Quando a entidade se afasta, Rasen fica à mercê de um silêncio opressor, aquele tipo de quietude que apenas a presença do mal pode proporcionar.
O som da ventania suave atravessa o espaço sombrio, sussurrando segredos esquecidos e arrepiando cada fibra de seu ser. A escuridão parece viva, pulsante, como se respirasse ao seu redor, esperando para devorá-lo.
É reconfortante, de uma maneira doentia, para alguém já consumido pela própria loucura. Ele se alimenta da autodestruição, acreditando ferozmente que aquilo que não o mata apenas o transforma em algo ainda mais bizarro e certo de si.
Até que…
Quando relaxa os ombros, fecha os olhos para um cochilo, sentindo um alívio momentâneo, duas mãos gélidas o tocam. Elas são ásperas, marcadas por cicatrizes profundas e antigas, como lembranças de dores nunca esquecidas.
Junto a isso, vem um cheiro pútrido, uma combinação sufocante de decadência e um odor fétido que exala um prazer doentio.
Aquele cheiro… Ele sente poucas vezes, nos raros momentos em que está face à face com a morte.
— Deve ser tão reconfortante, não é, messias? — murmura uma voz rouca e familiar, quebrando os segundos de déjà vu com uma pontada de escárnio. — Seus aliados estão mortos, seus amigos… todos os que um dia estiveram ao seu lado… E agora você está cercado por demônios! Irônico, não? Para alguém que já se chamou de exorcista! — A voz parece vir de todos os cantos, uma acusação que vibra nas paredes e faz seus ossos tremerem. E então, das sombras às suas costas, uma figura emerge, moldada pelas trevas mais profundas, nascida do abismo de sua própria mente.
É Hazan, o fantasma de seus atos passados, um espectro que nunca lhe deixará em paz.
— E fantasmas! Chatos e importunos! — Rasen murmura, tentando soar cínico, mas sua voz treme, traída por uma insegurança crescente. — É isso que me aguarda? Quando eu estiver sozinho… terei um fantasma como tormento eterno? — As palavras saem fracas, carregadas de um receio que ele não consegue esconder, como se já soubesse a resposta para sua própria pergunta.
— Talvez sim. Talvez… você ainda não tenha compreendido a gravidade do que fez, messias! — responde, um sussurro malicioso que penetra fundo na mente dele, desestabilizando-o com cada sílaba. — Você abriu a porta, deixou que a morte entrasse. Agora, lentamente, está se tornando… o servo mais fiel dela. Uma casca vazia que age em prol do caos e da desordem. Você é um pária para este mundo! — Cada palavra é um veneno que se espalha pela alma do malfeitor, sua pele se arrepiando cada vez mais, como se algo invisível e malévolo estivesse se arrastando sobre ela.
“O abismo olhou para você…”
Essas palavras surgem como um disparo na escuridão, ressoando entre os lábios do moribundo e lidas pelos olhos do escolhido do mal, como um decreto inevitável de seu destino.
— E daí? — Ele se ergue, tentando recuperar o controle, mas sua voz está marcada pelo receio do desconhecido. — Você acha que me assusta? — Ele tenta rir, mas o som que sai é fraco e incerto, uma risada quebrada que trai sua tentativa desesperada de coragem.
O gosto amargo de sua própria fraqueza se espalha por seus lábios, queimando como um lembrete de sua vulnerabilidade.
Ele não é invencível, ninguém é… E o medo? O medo é apenas uma das muitas facetas da morte, uma sombra igual para todos. No fundo, sabe que todos são covardes e falhos, mas até onde outro covarde irá para confrontar a escuridão que se esconde dentro de si?
— Assustar? Não! — Hazan o encara friamente, enquanto um sorriso macabro distorce suas feições em algo inumano.
Sua aparência é um reflexo grotesco, moldado pelo mal que corrompeu sua morte e sua vida. Ele ainda é o mesmo? Ou apenas uma sombra do horror que habita o pacto que o maldito fez?
— O que… o que você quer dizer então? — A pergunta escapa dos lábios de Rasen antes que ele possa se conter. Ele sabe que não deve demonstrar fraqueza, mas Hazan conhece todos os seus pontos fracos, pois habita sua mente, mergulhando nas profundezas de seus pesadelos e memórias. Sabe exatamente onde acertar para feri-lo mais profundamente. — Eles não te deram a opção de ficar com sua família, não é? Ou prefere me atormentar? Hein?
— Você me matou, Rasen, e vinculou minha alma a um pacto de morte… Agora, estou preso a isso até você morrer… Não só eu, mas fui o único que compreendeu a podridão que se esconde em sua mente doentia e psicótica! — A voz de Hazan está cheia de rancor, um ódio que queima como chamas infernais. — Então, vingança é o que busco. Já que não posso te matar, farei você sofrer… desesperar… Justo, não?
— Justo? — Ri de forma descontrolada, uma risada que parece ecoar pelas paredes escuras como o som de unhas arranhando uma lousa, enquanto seus dedos se apertam, cortando seus punhos. — Se eu encarar você como meu próprio reflexo… Eu sei quem sou, eu sei o que faço. Então, não devo temer suas ameaças!
— É!? — Hazan mal se importa. — Sabe o melhor de tudo, Rasen? Depois do seu tormento aqui em Crea… há ainda mais te esperando no purgatório.
As palavras finais de Hazan caem como um golpe de martelo. O ambiente ao redor dele parece se fechar, as sombras se tornando mais espessas, como se tentassem engoli-lo vivo. Ele sabe que o espectro fala a verdade, e um frio desconhecido se espalha por seu coração.
Está preso em um pesadelo do qual não pode escapar, assombrado não apenas pelos mortos, mas pelos próprios pecados que o condenam.
Mas assim é este mundo: o que se faz, aqui se paga. Não se pode viver sem tormentos, mesmo que se jure indiferença, a dor sempre bate à porta…
E nesse jogo de xadrez, as peças estão sendo organizadas para o próximo round. O rei se torna o peão, prestes a ser lançado aos leões…
— É? Veremos. Eu sei que, no final disso tudo, os mortos continuam mortos e os vivos permanecem a trilhar seus caminhos! — Ele veste sua armadura, uma certeza “renovada” que o transforma de exorcista a messias, e agora a um pastor do evangelho do mal. Amanhã, talvez, será reduzido a ossos e carne enterrados a sete palmos, ou, quem sabe, o rei de um império sombrio.
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