A batalha acabou pela madrugada.
Depois da sacerdotisa e suas acólitas, não houve mais moradores tentando escapar para a floresta. Os que ainda restavam permaneciam escondidos em suas casas; de vez em quando podia ouvir os gritos de uma família qualquer que foi descoberta pelos soldados.
“É o direito deles”, disse Siegfried a si mesmo.
Recolher os espólios era direito dos vencedores. A Vila do Lago foi poupada apenas porque eram as terras do conde Gaelor. Nenhum suserano de respeito permitiria que saqueassem o seu próprio povo. Mas aquela vila pertencia aos Silvergraft e eles eram seus inimigos.
“Se não queriam ser dominados, deviam ter lutado mais.”
Mas isso não deixou os gritos mais suportáveis. Deu por si lembrando de Beth em sua cama, na sensação da sua bunda macia e o gosto dela na sua boca. Pensou em Izzie…
Devia ter sido mais gentil com ela.
— Com licença. — A sacerdotisa estava sentada no chão, junto com os outros, usando sua coleira de ferro no pescoço e os grilhões nos pés. — Ah! O-obrigada. Por antes, quero dizer. O senhor nos salvou. É um cavaleiro de verdade, posso ver.
— Então está cega. Não sou cavaleiro nenhum.
— S-sinto muito, senhor. Me enganei… A-ainda assim, foi muito galante o que fez. Obrigada. Por mim e minhas irmãs.
Não houve mais conversas depois disso.
Siegfried não dormiu naquela noite, mas permitiu que seus homens descansassem em turnos. Era pouco provável que ainda restasse resistência na vila e tinha as suas dúvidas quanto à coragem de mulheres e crianças acorrentadas, mas preferiu não arriscar.
♦
O mensageiro veio junto com o sol; um soldado a pé de quinze anos, que apareceu correndo e veio direto até Siegfried:
— Senhor comandante.
— O que houve?
— Sua graça, o barão Kessel, informa que a Vila do Lobo foi conquistada!
A maioria dos soldados estava acordada, mas os que ainda dormiam depressa levantaram ao ouvir os urros de alegria dos companheiros. Os cativos também acordaram assustados, mas mantiveram um silêncio melancólico enquanto seus homens comemoravam.
Siegfried ignorou todos eles e prestou atenção no que o soldado tinha a dizer:
— Transformamos o porão de uma estalagem no centro numa prisão. Sua graça ordena aos seus comandantes que levem os sobreviventes pra lá.
E então foi embora.
Siegfried deu uma olhada nos prisioneiros. Tinha capturado setenta. Mulheres em sua maioria. Os poucos homens entre elas eram covardes e pais de família, além de alguns garotos; todos aqueles que escolheram não lutar.
“É hora de separar o gado.”
Deixou quinze dos seus soldados para fazerem a segurança do perímetro e levou os outros.
A Vila do Lobo era grande e cheia de becos, mas pouco se via além de cadáveres e sangue. Como aquela seria a nova base deles, ninguém foi burro de atear fogo nas construções, que continuavam em bom estado; exceto pelas portas e janelas. As únicas criaturas vivas que ainda vagavam por ali eram os cães que devoravam os mortos.
Em uma ou outra casa, ainda podiam ouvir o som de mobília sendo movida e porcelana quebrando. Talvez os soldados ainda estivessem procurando moradores escondidos, mas a essa altura o mais provável era que estivessem apenas saqueando.
A maioria dos prédios eram casas, mas também encontrou um açougue depredado até não restar um único fio de carne; uma loja de porcelana que foi completamente destruída; e uma ferraria que por muito pouco não pegou fogo. Os cativos de vez em quando abafavam um choro ao passarem por locais conhecidos.
“Que magnífico”, disse Lili, o abraçando por trás como uma donzela cavalgando por algum campo florido.
Levou quase meia-hora para chegarem ao local.
Tal como o mensageiro havia dito, a prisão ficava no subsolo de uma grande estalagem no centro do vilarejo. Aparentemente tinham retirado tudo o que havia lá embaixo para abrir espaço, mas isso pouco bem faria; Adrien e o escudeiro Whitefield também haviam trazido prisioneiros, além de um ou outro soldado qualquer do barão Kessel.
Praticamente a vila inteira tinha sido capturada e dificilmente caberia no porão daquela estalagem, como os homens que faziam a logística depressa perceberam.
Quando o local encheu, tiveram que levar o resto dos prisioneiros até uma taverna próxima, depois uma padaria, um bordel e finalmente um estábulo onde Siegfried se livrou do resto de seus cativos. Mas ainda havia mais moradores esperando para serem alocados quando partiu.
“Não que isso seja problema meu.”
O resto do dia foi gasto administrando o cerco ao Castelo Silvergraft. Como comandante, Siegfried tinha voz em tais assuntos; não que alguém além do barão Kessel ou Whitefield falasse, a menos que fosse solicitado.
Foi lá onde descobriu os detalhes da batalha.
Aparentemente os arqueiros funcionaram e todas as aves que o barão Silvergraft enviou foram logo abatidas. Alguns moradores tentaram fugir para o castelo quando a batalha começou, apenas para encontrarem os portões fechados e serem mortos a flechadas pela guarnição do próprio suserano, quando tentaram abri-los à força.
— O covarde se escondeu atrás daqueles muros e não moveu um dedo pra ajudar o próprio povo — explicou o barão Kessel. — Tanto melhor, isso só deixou tudo muito mais fácil pra gente.
Nem o barão Whitefield, nem Adrien deixaram os moradores escaparem, então não havia perigo de reforços.
— Mesmo assim — disse o lorde Whitefield —, eu tomei a liberdade de posicionar alguns batedores em campo, para o caso de algum viajante chegar perto demais.
Outras decisões também foram tomadas.
Para começar, o barão Kessel repartiu o vilarejo em três distritos, delegados entre eles. Siegfried ficou com o leste; Adrien com o oeste; e o barão Whitefield ficou com o maior deles, ao norte, um local estratégico e crucial para impedir qualquer espião de entrar ou sair do vilarejo.
O cavaleiro Whitefield e seu escudeiro também receberam atribuições.
Sir. Edgar Whitefield, irmão mais novo do barão Whitefield, ficaria responsável por patrulhar todo o território ao redor do vilarejo e impedir que as notícias de sua invasão se espalhassem; caberia ao seu filho, Hunter Whitefield, a construção das armas de cerco.
Os soldados também foram divididos entre eles. Trinta para Siegfried, Adrien e Hunter; quarenta para Edgar; sessenta para o barão Whitefield; e os outros noventa ficariam com o lorde Kessel.
Os mantimentos seriam confiscados e racionados pelo tempo que fosse necessário, alguns bordéis seriam abertos novamente com escravas e várias outras coisas tediosas foram decididas em uma reunião que durou até o anoitecer.
Mas aquela noite foi de comemoração.
Quando Siegfried deixou a pequena mansão que o barão Kessel transformou na sua base pessoal, foi encontrar as ruas cheias de soldados bêbados comendo tudo o que saquearam. Cerveja e carne até dizer chega, porque o racionamento só teria início a partir de amanhã e ninguém se importava com isso agora.
Viu rameiras vestindo roupas e joias roubadas de casas saqueadas, crianças correndo de um lado para o outro com brinquedos novos e até famílias inteiras tomando posse dos prédios desocupados que ontem mesmo pertenciam a outras pessoas.
Esse era o gosto da vitória.
Siegfried também escolheu uma casa. Depois de ter organizado seus patrulheiros em cinco áreas, divididos em três turnos de duas horas por dupla, o rapaz tomou posse de uma taverna escondida entre ruelas estreitas no seu território.
Dragão Assado, era o que dizia a placa.
O local em si era bastante aconchegante. Alguns soldados haviam saqueado o local, então a maior parte das mobílias foi destruída e todo o estoque de bebidas, levado. Apesar disso, o assoalho de madeira estava em bom estado e tinha um quarto no andar de cima; foi onde encontrou o cadáver.
Um homem velho tinha sido esfaqueado no peito meia centena de vezes, então o jogou pela janela para que os soldados o levassem embora quando a manhã chegasse.
Encontrou alguns brinquedos quebrados no chão e vestidos indicando que poderia ter sido o quarto de uma família inteira, mas exceto pelo velho, não encontrou mais ninguém, então guardou seu baú com a armadura debaixo da cama e se deitou.
Naquela noite sonhou com a morte.