— Ele deve ser executado! — A primeira pessoa a dizer isso, foi o barão Frost, mas a verdade era que todos pareciam pensar o mesmo.
Siegfried foi posto de joelhos, com dois guardas atrás dele e uma fogueira de pedra à sua frente, o separando do conde e sua esposa, sentados em seus respectivos tronos.
O resto formava uma espécie de semicírculo ao seu redor, jogando insultos e dando sugestões muito criativas sobre formas de execução, tanto fidalgos, como guardas que estavam presentes.
— SILÊNCIO! — ordenou o lorde, fazendo com que os gritos se tornassem murmúrios e então morressem em um silêncio respeitoso. — Igmar.
— Vossa graça. — O capitão da guarda saiu da multidão e se aproximou.
— Vamos começar com o seu testemunho. Foram você e seus homens quem chegaram primeiro ao local. Diga-nos o que aconteceu.
— Como ordena, vossa graça. Estava fazendo minha inspeção noturna, para garantir que tudo estivesse em ordem, quando eu e meus homens ouvimos os gritos. — Igmar deu à Siegfried um olhar desgostoso, antes de seguir em frente. — Era a jovem senhorita, Mirabel. É claro que nos apressamos em ver o que estava acontecendo. Liderei pessoalmente nove dos meus homens, esperando que talvez fosse algum assassino enviado por Eradan… E talvez eu estivesse certo.
Os murmúrios recomeçaram, mas logo morreram novamente.
— Não levamos mais do que cinco minutos para chegarmos ao pátio de treinamento, de onde veio o grito. Assim que chegamos, encontramos o filho de vossa graça, o jovem lorde Samuel, inconsciente e com um corte em sua cabeça, ao lado da jovem senhorita, Mirabel, que chorava, enquanto seu irmão mais velho, o jovem senhor, Dorian, estava a mercê da lâmina deste merc… Do escudeiro de vossa graça. Não tenho dúvidas de que o teria matado, se não tivéssemos chegado a tempo e o dominado.
Quando o capitão terminou seu testemunho, Siegfried percebeu que a condessa o encarava; tinha uma postura régia, condizente com a sua posição, mas era possível ver o ódio ardendo em seus olhos.
“É… Acho que eu tô ferrado.”
O próximo a testemunhar foi Dorian, e sua história não poderia ter sido mais fantasiosa, nem se tivesse sido cantada por uma trupe de bardos e pantomimeiros.
— Não havia honra nesse mercenário — disse, gesticulando com os braços, como se estivesse prestes a iniciar uma performance. — Pois se houvesse, eu o teria derrotado, sem dúvidas. Vi quando ele arrastou o pequeno Samuel até o pátio, ameaçando matá-lo, enquanto a minha querida irmã implorava para que os deixasse ir. Quando achou que não havia ninguém por perto, ele mostrou sua verdadeira face e espancou o filho de sua graça, como um lobo selvagem ataca uma criança indefesa.
A multidão engoliu cada palavra e o conde teve de mandar que se calassem outra vez. Enquanto todos estavam ocupados com o próprio falatório, Dorian sorriu discretamente para Siegfried, como se estivesse orgulhoso de si mesmo.
Quando todos se acalmaram, prosseguiu:
— Claro que eu estava por perto e vi a coisa toda. Me arrependo de não ter percebido suas intenções mais cedo, ou talvez tivesse sido capaz de evitar que ele tocasse sequer um dedo no filho de sua graça. Não esperava que o seu próprio escudeiro faria algo tão terrível. Talvez eu tenha sido ingênuo, afinal, todos sabemos o que foi feito ao herdeiro de meu avô. O jovem Mival teve sua cabeça arrancada em um puro ato de selvageria. Talvez os mercenários tenham algum fetiche em matar garotos jovens.
— O testemunho, Dorian — lembrou o conde. — Se atenha ao que viu. Já sei muito bem o que pensa.
— Mas é claro, vossa graça. Bem, como disse, o teria derrotado se fosse uma luta justa. Mas esse covarde usou minha própria irmã como escudo e se aproveitou de meu momento de fraqueza para tentar me matar. Claro que não foi capaz, mesmo um truque tão baixo lhe deu apenas uma ligeira vantagem. Já estava prestes a lhe mostrar do que é feito um guerreiro de verdade, quando o capitão Igmar e seus homens chegaram. — Ele se virou para Siegfried. — Devia se sentir grato, pois se não fosse por sua interferência, estaria morto agora.
Então o mentiroso girou no próprio calcanhar e se retirou, com o peito inflado de orgulho, enquanto era recebido por aplausos e tapinhas nas costas.
— Acho que já ouvimos o bastante — declarou a condessa. — Seu escudeiro é claramente tão vil quanto o alertei. Devíamos esfolá-lo vivo por isso.
— O julgamento não terminou! — respondeu o conde. — Mirabel.
O pai da garota se abaixou e disse alguma coisa em seu ouvido, então segurou seu ombro, deu um empurrãozinho em suas costas e a levou até o conde.
— V-v-vossa g-graça. — Ela segurou a barra do vestido e fez uma reverência, quase perdendo o equilíbrio e caindo no chão de tanto tremer. Seu rosto estava terrivelmente pálido e parecia prestes a chorar.
— Não tenha medo — disse a condessa, em um tom amável que fez Siegfried se espantar. Até o momento, o único tom que a tinha visto usar, era o típico desgostoso e cheio de amargura. — Só nos diga o que aconteceu.
Mirabel falou, mas tão baixo que ninguém foi capaz de ouvir.
— Um pouco mais alto, querida.
A garota respirou fundo e ergueu a cabeça tão alto quanto era capaz. Sua expressão fingia uma confiança altiva, embora parecesse mais que ela estivesse imitando a condessa. Mas a coragem a abandonou assim que abriu a boca:
— Eu vi… E-eu vi ele… Foi o… — A garota viu Siegfried e então congelou. — E-eu não… Eu…
— Sinto muito, vossa graça — disse Kellen, colocando uma mão em seu ombro e fazendo com que ela se calasse. — Minha filha passou por um incidente traumático. Peço que a perdoe, mas não acredito que será capaz de testemunhar.
— Meu marido entende — declarou a condessa. — Pode voltar ao seu lugar, querida.
Kellen e Mirabel fizeram uma reverência antes de se retirarem. A garota estava tremendo, e não era mais capaz de olhar para Siegfried; o seu pai, por outro lado, fazia o melhor para esconder a boca, que tremia e se contorcia em um rosnado.
Então o salão ficou em silêncio.
O conde trocou olhares com Siegfried. Seu rosto impassível e sombrio:
— O que tem a dizer em sua defesa?
Siegfried se levantou e os guardas às suas costas se agitaram, mas o lorde fez um gesto e eles nada fizeram.
— Eles estão mentindo — disse o rapaz, com toda a calma do mundo. — Todos eles.
Não que tenha sido uma surpresa, mas o salão explodiu em gritos e ofensas. Ouviu também o som de uma ou outra lâmina sendo retirada da bainha.
Não lhes deu atenção.
O conde se levantou e rugiu:
— SILÊNCIO!
Lenta e relutantemente, todos obedeceram. Mas os murmúrios continuaram, tão discretos como se fossem moscas conversando entre si.
— Está dizendo que nossos vassalos mentiram em seu testemunho? — O rosto da condessa era sombrio e amargo, embora sua voz fosse calma. Sabia que ela já o teria executado, se a decisão lhe coubesse; como não tinha essa autoridade, desempenhou o papel de esposa sensata. — Que meus sobrinhos, sangue do meu sangue, olharam nos meus olhos e mentiram? Que Igmar, o capitão da guarda, o homem que lutou ao lado do meu marido e serviu fielmente nossa casa por quase três décadas, sem vacilar, veio diante de nós e também mentiu?
— É.
Por um breve momento, o rosto da condessa foi tingido de vermelho e ela não piscou. Parecia prestes a se levantar e ordenar aos guardas que cortassem sua cabeça ali mesmo, quando o seu marido interveio:
— Então o que houve?
— Dorian me atacou, logo depois de chutar Sam e ameaçar sua irmã.
— MENTIRA! — gritou Dorian.
Então todos enlouqueceram. O conde mandou que Dorian recuasse, mas o garoto não lhe deu ouvidos e logo outros se juntaram aos insultos. Os mais sensatos pediam para que a língua de Siegfried fosse cortada, por suas mentiras; os outros… Bem, digamos apenas que eles podiam ser bem criativos quando se tratava de punições. Até mais do que os orcs.
Então o lorde puxou a espada.