Depois da cena dentro da taverna, Grey queria muito ter paz durante o sono. Mesmo concentrado puramente em dormir, ele não conseguiu afundar sua cabeça completamente no travesseiro e chegar ao dia seguinte com a consciência leve, muito pelo contrário, sua mente não parava de pensar nos eventos rodeando o garoto e a mulher mal-encarada.
Foi um susto enorme ver Brutus se dobrando e caindo para trás, ele até tinha dúvida se conseguia vencer de frente a senhora quando seu colega grandalhão desmaiou com um golpe. Ao menos, nenhum problema maior veio após ela subir as escadas, sobrando bastante tempo para acordar o gigante careca. Existia, no entanto, um fio de incredulidade e medo no canto da sua mente.
Esse pequeno incômodo ganhou uma forma maior ao ouvir os sons de explosão num quarto próximo. A espada, que sempre guardava debaixo do travesseiro, serviu como uma ótima amiga na hora de ir para o andar debaixo e conferir o que havia acontecido. O lado de fora possuía uma extensa cortina de poeira, mal dando para ver nada direito, mas o enorme buraco no teto da taverna respondeu bem às suas dúvidas.
— Quem quer que esteja aí, abaixe sua arma agora!
O grito serviu para alertar qualquer possível inimigo, o que Grey não esperava era que Milea fosse a primeira a aparecer, com um corte no meio do peito e jorrando bastante sangue. Ela segurava um cabo numa das mãos, do que antes era sua arma pessoal, a maça cheia de espinhos, só havia restado pequenos fragmentos de ferro no lugar do objeto completo.
— Não se aproxime, Grey, é muito perigoso!
O paladino não acreditou, na verdade sentiu medo do que quer que estivesse do outro lado da cortina de poeira, e por isso agiu rápido em trazer a santa para o seu lado e longe do conflito, pondo-a atrás de si.
— Você está gravemente ferida, entre e avise os outros de um ataque inimigo! Pegue poções também, se eu usar um milagre, o inimigo pode atacar de volta!
— Não, Grey, você entendeu errado! — suplicou Milea, agarrando em seu braço. — Ela só está… confusa. Eu ia ajudar o garotinho, fiquei preocupada, então ela atacou! Por favor, não a machuque, Grey!
— “Ela”? Quer dizer que…
Grey queria torcer para que outra pessoa surgisse em meio àquele caos, mas era impossível negar a verdade. Do outro lado, com uma trilha de neve em seu caminho, estava a senhora de antes. Ela se mantinha de pé, mas seu corpo inteiro tremia, e seus olhos estavam cheios de sede de sangue. A cimitarra em sua mão ficou em pedaços, enquanto seu corpo ia caindo da direita para a esquerda quando tentava dar um passo em frente.
O homem engoliu seco, estava nada confiante de ganhar uma luta, mas levando em conta o estado dela, talvez pudesse se virar sozinho.
— Tudo bem, eu acho que posso mantê-la ocupada. Chame os outros, depressa!
Milea adentrou a taverna novamente, enquanto Grey se pôs no caminho de Jessia, com sua espada levantada, sinalizando um duelo. Ele se sentiu sujo por enfrentar uma pessoa num estado debilitado, seria desonroso numa situação normal, porém levando em conta o poder demonstrado antes e como pretendia apenas segurá-la o bastante, podia lidar com isso.
— Garoto, você é mesmo certinho demais pro seu trabalho… — falou Jessia, carrancuda e com os ombros abaixados. — Queria saber como você não vê que aquilo é um demônio. Ela te pegou direitinho, viu. Ah, eu queria ver sua expressão quando for tarde demais pra perceber isso…
— Milea não é um demônio! Um demônio jamais invadiria o corpo de uma devota de Lithia!
— Sim, sim, vocês idiotas desse culto estúpido com suas mentiras e convicções estúpidas vivem dizendo isso, mas aí, a realidade é diferente. Quando parar de ser alienado, vai entender…
O paladino fechou a boca. Isso tinha que ser um blefe, era só um meio de sair da cilada que a inimiga inventou para não cair na cadeia. Por mais que quisesse achar uma solução para evitar o embate, atacar uma santa era demais para ignorar. Ele avançou, sua espada colidiu contra os fragmentos ainda presentes na cimitarra quebrada, lançando faíscas no meio da noite.
Uma breve troca de golpes continuou, com Grey conseguindo empurrar Jessia para trás a cada choque de lâminas. Sua oponente não estava no melhor estado, logo, sua força e velocidade tinham diminuído, permitindo pressionar os pontos certos com pura força bruta. No entanto, se fosse por técnica, ele teria perdido há muito tempo, levando em conta como a esgrima dela era superior à sua em inúmeros sentidos, como se previsse o trajeto completo da sua espada antes mesmo de movê-la.
Por causa disso, a atenção do paladino se voltou em cobrir qualquer falha demonstrada, e foi isso o que quase cortou sua vida. A ponta de uma adaga veio rumo à garganta, aproveitando a guarda aberta. Estava a centímetros de pegá-lo, quando Jessia repentinamente parou.
Grey prendeu a respiração, amedrontado pelo gélido metal prestes a lhe cortar. Ele deu um passo para trás, percebendo que os pés da mulher estavam revestidos por gelo, que seguiu até o braço e a impediu de mexer mais um pouco. Era quase um milagre que tal coisa tivesse acontecido.
— Ainda bem que cheguei a tempo! — gritou Ludio, o mago, não muito longe da comoção. — Por que diabos você só não ficou enrolando ao invés de um combate direto?! Foi por muito pouco que não consegui conjurar minha magia de gelo à tempo!
O paladino voltou a inalar normalmente, notando por cima do ombro que Brutus e Ludio estavam de pé, juntamente de Relena e Joan ao lado. Milea não estava ali, mas só vê-los próximos aliviou seu peito. Grey deu um passo para trás e abaixou sua espada, reparando no olhar arregalado da senhora e também em como estava sem palavras sobre o que aconteceu.
— Que merda, esse mundo tá condenado — debochou, abaixando os olhos e enfim desistindo de continuar. — Vocês todos vão morrer pela mão daquela santa, paladino desgraçado.
Ele ignorou a ofensa, sequer queria pensar nisso direito, pois sua mente parecia falhar em registrar a sequência de eventos. Naquele breve instante, o coração de Grey apenas aceitou por ainda estar vivo.
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