Ir para a prisão não era o pior destino do mundo. Jessia inúmeras vezes entrou em enrascadas, logo, virou costume ser jogada numa cela ou dentro de um centro de detenção por sabe se lá quanto tempo até arranjar uma rota de fuga. A essa altura, esta devia ser a sua 10° prisão, ela estava mais do que acostumada ao sistema interno e a hierarquia entre os criminosos, e para variar, destruiu tudo por dentro.
Os soldados que a levaram se surpreenderam com sua identidade, comprovada ser Jessia Scarla, a renomada bandida vagando pelo condado Minus e com uma recompensa enorme por sua cabeça. Infelizmente, para o azar deles, ninguém poderia matá-la por conta própria. Havia uma lei quase sagrada entre os comandos a respeito da morte de criminosos procurados, em que os oficiais não deveriam encostar as mãos neles como forma de evitar a criação de um ciclo de falsas acusações e recompensas pela morte de um certo indivíduo.
Então, para não sujarem as mãos, eles a jogaram no campo de guerra dos presos, um grande erro que cometeram.
Ainda durante a madrugada, Jessia conseguiu esfregar o rosto do maioral daquele lugar no chão, foi tão fácil que mal deu para cansá-la direito. Inclusive, ela ordenou para que ele ficasse de quatro e fosse usado de trono, humilhação grande o bastante para satisfazer as necessidades sádicas da bandida. Outros capangas tentaram uma rebelião e confrontá-la com números, porém nem isso foi o bastante, precisou apenas de uma barra de metal e um pouco de mana para esmagar os crânios deles.
Disso, ela lentamente obteve um caminho para ter o chefe da guarda na ponta dos dedos, ameaçando todos os homens dentro da prisão e como realizaria uma chacina caso suas demandas não fossem atendidas. Seu plano era fugir com números brutos, já que seu exército de sujeitos feios e sujos seria mais do que o bastante para causar um caos pela Vila do Dente.
No entanto, imediatamente sua mente contrariou a ideia, levando em conta que o plano atual era andar por mais um tempo com Liane até deixá-lo seguro. De maneira alguma que sair por aí com marmanjos sem o mínimo de lealdade teria um pingo de segurança.
— Hmmmm… o que será que eu faço, hein?
Naquele momento, ela estava sentada sobre o ex-chefão da prisão, que continuava de quatro e completamente nu. Jessia olhava para o alto e balançava a cabeça, imaginando qual o plano de ação tomaria quando pulasse os muros daquele lugar.
— Preciso pegar o pirralho e ir embora o mais rápido possível… — murmurou, balançando a cabeça de um lado para o outro despretensiosamente. — Aquele demônio, me pergunto o que uma coisa daquelas faz aqui. Hah, que merda.
— Che-Chefe! — chamou o homem, servindo de trono, olhando-a pelo canto do olho. — Eu, eu posso ajudar quanto a uma questão de demônios! Tem um culto nessa vila que…!
— Quem permitiu você falar?!
Ela usou o porrete de um dos guardas da prisão para acertar a nuca do sujeito. Ele era um assento, nada mais, um mero objeto cuja língua deveria nem existir. Os olhos de Jessia transmitiam ódio, como se quisesse arrancar a garganta da primeira pessoa que aparecesse na sua frente, o que fez o ex-chefão ter um frio na espinha e abaixar os olhos. Isso agradou a mulher, desenhando um sorriso no seu rosto.
— Hah, agora sim, fale. O que tem esse culto?
— O… O chefe da guarda tem contatos com o prefeito… Cerca de algumas semanas atrás, um grupo entrou na prefeitura e conversaram com ele. Dizem que o prefeito se tornou uma marionete, um morto-vivo controlado pelo líder desse grupo, e depois disso houve ameaças sobre o chefe da guarda para manter a boca fechada, do contrário a esposa e filho dele morreriam.
— Hm? Isso parece bobo demais para os meus ouvidos. Esse chefe não hesitaria acionar em segredo um contato para lidar com demônios, então tem coisa errada na sua história…
— Nã-Não, senhora! O chefe da guarda usou um amigo próximo para chamar pelo menos um paladino e uma santa para a vila, dizendo para caçarem uma besta na floresta. A besta de fato existiu, mas assim poderia avisar quem estava fora sobre a situação!
Alguns pontos passaram a se encaixar na mente da mulher. Se aquilo fosse de fato verdade, então era uma questão de azar que aquela santa foi possuída, pois significava que ela foi possuída antes de chegar lá. Por outro lado, explicava a festança da taverna, e também a presença do paladino. Um suspiro saiu da boca de Jessia, os seus sentidos antes alertando sobre uma coisa errada tinham começado a se atiçar, ao ponto de uma certa emergência florescer em sua mente sobre a fuga.
— Vista alguma coisa, você começou a me enojar.
— Si-Sim, agora mesmo!
O homem saiu de vista, permitindo que a velha senhora ficasse só com seus pensamentos, revivendo um plano para assegurar a própria vida e de Liane. Enquanto seu raciocínio procurava toda informação útil, Jessia percebeu uma coisa estranha. A prisão estava quieta, nem mesmo os guardas andavam nas suas rotas de vigia.
Ela sacou a cimitarra da bainha, arma que havia recuperado depois de algumas negociações com o chefe da guarda, e chamou todos os homens mais próximos para acompanharem-na. Eles andaram pelos corredores da prisão com plena liberdade, apenas para se espantarem com diversas pessoas caídas no chão.
Estavam vivas, mas dormindo num sono profundo demais para acordarem facilmente. Jessia teve outro arrepio, sentindo um par de olhos encarando sua nuca. Ela virou a cabeça para todos os lugares, em busca dessa pressão, apenas para se deparar com Liane no campo aberto da prisão, onde o espaço era dividido com o portão central. O garotinho ficou sentado num canto, abraçando seus próprios pés e esperando no meio da neve, apenas para ficar plenamente atento para aquela senhora.
— É um diabinho cheio de surpresas…
Jessia andou para fora da prisão, pisando na neve e se ajoelhando em frente ao menino, que levantou a cabeça e a encarou.
— Sabe, eu comecei a acreditar que na realidade você possa ser um demônio.
— Eu não sou! É só um truque que aprendi…
— Fingirei que acredito. Enfim, por que veio até aqui se poderia só ter ido embora sem mim?
— Eu preciso de um favor seu.
— Favor? Que favor?
— Eu quero salvar as pessoas dessa vila.
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