O grupo partiu logo ao entardecer, antes de o almoço ser servido.
O conde Gaelor assumiu a dianteira com o seu andaluz branco, seguido de perto por Siegfried, que dividia a sela com Gwen; pois as escravas não tinham o luxo de uma montaria. Logo atrás vinha Dara e, fechando a fileira, Dorian.
Além dos nobres, havia também oito guardas formando um anel de proteção ao redor deles.
O barão Frost vinha a pé atrás da fileira; as mãos amarradas atrás das costas, enquanto o último dos guardas puxava uma corda enrolada ao seu pescoço, de vez em quando dando puxões para fazê-lo se apressar. Depois do testemunho de Dara contra ele, o velho confessou seu crime.
“Para poupar a si mesmo de alguma tortura”, Siegfried sabia.
E o conde não foi paciente em esperar para dar um fim aos criminosos que enchiam a prisão.
Descendo a colina, o rapaz podia ver a primeira de três gaiolas de ferro que foram penduradas ao longo da estrada principal do vilarejo; lá dentro, o velho corcunda que havia sequestrado Mirabel e tantas outras garotas, estava nu, mas vivo, pois a sua punição seria morrer de frio, enquanto os plebeus assistiam e jogavam coisas nele.
As outras duas gaiolas estavam longe demais para ver, mas sabia que a cena era a mesma: os outros dois líderes do mercado de escravos ilegais, uma mulher gorda e um velho estudioso, ambos nus, vivos e esperando que o inverno os reclamasse.
Quando chegaram em frente ao templo de Elyon, os guardas estavam descendo o último dos nove criminosos enforcados por sequestro e tráfico ilegal de escravos. Ao verem que o conde se aproximava, os homens se apressaram em jogar o corpo em uma carroça, junto com os outros oito, e partiram, abrindo caminho pela multidão agitada.
Então o grupo parou às portas do templo.
Siegfried ajudou Gwen a desmontar; por ordem do conde, ela tinha voltado a usar as correntes.
Um pouco mais afastada, percebeu que Dara não havia desmontado, e provavelmente nem seria capaz de fazer isso sozinha; tinha escolhido um vestido de lã azul que chegava aos tornozelos e uma capa de lã negra com capuz para protegê-la do frio, mas tanto tecido a impedia de desmontar sem correr o risco de cair.
— Aqui — disse Siegfried, estendendo a mão para ajudar a garota.
Ela aceitou e o rapaz pôs a outra mão em sua cintura, ajudando ela a descer do cavalo, mas assim que desmontou, Dara se agarrou firme ao seu braço e não soltou, enquanto Dorian lançava olhares irritados ao casal.
— Podia pelo menos esperar até a execução do nosso avô terminar — disse Dorian —, antes de se esfregar no assassino dele.
Ela apertou o braço de Siegfried com mais força e escondeu o rosto em seu ombro. Isso apenas deixou seu irmão mais irritado:
— Tsc. Puta traidora! — disse, e então se afastou a passos largos.
A execução começou alguns minutos depois.
Já havia, pelo menos, meia centena de plebeus quando eles chegaram, mas de alguma forma haviam dobrado de tamanho ao saberem que um fidalgo seria executado. Até onde a vista alcançava, as ruas estavam lotadas e todas as janelas abertas.
A multidão comemorou e gritou insultos enquanto dois guardas traziam o barão Frost e o carrasco vinha logo atrás, com seu machado e uma tábua de madeira; o rosto oculto por baixo de um pano preto.
Quando estavam passando ao lado do conde, o lorde fez um gesto, ordenando que parassem, e se aproximou do condenado:
— Últimas palavras?
— Quando a guerra começou — disse o barão —, recebi uma carta me oferecendo um lugar na hoste do rei Helmut. Se pudesse fazer tudo de novo, teria aceitado! Nada me daria mais prazer do que marchar contra você!
O conde sorriu:
— Terminaríamos de volta aqui, mas pelo menos eu não teria tido de ouvir você reclamando sobre suas malditas terras por dois anos inteiros. Por falar nisso, não se preocupe, irei tomá-las de volta na primavera.
— Seu desgraçado, filho da–
Quando o barão se descontrolou e tentou atacar o lorde, os guardas que o escoltavam quebraram seu braço com um estalo horrível e o arrastaram até o estrado.
Ele não resistiu quando os soldados o fizeram se ajoelhar e puseram sua cabeça na tábua de madeira, com o pescoço apoiado em uma fenda.
— Pelo crime de traição — gritou um guarda de cabelos lisos e grisalhos, para que os presentes pudessem ouvi-lo —, o barão Kastor Frost, pela autoridade de sua graça, o conde Alwyn Gaelor, protetor do condado, foi sentenciado à morte por decapitação!
A multidão gritou insultos e jogou coisas, até que o carrasco se aproximou.
Quando o machado desceu, Siegfried sentiu as unhas de Dara afundarem em seu braço, fazendo-o sangrar um pouco, mas ela não desviou os olhos, nem mesmo quando foram necessários outros dois golpes para terminar o serviço.
— Cê tá bem?
— E-eu… An-anham… N-não é nada.
Mas quando o carrasco pegou a cabeça do barão e mostrou para a multidão, o rosto dela ficou tão pálido que era como se também estivesse morta.
E finalmente acabou.
— Ele podia ser um traidor, mas ainda era pai da minha esposa — disse o conde ao carrasco, logo antes de partirem. — Pendure a cabeça junto com os outros, mas queime o corpo. Não o quero ver apodrecendo.
— Como quiser, vossa graça.
Siegfried ajudou Dara a montar e então todos voltaram para o salão em silêncio.
Quando chegaram, o almoço já tinha começado a ser servido; peixe assado com temperos, batata e cebola, junto de canecas de cerveja para engolir tudo. Mas eram poucos aqueles com apetite.
A condessa deu apenas algumas mordidas em seu prato, mesmo tendo recebido o melhor dos peixes, ao invés disso se concentrou em beber mais e mais taças de vinho; mas era uma dama e, mesmo no luto, sabia sua posição. Tão logo começou a ficar bêbada, se retirou para o quarto e não voltou a aparecer pelo resto do dia.
Emelia também estava sem fome, ou talvez não tivesse tempo de comer, já que algumas servas, mais ou menos da sua idade, estavam rodeando a garota como se fossem abutres; agora que a Brynna estava presa e aguardando sua sentença, todas queriam tomar o seu lugar como amiga fiel da filha do conde. Mas não pareciam estar tendo êxito algum nisso.
De repente, Igmar se levantou da sua mesa, com o rosto vermelho do álcool, e atravessou o salão até o trono.
“Então já tá na hora”, Siegfried bebeu um gole de cerveja e observou.
Quando o capitão chegou à fogueira de pedra, se ajoelhou de cabeça baixa e disse bem alto, para que todos pudessem ouvir:
— Vossa graça!
A curiosidade dominou a todos rapidamente, e o falatório logo morreu, enquanto prestavam atenção ao que Igmar dizia.
— Eu falhei em ver os traidores que dormiam sob estes tetos e permiti que vossa família fosse alvo de suas conspirações vis. Não sou digno de servi-lo… Eu humildemente renuncio à minha posição e aceito qualquer punição que o senhor julgar adequada.
— Levante-se, meu velho amigo. A traição não foi sua. É um homem leal e honrado, a sua falha não muda isso. Eu não aceito sua renúncia.
— É por minha honra e lealdade que faço esse pedido, vossa graça. Não poderia viver com tal mancha em meu orgulho. Se meu cargo não é o bastante para expiar meu fracasso, então peço que me diga o que devo fazer.
O conde fingiu-se pensativo por um momento e então deu sua resposta:
— Vejo que está decidido. E compreendo bem o peso do orgulho ferido… Pois bem! Se está tão determinado, não serei eu a lhe negar a chance de reparar sua honra. Eradan e seus rebeldes revelaram-se uma ameaça muito mais ousada e traiçoeira do que mesmo os meus sonhos mais loucos seriam capazes de prever. Manipularam a mente do pai de minha esposa, fizeram dele um traidor e tramaram o sequestro de minha doce sobrinha, Mirabel. Creio que já está na hora de arrancá-los do buraco onde se esconderam, e que homem melhor para a tarefa do que você?
— Eu humildemente aceito a missão, vossa graça. E pela minha honra, juro: não voltarei a mostrar meu rosto neste salão até que a cabeça de Eradan e seus homens estejam em minhas mãos!
— O que será muito em breve, não tenho dúvidas. E não se preocupe, conheço o homem certo para proteger o salão em sua ausência. Siegfried!
O rapaz se levantou e foi até o trono, enquanto todos o observavam; a maioria boquiaberta, mas não surpresa. Quando chegou ao lado de Igmar, se ajoelhou para o conde:
— Vossa graça.
— Levante-se! — ordenou o lorde. — Você pode ser jovem, mas todos nós já fomos um dia. Sua habilidade marcial e lealdade feroz já foram mais que testadas e provadas. Salvou Mirabel e expôs os traidores que nenhum de nós notou. O que me diz, ‘vice-capitão’?
— Agradeço humildemente essa honra, vossa graça — disse Siegfried, como havia ensaiado em sua mente. — E juro desempenhar minha função com coragem e lealdade.
Igmar se virou para encará-lo, o desgosto e ódio estampados em seus olhos, mas manteve todas as cortesias e apertou a mão do novo vice-capitão:
— Eu te dou as boas-vindas, irmão. Tenho certeza de que vossa graça estará em boas mãos na minha ausência.