia comer também.

Com uma cara de nojo, a criança recusou, voltando a olhar para a estrada. De repente, no limiar da sua visão, notou várias carroças aparecendo aos poucos.

— Ali! Gaiolas!

Rapidamente Ana enrolou um pano no rosto, escondendo suas feições. Seus olhos se estreitaram ao avistar os pequenos pontos que supostamente eram uma caravana escravista. 

— Esperem aqui, eu volto em poucos dias. Cuide dela — disse ao lobo, que estava preguiçosamente estirado perto da fogueira. O Animal rosnou baixo, mostrando que entendia a ordem, antes de voltar a fechar os olhos.

— Assim, do nada?

— Se Cesar estiver ali, preciso chegar antes dele.

Sem mais palavras, ela pegou uma bolsa com um punhado de ferramentas e materiais que já havia preparado e começou a descer em direção à cidade.

“Estou ficando mole”, pensou Ana, não conseguindo evitar sentir uma pontada de preocupação enquanto se afastava, mas só podia esperar que ficassem seguros até sua volta, isso não podia ser adiado.

A vista de Tenebris nunca deixava de impressionar. A cidade, conhecida por suas arenas, estava em plena atividade, e não foi difícil se misturar discretamente com a multidão. O mercado estava excepcionalmente lotado hoje, e o cheiro de especiarias, alimentos e suor enchia o ar.

Sabendo que ainda ia demorar quase uma hora para a caravana chegar, Ana decidiu resolver outros assuntos. Ela se dirigiu para uma parte isolada da cidade, onde os mercados menos convencionais se encontravam.

Ali, as pessoas não faziam muitas perguntas, e o dinheiro falava mais alto que a curiosidade. Ana se aproximou de um homem robusto, com cicatrizes no rosto e um olhar desconfiado.

— Procuro informações sobre uma espada negra cheia de marcas — disse ela, mantendo a voz baixa.

O homem olhou para ela, avaliando-a.

— Informação tem um preço.

Ana entregou algumas moedas, e o homem as pegou com um sorriso satisfeito.

— Ah, essa espada. É famosa aqui, pelo infortúnio que traz aos seus donos. Virou uma atração no mercado central, presa em uma pedra.

— Presa em uma pedra? — Ana levantou uma sobrancelha, intrigada.

— Sim, sim, tipo uma Excalibur feita de merda. Acharam que ia combinar com a cidade.

— Entendo… vamos, aí tem mais dinheiro do que o necessário para uma informação tão superficial.

— Bem, acham que pertence às sombras. Ninguém se preocupou muito em investigar, já que, além da aparência, não parece ter nada especial. Quem quiser arriscar, basta ir lá e tentar pegá-la. Se não enlouquecer, pode ficar com ela. Muitos já tentaram, mas mesmo os mais resistentes a devolvem poucas horas depois.

A garota aceitou com um aceno de aprovação, se virando para sair. Sabia que havia sido praticamente enganada, já que era algo de conhecimento público, mas não havia o que fazer, ela não estava ciente das últimas notícias.

“Vou ir buscá-la em seguida, velha amiga”.

Enquanto esperava, alugou uma pequena tenda em um dos cantos do mercado, onde começou a preparar seus materiais. As ervas dos pequenos frascos foram misturadas em uma pequena cuba, sendo esmagadas vigorosamente para criar um lodo denso e escuro.

“Perfeito!”, pensou ela, encostando suavemente e com muito cuidado a ponta de seu dedo mindinho. Uma sensação estranha percorreu seu dedo mesmo com a pequena quantidade. “Vamos torcer para funcionar da mesma forma em um possível rank B”

Em seguida, comprou um arco simples em uma venda próxima. Não era nada especial, feito de madeira de carvalho comum e forte o suficiente apenas para caçar pequenos animais.

“Faz tempo que não uso um desses”.

Enquanto puxava a corda algumas vezes para sentir sua resistência, notou que finalmente a caravana de escravos estava entrando na cidade. Como de costume, Cesar pediu para seus subordinados distribuírem os escravos pela cidade para serem vendidos assim que chegou, ficando sozinho com seus guardas em sua própria tenda, com diversos itens à venda. Ana apenas observou de longe, esperando o momento certo.

As horas voaram, e quando o mercado começou a esvaziar, a mercenária se levantou da cama improvisada que fez com sua bolsa. Ela esticou os membros e sentiu o ambiente por um instante. Uma brisa suave fluía por entre as ruas vazias, e o silêncio era aterrador.

— Os céus estão me ajudando.

Apesar da distância, ela confiava que acertaria seu alvo. Cesar e seus homens estavam em frente à tenda, comendo enquanto conversavam. Ana mergulhou a flecha até a metade na viscosa substância, fazendo o lodo encharcar tanto a ponta quanto a haste de madeira que compunha o objeto. Respirando fundo, ela puxou a corda e atirou. A flecha navegou entre dezenas de tendas com precisão extraordinária, passando a milímetros de muitos itens, mas sem acertar nada. 

— Estranho… Esperem um momento — o homem loiro olhou ao redor, levantando um dedo para interromper a conversa. Rapidamente, levantou a mão e pegou a flecha no ar, a centímetros de sua cabeça. Olhou para o item e deu um sorriso irônico, jogando-a de lado.

Os guardas levantaram-se em um pulo, preparando-se para um ataque, mas Cesar os acalmou.

— Sentem-se. Isso sempre acontece no nosso ramo, mesmo se acertasse não é suficiente para nos preocuparmos — disse ele com desdém.

Ana viu toda a cena de longe e logo voltou a sentar-se.

— Eu venci — sussurrou para si mesma, com um grande sorriso surgindo em seus lábios ao notar o escravista limpando a mão suja na calça desgastada.


De volta ao acampamento, Lúcia observava a estrada com ansiedade, seus olhos brilhando com a luz da mana. O lobo estava ao seu lado, também anormalmente vigilante. Confiavam em Ana, mas a espera era sempre a parte mais difícil.

— Ela vai voltar logo — disse a garota, tentando acalmar a si mesma tanto quanto a ele.

Com um suspiro, sentou-se ao lado da grande fera, encostando-se em seu pelo confortavelmente.

“Espero conseguir desta vez, ela vai me elogiar de novo quando voltar”

Lembrando das histórias que Ana contava de vez em quando sobre seus companheiros de aventuras passadas, Lúcia abriu as duas mãos, uma de frente para a outra. Após olhar firmemente por alguns segundos, duas pequenas esferas de energia apareceram, tão pequenas quanto uma lágrima.

Uma delas emitia um laranja caloroso como a luz do Sol, e a alta temperatura fazia cócegas em sua gelada mão direita. Em sua mão esquerda, havia um azul intenso que passava a sensação de vazio. Inversamente à primeira esfera, esta causava certa dor ao tornar seus dedos ainda mais gelados.

Com todo seu esforço, a pequena manipuladora aproximou as duas esferas lentamente, um centímetro de cada vez. Parecia existir uma barreira entre as duas que impedia de se tocarem, mas insistentemente ela manteve a posição. Os minutos se passaram como uma eternidade, pesadas gotas de suor caiam dos curtos cabelos pretos.

Foi então que, de forma inesperada, as esferas começaram a se transformar em duas pequenas linhas, se reconstruindo de forma que se entrelaçavam entre si. O frio e calor foram substituídos por uma sensação inexplicável, confortável e angustiante ao mesmo tempo, mas tudo durou apenas uma fração de segundo antes de se desmanchar em milhares de partículas que rapidamente desapareceram no ar.

“Funcionou!”, pensou Lúcia, enquanto desmaiava pela escassez de mana em seu corpo.


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