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Seus homens estavam assustados e Siegfried podia ver isso.

De algum modo, Eradan parecia ainda mais com um monstro agora que estava mortalmente ferido. Tinha de andar curvado, com os ombros caídos e a ponta da espada arrastando no chão. A imagem de um homem morto, mas ninguém se atreveu a se aproximar.

Esse ‘homem morto’ tinha pouco mais de um e oitenta e estava coberto de aço da cabeça aos pés. Quando olhavam para ele, tudo o que viam era um cavaleiro. Tudo o que viam era a morte.

Siegfried sentiu seu coração pulsar e sorriu.

“Mate!”, sussurrou uma voz em sua cabeça.

“O que acha que eu tô tentando fazer?”

Seus braços ainda tremiam do esforço de trocar golpes com o lorde rebelde. Não era só dor, mas também exaustão; teve de manter o escudo bem acima da cabeça na maior parte do tempo e seu braço ressoava cada vez que aparava um ataque com a espada, como se atingisse um pedregulho.

Mas não tinha outra opção; a prata nobre o teria estripado como a um peixe. E agora já não tinha mais o escudo.

Quando nenhum deles se moveu, Eradan deu um passo à frente, passando por cima do cadáver de um dos homens que matou e isso foi o bastante para fazer os dois últimos recrutas recuarem mais um passo.

— Qual o problema? — perguntou Eradan. A voz rouca meio abafada pelo elmo e a chuva. — Cês tão um pouco longe, não acham não?

Outro passo e outra vez os recrutas recuaram.

— Como vão me matar daí?

Mesmo que não pudesse ver o seu rosto, não era difícil imaginar o sorriso de desdém que devia ter por baixo do elmo.

Então Siegfried sentiu os olhos dos recrutas sobre si, como que implorando que lhes dissesse o que fazer.

“São só rapazes”, notou.

O mais velho não devia ter mais de dezessete anos e o outro nem chegava a quinze. Soldados verdes. Mas ainda lhe podiam ser úteis.

“Eles vão morrer de qualquer jeito”, sussurrou a voz.

“Eles vão morrer de qualquer jeito”, concordou.

Um relâmpago iluminou o céu noturno e o rapaz sentiu a chuva lavar suas mãos sujas de sangue quando se pôs em posição, levando o pé esquerdo à frente e segurando a espada com uma empunhadura dupla.

— Em posição! — disse e os recrutas levantaram as lanças lentamente, se preparando para uma última investida. — Atacar!

Siegfried foi o primeiro a tomar impulso; seguindo o seu exemplo, os soldados fizeram o mesmo, se lançando em um ataque suicida com um grito de guerra. Então Siegfried desacelerou e deixou que os dois tomassem a dianteira sem nem notarem o que estava acontecendo.

O recruta mais novo foi o primeiro a chegar; a sua lança mirou a cabeça de Eradan, mas o lorde rebelde quebrou a ponta com um golpe e abriu a garganta do garoto com outro.

O recruta mais velho teve mais sorte; a sua lança atingiu Eradan no estômago e o impacto fez com que o lorde rebelde cambaleasse dois passos para trás, mas nem chegou perto de atravessar a armadura. Sua morte foi rápida. Em um instante estava lá, e no outro a prata nobre tinha partido a sua cabeça ao meio.

Cinco segundos.

Foi o que a vida de ambos comprou.

Assim que o segundo cadáver caiu no chão com um baque úmido, Eradan notou. Tinha a perna direita trêmula e a espada apontada para o chão, lutando para não deixá-la cair, enquanto procurava ao seu redor, mas o elmo e a chuva não o favoreciam. A essa altura, Siegfried já estava atrás dele; seu coração pulsando loucamente.

“Mate!”, dessa vez não foi um sussurro. Foi mais alto, como se alguém segredasse em seu ouvido.

Então algo explodiu em seu peito.

Sentiu o seu corpo ferver, mas não de adrenalina, era como se tivesse engolido carvão em brasas e queimasse de dentro para fora. Não doía, mas as gotículas de chuva em sua pele secaram em uma fina névoa de vapor, não muito diferente daquela que saía da espada de Eradan.

Foi uma sensação boa.

Por um momento, esqueceu-se do cansaço, dos rebeldes, dos recrutas mortos e até do conde. Só o que restava era o inimigo diante dos seus olhos e o cheiro fraco de sangue, lavado pela chuva.

Então enterrou a espada no ombro de Eradan.

A armadura era grossa, feita de bom aço, mas nem o melhor aço de Thedrit era desafio à altura do aço anão, forjado nas profundezas de Lâmina Feroz, entre magma e feitiços divinos. A couraça quebrou, a cota de malha se partiu e o casaco acolchoado abriu-se suavemente para revelar a carne macia escondida por baixo de três camadas de proteção.

Ouviu-se um ‘crac’ quando lhe quebrou a clavícula e Eradan arquejou, caindo de joelhos.

Por um breve momento, pensou que o lorde rebelde voltaria a se levantar e cortaria a sua cabeça, tal como tinha feito da primeira vez com os recrutas, mas isso não aconteceu.

Então empurrou as costas de Eradan com um chute e arrancou a lâmina do seu ombro, mas mesmo caído de bruços na lama, o lorde rebelde ainda tinha os dedos firmemente presos em volta do cabo da espada, por isso Siegfried pisou em sua mão e arrancou a arma com um puxão.

— Não… — Eradan sussurrou. — Não… A-assim não… É minha… V-você não… N-não merece… É-é minha…

Então os soluços começaram e o rapaz entendeu que ele estava chorando. O deixou de lado e deu uma volta para ver se mais alguém estava vivo, embora já soubesse a resposta antes mesmo de se dar ao trabalho; todos os cinco recrutas que o acompanharam estavam mortos.

“Cinco vezes que eu teria morrido se estivesse sozinho”, brincou.

As fogueiras acesas por Eradan se extinguiram lá pela madrugada, uma ou duas horas antes das nuvens escuras darem lugar ao céu acinzentado da manhã.

A chuva não chegou a parar, mas era agora não mais que uma mera garoa.

Alguns rebeldes foram capturados tentando atear fogo no novo acampamento depois que Siegfried ordenou aos seus homens que o movessem mais para o sul; o rapaz em si nada teve de fazer além de receber os oito cativos e ordenar que fossem mantidos sob vigilância.

— O conde tratará deles mais tarde — disse. — Até lá, fiquem de olho neles. E se tentarem fugir, matem!

Os homens nada sabiam do estado do conde e o barão Kessel achou melhor manter as coisas dessa forma por enquanto. Estavam perto de ter a sua nora e o neto de volta, seria um problema se os rebeldes descobrissem o que aconteceu e tivessem o cérebro para entender o que aquilo significava.

A revolta na Vila do Lago também foi controlada, com vinte soldados mortos e pouco mais do que isso de feridos, mas mesmo que somasse todos, nem chegava à metade de mulheres mortas, que já eram uma centena e mais algumas. Metade da vila.

Siegfried estava reunindo homens para recolher os corpos, quando viu as bandeiras no horizonte.

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