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O rosto de Milea estava distorcido, aterrorizado. A criatura que antes atormentava o coração dos homens agora era quem sofreria a devida punição. O fluxo de energia demoníaca se intensificou, dessa vez saindo como uma torrente em descontrole, ao mesmo tempo que espasmos tomaram conta da falsa santa. Seus membros lentamente começaram a emagrecer, enquanto uma palidez tomou a pele, tornando-a o fantasma de o que um dia foi. 

— Mestre, por-por… favor…!

— Não consigo lhe ouvir, está falando muito baixo. — Um sorriso apareceu em meio a sombra de Er’Ika, largo o bastante para refletir a satisfação do momento. — Eu devia ter feito isto desde o começo, mas agora que você não me é mais útil, posso pegar o que preciso.

— Nã-Não…! Mes-mes…!

De repente, uma adaga saiu da manga de Liane, cravando-se no pescoço e silenciando suas palavras. Assim, a absorção terminou. A criança largou um longo suspiro, vendo a moça cair para o lado com um buraco na garganta e manchar o piso de sangue. Não gostou de fazer tal coisa, especialmente quando a dona original do corpo era inocente, porém essa era a única saída.

Ele a odiava, esse ser nojento tomou posse de algo que era de outra pessoa e estava atormentando as pessoas, então Liane tentou apagar a culpa pensando como realizou um bom trabalho para a humanidade. Seu serviço, no entanto, também beneficiou Er’Ika, que desde outra incrível descoberta queria se livrar daquele fardo.

Se energia eram todas iguais, bastava pegar uma grande quantia para si e resolver seus problemas, no entanto, ele entendeu que precisava converter e então consumir permanentemente. Não era algo reutilizável, algo que se armazenava dentro de si, aquela coisa era consumida para ferir o selo. Logo, uma vez que usasse energia para esse propósito, ela seria completamente perdida, potencialmente matando uma pessoa. Por esse motivo que ele não gastou nada em Liane, temendo que afetasse seu desenvolvimento, mas importava se fosse a vida de outra pessoa?

O garoto soltou um suspiro, limpando o sangue na adaga com um dos lençois.

Se sente mais leve agora?

— Sinto, queria muito tirar ela de perto da gente.

Oh, pequenino, pelo visto perdeu o medo de matar.

— Eu tenho medo de matar, mas não esse tipo de gente. Eles merecem.

Sua mente justiceira me impressiona, admito. 

Liane balançou a cabeça, querendo tirar o assunto da conversa. A seguinte coisa a checarem era quanto à seu corpo e como se sentia após receber uma carga tão grande. Ele confessou que parecia ter recuperado tudo o que perdeu, como se nunca tivesse gasto nada em primeiro lugar, o que era uma coisa ótima já que precisariam de uma boa quantia de forças para o que viria a seguir.

Bem, começaremos algumas coisas do Demonicon, você se importa de emprestar de novo a sua mão para mim?

— Ah, tá falando de não deixar nem os pedaços? Você não praticou muito isso, tem certeza que vai dar certo?

Plenamente. Eu nunca falo algo sem antes ter certeza, ou sem que atiça minha curiosidade.

O garotinho odiava como era extremamente perigoso tal coisa. De um jeito ou de outro, ofereceu o braço, a sombra que antes era sua acabou tomando uma forma física, enrolando-se ao longo dos músculos e saindo pelos poros nos dedos. Era extremamente estranho, porque Liane ganhava a impressão de faltar algo dentro da cabeça, Er’Ika ficava completamente silencioso e sua mente apenas ganhava um eco infinito.

Foi quando aquelas penumbras caíram sobre a santa, engolfando-a por completo e lentamente consumindo sua carne em meio a sons de mordidas. Era muito nojento imaginar o que acontecia, por isso Liane virou o rosto até a criatura feita de sombras terminar. Quando tudo acabou, o ser retornou pelo mesmo ponto que saiu, e assim o espaço vazio no garoto se ocupou novamente.

Estou muito satisfeito. É como pensei, demônios acabam tomando completo controle ao dominarem os hospedeiros e passam a destruí-los de dentro para fora. No final, aquela mulher, mesmo após tirarmos aquela coisa, sobreviveria nem um dia.

Liane abaixou os olhos e suspirou, caminhando rumo à porta com uma pequena mochila nas costas pronta. Ele não queria pensar muito nisso, a culpa queria roer suas entranhas e a falta de um funeral correto era muito errado para si mesmo. Evitou seus olhos para qualquer um, mesmo para os demais mercenários na taverna, querendo parecer apenas uma figura pequena em meio a multidão.

— Ei, garotinha, para onde está indo?

A pergunta veio do bartender, que estava atrás do balcão, sempre atento a tudo que acontecia no seu estabelecimento. Ver aquela figura pequena indo embora causava incômodos, especialmente após o que aconteceu nos dias anteriores.

— Vou sair para andar um pouco, tio — falou Liane, mostrando um pequeno sorriso. — Volto logo.

O homem de bigode cogitou pará-lo, pois tinha filhos e uma esposa para cuidar, o que o tornava muito afetivo quanto às crianças. No entanto, manteve-se no lugar. Aquilo não era da conta dele.

— Tome cuidado, tem muita gente mal intencionada nos dias de hoje.

O menino acenou com a cabeça antes de caminhar sobre a neve da estrada. O cachecol ao redor do pescoço mal protegia direito da friagem, aumentando a saudade de quando dormia abaixo de uma cama fofinha atrás das paredes escuras do orfanato. Ele vinha evitando as lembranças de lá, isso só faria suas pernas terem mais dificuldade de se mover e a coragem ser minada.

Queria a todo custo encontrar a irmã Zana, se não fosse pelo tanto de coisas acontecendo ao seu redor, talvez se focasse nesse desejo, mas o que uma criança sozinha poderia fazer no mundo dos adultos? Os passinhos de Liane o levaram rumo a um complexo, a prisão da Vila do Dente. Ele era minúsculo se comparado ao conjunto de prédios e o portão dali, se visto de longe, ia ser uma formiga.

Os guardas na entrada avistaram sua aproximação e estranharam o que uma criança faria ali. Imediatamente, um deles acenou com a mão, para chamá-lo para perto e perguntarem porquê estava ali, sem reparar na dormência minando as forças em suas mentes.


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Olá, eu sou Zunnichi!

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