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— Maria, até que enfim. Onde estava? — A voz da rainha era grave.

— Perdão, Majestade. Eu estava colocando uns negócios em dia — respondeu, aproximando-se.

Catarina estava sentada no trono. Ao seu redor, cerca de dez cadeiras estavam arranjadas em um círculo. Maria reconheceu alguns nobres e cavaleiros como sendo escudeiros da rainha. Também reconheceu Fernão, general do exército. Ao seu lado, estava Alvar. Não havia mais cadeiras vazias na sala, então Maria precisou ficar em pé, atrás da fileira de homens sentados, do lado oposto ao da rainha.

— Onde estávamos mesmo? — Catarina perguntou.

— Estávamos planejando a defesa, Majestade — disse Fernão. Ele era alto e muito magro. Tinha os cabelos grisalhos, curtos, e usava uma barba sem bigode, também grisalha. Seus olhos castanhos eram muito escuros e ficavam embaixo de sobrancelhas grossas. Seu nariz era bastante ossudo e proeminente, e contrastava com as bochechas afundadas, deixando seu rosto parecendo com o de uma grande ave de rapina. Usava uma armadura prateada, com adornos dourados nas ombreiras e peitoral. Os outros homens olhavam-no com visível admiração. Ele continuou, em sua voz grave:

— Precisaremos de todo soldado disponível do reino, sem dúvida. E eu acho que três divisões seriam a configuração mais adequada. — Sua fala era mansa e atraía a atenção naturalmente. — Os invasores vieram pela região de Teles, pelo que soubemos. Se pudermos posicionar nosso exército em Valença, Lancastre e Resende, estaremos razoavelmente protegidos até que consigamos lançar o contra-ataque.

Maria achou que era uma excelente ideia. Era uma estratégia parecida com uma que já tinha funcionado no passado.

— Perdão, general — era Alvar —, mas eu discordo um pouco. Lancastre não tem um muro muito reforçado, receio que um ataque ali possa ser bastante problemático para nós.

— E o que sugere, conde?

— Sugiro uma quarta divisão de apoio nos arredores de Lancastre. Talvez no castelo de Gama, que fica perto? — Ele olhou para os outros, levantando as sobrancelhas. — Em caso de um ataque, poderíamos surpreendê-los pela retaguarda e forçar uma rendição.

— Não sei. Nossos números estão bastante reduzidos — respondeu um escudeiro da rainha que raramente aparecia no castelo.

— Tem razão, lorde Carmelo — disse Fernão. — Eu não gosto da ideia, Alvar, prefiro manter as divisões mais robustas. Além disso, o castelo de Gama é pequeno e não comporta mais do que poucas dezenas de homens, não faria muita diferença.

Os homens concordaram com a cabeça. Maria também concordou, mas não disse nada, pois estava literalmente fora do círculo.

— Eu não estava pensando em soldados comuns — disse Alvar, com um sorriso no rosto. — Pensei em destacar a guarda real.

Maria sentiu borboletas voando em seu estômago.

— O que está sugerindo, conde Alvar? — perguntou Catarina.

— Cada homem da guarda real pode facilmente derrubar quatro ou cinco soldados ordinários, Majestade. Sua guarda é formada pelos melhores soldados que eu já vi em combate. E graças à capitã, estamos muito bem equipados. — Ele olhou para Maria e fez um aceno com a cabeça.

Todos se viraram para olhar para ela. Maria acenou em agradecimento. Fernão perguntou:

— O que acha, capitã?

— Eu não acho prudente deixar o castelo da rainha desguarnecido — ela respondeu.

— Mas se os invasores tomarem Lancastre teremos sérios problemas — disse um outro cavaleiro, que Maria sabia se chamar Jorge. — Eles teriam uma rota direta até o coração do reino!

— E se a rainha cair, milorde? — disse Maria. — O que acontece com o reino?

— Ora, os invasores estão longe daqui. Eles nunca se conseguiriam…

— Um pequeno destacamento — Maria interrompeu-o — poderia se aproximar do castelo despercebido. E sem uma guarnição adequada qualquer ameaça pode se tornar um perigo real para a rainha.

— Mesmo sem a guarda, o castelo ficará bem protegido, podemos deixar uma ou duas centenas de soldados comuns.

— Podemos convocar os homens da reserva também — disse lorde Carmelo.

— Homens da reserva? — protestou Maria, com um sorriso irônico no rosto. — Quer colocar a rainha sob a proteção desses homens mal treinados? Aliás, nem deveríamos chamar de homens um grupo formado basicamente por crianças e idosos.

— É mais do que suficiente. Já viu o tamanho dessas muralhas? Com arcos e pedras, qualquer um poderia facilmente defender…

As vozes começaram a se exaltar, jogando ideias e discussões para cima e para todos os lados. Os homens exibiam expressões ferozes e levantavam seus punhos enquanto falavam.

— SILÊNCIO! — Catarina gritou, e os homens se calaram imediatamente.

— Ótimo, assim conseguimos conversar. Maria! — A rainha olhou para ela, com um sorriso orgulhoso no rosto. — Você é a única aqui que parece estar preocupada com a minha segurança.

— É o meu trabalho, Majestade.

Catarina disse:

— Sim, talvez você não seja tão fraca quanto demonstrou no torneio. Então é você quem vai nos dizer o que fazer.

Maria respirou fundo, sentindo um misto de revolta e orgulho. Respondeu:

— O plano do general Fernão me parece a melhor opção. A sugestão do conde Alvar é arriscada, e eu não gostaria de colocar a sua vida em jogo, Majestade. Se perdermos Lancastre, viveremos para lutar mais um dia. Se perdermos a rainha, a guerra estará terminada.

— Uma sábia decisão — disse Alvar, olhando para Maria. — Mas me permita uma última sugestão, Majestade? — disse, virando-se para a rainha.

— Prossiga, conde Alvar!

— E se a escondêssemos em algum castelo no Sul? Há muitos aliados por lá, que dispõem de terras e soldados capazes de proteger vossa Majestade.

Maria pensou em Frederico de Vide. Seu castelo ficava no Sul.

— Esconder-me? — Catarina perguntou, franzindo as sobrancelhas.

— Temporariamente. Até que a ameaça dos invasores seja eliminada. Em um castelo menor, com soldados acostumados a defendê-lo, estaria mais do que segura.

— Não sei… Maria, o que acha?

Maria olhou para Alvar, para Fernão e todos os homens ali presentes. Eles acenavam com a cabeça e murmuravam frases de apoio à ideia. Restava a Maria tomar a decisão final. Todos olhavam para ela atentamente, conscientes de que ela seria a responsável pelo futuro do reino. Maria respirou fundo mais uma vez e disse:

— Majestade, posso ser honesta?

— É para isso que está aqui.

— Eu não sei se de fato vossa Majestade tem tantos aliados aqui no reino. Recomendo que fique aqui.

Mais vozes se ergueram.

— Isso é um ultraje!

— O que está alegando, mulher? Traição?

— Isso é inadmissível! Eu não vou ficar aqui ouvindo…

— SILÊNCIO! — gritou Catarina, e mais uma vez os homens se calaram. — Alvar, o que acha?

Alvar ficou momentaneamente abalado, mas rapidamente se recompôs, e disse:

— Se me permite, Majestade, eu acho que não precisamos descartar a ideia ainda. Eu me proponho a lhe trazer os nomes de possíveis castelos onde acho que seria um lugar seguro. Vossa Majestade pode analisá-los pessoalmente e decidir se podemos seguir adiante com o plano ou não.

Catarina pensou um pouco, e disse:

— Sim, Alvar, pode ser. Eu posso fazer isso. Então estamos todos de acordo? Três divisões? E se eu achar algum lugar confiável e puder sair daqui, Maria e Alvar comandarão uma quarta divisão formada pela guarda real. É isso?

— Sim, Majestade — todos disseram, em acordo.

— Ótimo — encerrou Catarina. E com uma voz feroz, acrescentou: — Vamos expulsar esses malditos do nosso reino!

Gritos e urros de apoio seguiram a fala da rainha. Logo todos se levantaram e começaram a deixar a sala. Maria estava também saindo quando foi abordada por Alvar:

— Obrigado.

— Pelo quê? — ela respondeu, desconfiada.

— Por me apoiar, agora há pouco.

— Eu tive a impressão que fui contra a sua ideia.

— Foi? Eu achei que você foi quem fez ela se tornar realidade. — Ele sorriu de um jeito enigmático antes de virar-se e sair da sala.


— Maria, que prazer em vê-la. Há quanto tempo não vem aqui?

— Muito tempo, madame Pérola, estive viajando.

— Ah, sim, eu soube. Entre, por favor.

Maria entrou e seguiu Pérola pelo já conhecido caminho dentro do “Diversão e Arte”. Passaram pelas salas e saguão que normalmente estavam cheios de mulheres se arrumando, mas naquele momento, por ser manhã, estavam completamente vazios. Ao chegar à sala onde sempre conversavam, Pérola foi logo dizendo:

— Em que eu posso ajudar você hoje, querida?

— Conde Alvar. Ele chegou faz pouco tempo. Sabe quem é?

Pérola sorriu e disse:

— Sei sim. Bonitão, musculoso…

— Ele está tramando algo contra mim, e eu preciso saber o que é.

Pérola pareceu desconfiada.

— Tem certeza? Nós não percebemos nada.

— Ele tem frequentado o prostíbulo?

— Não, na verdade não. Mas ele tem solicitado a nossa presença no castelo com muita frequência. Acabou virando nosso melhor cliente, na verdade.

— Ah é?

— Mas pelo que eu sei, ele mesmo nunca se deita com as meninas. Ele gosta mesmo é de pagar para os amigos.

— Isso é bastante incomum.

— Sim, muito. Na semana passada, por exemplo, ele gastou uma grana preta para levar seis meninas para passar a noite lá. Normalmente são uma ou duas.

— E elas ficaram com os soldados da guarda real?

— Sim, foi isso mesmo.

Maria ficou imaginando que tipo de festa ele estaria promovendo dentro dos aposentos oficiais da guarda. Certamente esses “agrados” ajudaram a aumentar sua popularidade.

— E elas não ouviram nada de estranho?

— Não, eu não fiquei sabendo de nada. Você disse que ele está tramando contra você?

— Sim, é o que eu penso.

— Realmente, nada parecido com isso chegou aos meus ouvidos. Fiquei preocupada agora, vamos ficar alertas, Maria, pode deixar.

— Muito obrigada.

Maria se levantou, fez o pagamento pelas informações e caminhou em direção à saída. No caminho, perguntou:

— Onde está Violeta?

— Ela não chegou ainda. Por quê?

— Nada, só queria dizer um oi. Outro dia, no castelo, ela disse que tinha novidades, mas eu não pude conversar com ela.

— Eu direi que você veio procurá-la.

— Obrigada.


O dia estava meio nublado, mas o clima era agradável. Depois de sair do prostíbulo, fez seu costumeiro passeio pelo mercado, e agora caminhava lentamente pelas ruas da cidade. Eram as mesmas que tinha perambulado com Martim. Parecia que aquilo aconteceu há muitos anos atrás, quando tudo era menos complicado.

Pensar em Martim lhe trouxe a recorrente sensação de tristeza que a acompanhava sempre que ele invadia seus pensamentos. Ela se condicionou a nem começar a pensar nele, pois se o fizesse, entrava rapidamente em um estado de espírito melancólico do qual demorava para sair. Desta vez, não conseguiu, e o céu pareceu ficar mais cinza do que realmente era.

A tristeza também perturbou sua visão, pois ela podia jurar que o homem sentado perto do cais era Martim. Estava longe demais para ter certeza, mas chegou até a ver Sereia, a sua cachorrinha, pulando feliz e mancando ao redor dele. O homem jogava um pedaço de pau para que sua companheira fosse buscá-lo, o que ela fazia com uma felicidade enorme.

Em um determinado momento, o animalzinho levantou as orelhas. Pareceu ter escutado algo vindo da direção de Maria. Começou a correr em disparada, e depois de vários segundos estava lambendo seu rosto, com o rabo balançando loucamente.

— Sereia! — o homem gritou, distante. — Volte aqui!

A cachorrinha era mesmo a Sereia, e aquele homem era mesmo Martim. Com o coração saltando pela boca, Maria virou-se de costas e começou a se afastar, abanando com a mão para que o animal desistisse de lamber seu rosto. Bateu forte com o pé no chão, tentando assustá-la, mas não conseguiu. A única coisa que fez a cachorrinha desistir foi correr rápido para longe dali.

— Ei, moça, não precisa ter medo! Ela não faz mal!

Estava longe de Martim, e ele não pareceu tê-la reconhecido. Depois de alguns metros, Sereia desistiu de acompanhar. Respirando aliviada, Maria desapareceu pelas ruas da cidade.

Sem saber o que fazer, cogitou voltar até o prostíbulo e procurar Violeta, mas já estava cansada e decidiu ir direto para o castelo.

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Olá, eu sou Daniel.Lucredio!

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