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Solidão… muitas vezes, não escolhemos, mas ela nos escolhe.

Estar sozinho pode ser um castigo mais aterrador do que qualquer tortura física. O ser humano, por essência, é sociável, mas essa necessidade se manifesta de formas cruéis e distorcidas. Ela, com seu peso opressivo, fecha nossa garganta e transforma a ausência de companhia em uma pressão insuportável, uma asfixia lenta e constante que consome a alma.

Alguns se acostumam tanto à falta de companhia que a ausência de ar se torna, de forma trágica, uma zona de conforto. Mas para Antônio, a solidão é apenas um tormento implacável, uma sombra que o persegue incessantemente.

E mesmo após sua morte, ela continua sendo seu fardo.

E no silêncio da madrugada, ele acorda suado, o corpo coberto de uma umidade fria que parece absorver o calor de seu espírito. O trailer em que se encontra está mergulhado em uma névoa densa e enfumaçada, o cheiro de mofo infiltrando-se em seus pulmões, como um lembrete constante de sua existência agonizante.

O frio parece cortar sua pele, um gelo que penetra até os ossos, fazendo-o tremer involuntariamente.

Mas… o que ele faz ali? Seria aquele o limiar entre sua mente e a realidade física?

Ele não sabe responder a essa pergunta, mas está certo de que aquilo é real demais para ser apenas um sonho.

— O que… Eu tive… — sussurra, agarrando-se aos lençóis da cama com uma força quase desesperada.

As imagens em sua mente são vívidas e aterrorizantes: a morte de Halyna, Jarves, Alexander… e até mesmo a sua própria.

Não parece que ele acordou de um pesadelo; é como se ele tivesse vivido cada momento de sofrimento e perda com uma intensidade cruenta. A separação abrupta entre a vida e a morte, entre o conhecido e o desconhecido, está tão clara que ele mal consegue distinguir a linha entre sonho e realidade.

— Velhote…

Uma voz familiar corta o silêncio. Antônio ergue os olhos e vê, à distância, uma silhueta emergir da cadeira encostada na parede do trailer. Não é possível distinguir o rosto, apenas a forma de um corpo, que parece familiar, mas estranha.

— Essa voz, é você, Jarves?

— É… tô aqui, quem diria, né?

A voz tem um tom que mistura ironia e uma tristeza disfarçada. Jarves se aproxima, seus dedos deslizando pela bancada à esquerda, coberta de poeira e negligenciada pelo tempo.

— Então…

— Você morreu! Sim, eu sei, é frustrante ouvir isso — A voz de Jarves está carregada de um peso melancólico. — Mas escute… você não está sozinho, entendeu?

— Você me dizendo isso? — ele solta uma risada amarga. — É… eu morri e estou delirando. Sim, eu e meus sonhos irreais… até na morte! — ele sussurra, a voz cada vez mais baixa.

— Seu cabeça dura, sou eu. É… você deve ter passado por muita coisa para me trazer até aqui. Claro, não sou eu inteiramente com todos os meus defeitos, mas apenas um fragmento…

— Ah? E você realmente está aqui?

— Tem um paraíso esperando por você, é isso que vim te dizer. Então, não vacile, tá? — Ele caminha até a porta. — Acho que… Elum deve nos dar esperança antes de nos entregar aos nossos pecados. Então, não desanime, mesmo que tentem esmagar seu coração, tá, velhote?

— Certo…

Antônio aperta a cama com mais força, suas mãos se cravando no colchão, tentando segurar a realidade que parece escorregar entre seus dedos. Ele que sempre esteve perdido em um mar de dor e solidão, buscando desesperadamente algo, alguém, que possa provar que não está completamente abandonado. A presença de Jarves, mesmo que incorpórea, é um fio tênue de esperança em meio à escuridão esmagadora de sua existência.

Ele só quer ouvir isso, que não está só, depois de uma vida inteira de solidão, e, apesar de todas as adversidades, esse pequeno consolo parece um farol na tempestade que será sua “vida” agora.

A morte está visitando as últimas casas, levando corações com seu toque final. Faltam apenas dois…

Milk desperta em meio a uma via suja e desolada, onde o céu cinza despeja uma chuva fria e incessante. A imagem diante dele parece um eco sombrio de sua infância, um tempo em que era apenas um menino de rua, perdido e esquecido.

Ele tenta se levantar, os músculos enferrujados protestando contra o esforço.

O papelão que o cobre está encharcado e grudado, o frio penetrante do chão gelado atravessando seus pés descalços. O guarda-sol, uma estrutura enferrujada e abandonada, oferece uma proteção mínima na entrada de um café fechado, seu tecido rasgado balançando ao vento, em um último esforço para proporcionar algum alívio.

Ele olha ao redor, tentando se situar, mas o cenário é um borrão de memórias e dor. Os prédios em ruínas e a atmosfera carregada de um sentimento de abandono não deixam dúvidas: ele está perdido em um lugar que não pertence a ninguém, onde até o tempo parece ter desistido de passar.

O cheiro de mofo e decadência preenche o ar, misturando-se com a umidade da chuva, criando uma sinfonia de abandono.

Ele se lembra dos dias em que vagava por ruas semelhantes, com o estômago roncando e o olhar vazio em busca de qualquer migalha de esperança. Mas agora, a chuva parece mais pesada, o som do mundo mais distante.

— Onde estou? — murmura, sua voz quase sendo engolida pelo som da chuva.

Sua pergunta é mais para si do que para o mundo ao seu redor.

— Esse lugar…

Murmura, seus olhos vasculhando o ambiente com um olhar perdido. E a chuva que continua a cair com fúria obscurece sua visão e transforma os carros que passam em borrões indistintos, como fantasmas vagando por uma cena de pesadelo.

— Ah, esse lugar — continua, um tremor de reconhecimento na voz. — Era onde eu dormia… mas por quê? Por que aqui?

A sensação de déjà vu é angustiante. Ele se encosta na parede gelada, sentindo a umidade penetrar suas roupas e fazer com que seus ossos tremam. O contato com a parede é frio e hostil, forçando-o a recuar imediatamente, como se o toque pudesse contaminar sua essência.

— Será que isso é o inferno? O meu inferno particular?

As palavras saem como um lamento, misturadas com o som da tempestade que parece querer engolir tudo ao seu redor.

O medo e a dúvida se entrelaçam com a dor de suas memórias, criando um cenário surreal onde passado e presente se fundem em um tormento psicológico.

Enquanto Milk pondera sobre sua situação, um gato preto cruza o outro lado da rua, desviando habilmente dos gotejos que caem do céu. Seus olhos amarelos brilham intensamente, e seu pelo, bem cuidado e reluzente, destaca-se de forma quase mágica contra o cenário chuvoso e sombrio.

O felino parece ser uma pequena faísca de vida e mistério em meio à desolação.

Mas a resposta que ele busca não aparece, e, em vez disso, a chuva começa a enfraquecer gradualmente. A luz do firmamento começa a penetrar as nuvens escuras, trazendo consigo um calor suave e gentil que parece se derramar sobre o mundo como um abraço reconfortante.

— O que isso significa? Elum? Caramba…

Milk murmura, surpreso e confuso com a súbita mudança na atmosfera.

Ele observa cada transformação, cada instante da transição entre o tormento e a calma, como se cada detalhe carregasse um significado profundo e oculto, mas não passa de algo simples, acontecendo.

Com o tempo, ele se levanta do chão, as lágrimas começando a escorregar por seu rosto, um reflexo de uma emoção reprimida que finalmente encontra uma saída. É ali, naquele mesmo lugar, que ele encontra Romero pela primeira vez. Há tantas passagens atrás, quando era apenas um garoto perdido nas ruas, sem perspectiva além daquelas vielas implacáveis. O encontro com ele foi um ponto de virada, uma faísca de esperança em meio à escuridão, e agora, o cenário parece oferecer uma nova camada de significado àquele encontro.

Milk deixa que as lágrimas continuem a fluir, enquanto o calor do sol gentilmente aquece sua pele, tentando entender a estranha sensação de redenção e renovação. A cidade ao seu redor começa a se revelar sob uma nova luz e, com isso, ele começa a vislumbrar uma nova possibilidade, um caminho para além da dor e do desespero que havia conhecido.

— Espero te ver do outro lado, idiota… purgatório, ou paraíso, caramba… que isso tenha algum sentido — Milk murmura, suas palavras carregadas de um desespero resignado e de um desejo de compreensão final.

Enquanto fala, ele observa o horizonte, onde tudo começa a se desfazer em um borrão de luz e escuridão. A cena ao seu redor se Milk observava a cidade se dissolver à medida que a luz de Aurora começava a penetrar a densa camada de nuvens. O mundo ao seu redor parecia estar se desfazendo em um borrão de cores e sombras, como se a própria realidade estivesse se dissolvendo em uma infinidade de fragmentos.

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