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neko lua
Capítulo 018 – A clareira do bosque! ‎ ‎ ‎

— Você me leva para cada problema, cara. — Phellege dizia enquanto encarava suas vestes rasgadas, levantava com cuidado seu pé para o próximo passo.

O som das pisadas abafadas que amassavam e quebravam as raízes era uma das poucas coisas que ainda atingiam os ouvidos dos dois.

— Juro que um dia iremos rir disso! — esbravejou o relicário.

O Bosque das Folhas Densas estava sempre imponente, estendia-se praticamente como uma muralha que havia adquirido vida. As árvores amontoadas eram tão próximas que faziam com que suas raízes criassem uma barreira intransponível.

Raízes que se deleitavam entrelaçadas do chão, enroladas umas nas outras quase como uma dança rastejante.

Andar era uma grande batalha, um ato simples como caminhar precisava de tanto esforço e atenção que trajetos nos quais a distância poderia ser passeada em vinte minutos levavam uma hora de esforço máximo.

O ar estava muito pesado, era como se pudesse tocá-lo, as narinas estavam completamente envolvidas em terra úmida e folhas decompostas.

— Aldmond, levarão anos até que a gente converse sobre isso e eu não esteja te odiando mais! — O necromante parecia enfurecido, mas não dava para voltar.

As trilhas pareciam inexistentes depois de um certo período de caminhada, as poucas que ainda se podiam distinguir estavam tão cobertas por camadas espessas de musgo e as raízes soavam quase como um mecanismo de defesa do próprio bosque.

Como se ele estivesse tentando apagar qualquer rastro ou vestígio da sua passagem. Aldmond estava um pouco mais adiante, frustrava-se toda vez que perdia a direção.

— Vai ser rápido, prometo… Encontramos Aloe Vera, pegamos, voltamos. — O relicário parecia confiante.

Galhos baixos arranhavam os braços dos aventureiros, isso os forçava a ir com mais atenção, devagar, desviando do caminho.

— Rápido… Quando adentramos aqui, ainda não havia amanhecido… Agora seria meio-dia? Eu não sei dizer! Não dá para saber!

As copas das árvores uniam-se alguns metros acima das suas cabeças, criavam um teto verde tão espesso que quase nenhuma luz do sol penetrava floresta adentro. O bosque permanecia em um estado de penumbra permanente.

— Cheguei a ler alguns poucos livros que falavam daqui…

Por estar à frente, o relicário virava-se para encarar seu amigo de cabelo raspado.

— De tempos em tempos, sempre rumando ao sul, podemos encontrar alguma clareira, ou conjuntos delas… Onde poderemos descansar.

As árvores ao redor pareciam se aproximar ainda mais, como se o bosque estivesse tentando engolir os dois intrusos.

— Nosso primeiro plano então seria encontrar uma clareira dessa e descansar, certo? — O necromante parecia estar mais inclinado após saber disso.

— Assim que a acharmos, sim, lá provavelmente poderá ter tudo que precisamos, então é só voltar. — O aluno do laboratório tinha tudo sob seu controle.

Passou mais algum tempo, nada que Phellege não tivesse deixado de reclamar, a exaustão bateu não muito depois disso, o andar que estava devagar acabou ficando ainda mais, como se gradualmente o bosque tivesse absorvido completamente os dois, não apenas fisicamente, mas mentalmente também.

Quando estavam para cair desacordados, foi possível escutar um leve sussurro de água correndo, isso indicava que uma rara clareira estava próxima. Eles sabiam que ela logo seria tomada novamente pelas folhas densas, ainda assim, Aldmond avançava em um ritmo inquebrável, mesmo com as dificuldades, alimentado pela esperança de ter encontrado algo.

Alcançaram finalmente, parecia um antigo acampamento, havia marcas no centro que diziam silenciosamente uma fogueira apagada pelo tempo, deixando apenas um amontoado de cinzas e brasas mortas. Aldmond chegou com uma certa velocidade ao conseguir desvencilhar-se totalmente das amarras do bosque. Phellege sofrendo, teve seu êxito em se soltar logo depois, ambos prontamente esticaram seus braços, suas pernas, alongavam com força, suspirando quase em cacofonia pelo relaxamento dos músculos.

— Pensei seriamente que pereceríamos — brandiu o necromante.

Eles estavam ofegantes, era claro o quão claustrofóbica a situação com que tinham se deparado, de qualquer forma, era o momento para o descanso, verdadeiramente.

— Você precisa ser menos pessimista, isso é coisa de necromante? — indagou o relicário.

— Sou muito seu amigo, você precisa valorizar isso! — Phellege sorriu.

— Agora que chegamos a uma clareira, podemos repousar.

Assim que dito isso, o inventor teve um estalo e começou a olhar para baixo, na grama, onde o pedido do mestre Gambiarra poderia nascer. Então continuou:

— Na verdade, fique por aqui, preciso ver se tem uma Aloe nesta região. — O aluno do laboratório deixou o necromante sentado, recuperando o fôlego enquanto caçava algumas ervas, raízes.

Um raio de luz pálido conseguiu atravessar a copa das árvores, iluminando por breves instantes o rosto do jovem do Mausoléu do Sofrimento, que encarava Aldmond.

— E então, encontrou alguma coisa? — O homem passava a mão em seu cabelo raspado, ele conseguia escutar o som dos pequenos troncos capilares enquanto a palma trafegava pela cabeça, era relaxante.

— Nada… Nada ainda.

Aquela clareira serviu de bom ponto de recuperação, a fogueira estava acesa, o inventor havia trago comida. Sentaram-se ao redor do fogo, não sabiam dizer se ainda estava claro ou se a noite já havia caído, de qualquer forma, esfriara um tanto.

— Como é, no laboratório?

— Em que sentido? — Aldmond virou para ver o seu amigo, ele ainda mordiscava uma maçã.

— No geral, eu soube que funciona como uma escola, mas isso é tão abrangente que fico me perguntando como seria o ambiente. — Phellege mordia mais uma vez a fruta que havia recebido diretamente da mochila do cientista.

— É um lugar calmo, sabe disso? — O aluno relicário abria um sorriso — Gosto como tudo é muito leve, o senhor Solomúrius faz de tudo para que a gente se sinta em casa, eu particularmente quase não visito mais meus pais na mesma intensidade que eu fazia assim que fui matriculado, é um ambiente divertido.

— E os estudos? Já fez alguma relíquia? Criou algo do zero? — O necromante havia percebido que sabia quase nada desse lado do seu amigo, pouco se conversava sobre as suas profissões em um geral.

— Uma vez fiz uma bengala.

Por mais que o clima estivesse agradável, os dois conseguiam sentir um peso em suas nucas, como se estivessem sendo observados.

Eles trocavam olhares preocupados como se pudessem se comunicar apenas com isso, volta e meia algum deles olhava ao redor, mas apenas encontravam arbustos, troncos largos e folhas. Mas o peso não aliviava seus ombros em momento algum, decidiram ignorar por ora.

— Bengala, o que é isso? — O homem do mausoléu inclusive parou de comer para prestar mais atenção.

— Imagina um cetro, só que um pouco maior, feito justamente para quem tem algum problema mínimo de locomoção e precisa de apoio. — Aldmond sorriu. — Fiz para um senhor que morava lá perto.

— Creio eu que seja deveras nobre, os relicários auxiliam os outros diretamente, diferente de um clérigo que cura a ferida, mas sim, o relicário melhora a sequela, posso dizer assim? — O necromante compadecia.

— É uma forma… Acho muito bonito e tenho orgulho de fazer parte disso, por isso tive esse desejo de auxiliar o velho Gambiarra, eu queria me mostrar útil, quero alegrá-lo, sinto que ele merece.

Eles entreolharam em comunhão, era uma amizade forte. Um respeitava o outro e o admirava dentro do seu âmbito, por mais que não fossem tão parecidos entre si.

Ainda mais em tempos em que as guildas pareciam guerrear uma com a outra, mesmo com o rei juntando todas em um grupo de um único propósito.

Não era de se esperar que essa individualidade ainda existisse, e isso acontecia sim.

Era muito comum ver os arcanos andando junto, as moças dos venenos andarem juntas, os ferreiros, os algozes. Mas uma amizade que transcende as guildas?

Tal como Victoria e Dalila, que estavam cultivando uma boa relação fraterna, Aldmond e Phellege já viviam.

Um farfalhar de supetão nas folhas fez ambos pararem por um instante, os olhos buscando em vão a origem do som. Estavam alerta desde antes, poderia ser um problema, levantaram com prontidão e se prepararam.

Aldmond puxou uma besta, seu gatilho estava adaptado para que ele pudesse recarregar os virotes com mais velocidade, mão de obra de um relicário.

Phellege tinha uma adaga curva, que puxou do seu cinto de couro que havia sobrevivido aos danos da jornada até aqui.

Vindo da mais densa escuridão, no coração do bosque, pequenos sons de caminhada se tornavam cada vez mais destoantes no meio da calmaria verdejante, sons de grunhidos agudos e gritos rasgados penetravam entre as árvores, assustando os pássaros.

A dupla apertava com força suas armas enquanto não visualizava perfeitamente os seus inimigos.

Suas expressões tomaram um lugar de pavor assim que os primeiros monstros passaram para dentro da clareira, goblins.

Não apenas um, ou um pequeno grupo com cinco, como as forças do reino enfrentaram outrora.

Praticamente quatro dezenas dessas pequenas criaturas diabólicas começam a rodear os dois amigos, que perceberam a armadilha em que caíram.

Sem ter para onde fugir, e mesmo que tivesse, a geografia do local impediria uma fuga rápida. Estão forçados a ficar e batalhar pelo bem das suas existências, não houve tempo para diálogo.

Um desses goblins saltou em direção ao necromante com uma pequena espada enferrujada nas mãos, e uma voracidade que fez as pernas do aventureiro tremer.


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