— Que ironia… palácios erguidos sobre cavernas e cercados pelo deserto e envolto da luz… — comenta Mael, acompanhando o príncipe que adentra uma das inúmeras cavernas subterrâneas. A escuridão ao redor parece quase viva, como se os próprios recessos da terra tentassem sussurrar segredos ancestrais aos seus visitantes… Afinal, é neste deserto que Alum se arma da morte e tenta usurpar o Trono Inalcançável de seu pai, o Criador. — Somos, de fato, a cópia perfeita dos humanos! — continua, a voz carregada de uma ironia cruel, talvez testando os limites da paciência de Gallael.
Assim são as lacunas do mundo, dividido em três terras. No deserto, habitam os reis no topo de tudo; abaixo, os nobres e os descendentes deles; e, mais abaixo, onde fica o purgatório, estão os servos com o dever de purgar os pecadores.
Essa hierarquia também determina o processo de produção e consumo das trevas: aqueles que estão na base as colhem, os que estão no centro as separaram, e os que estão acima de todos apenas recebem as melhores porções, extraídas dos pecadores mais vis.
— É? — responde o príncipe. A escuridão não parece ser um obstáculo para eles, que se movem com a precisão de quem conhece intimamente os meandros daquele submundo, cada caminho escolhido milimetricamente, como se o labirinto de cavernas fosse insignificante. — Bem, diria que nossa hierarquia é um reflexo, mas nós não cometemos genocídio contra nossa própria gente… mesmo que sejam de palácios diferentes, estou errado? — Sua voz é firme, mas há um peso oculto em suas palavras, como se cada uma carregasse a memória de horrores passados.
Há tantas disputas entre as casas, nenhuma com a mesma escala das guerras dos homens, mas igualmente caóticas.
— É… quantidades, quantidades… já enterrei mais filhos do que qualquer homem! Não são os números que definem a gravidade dos atos, pelo menos não inteiramente… Mas as motivações, as crenças, o contexto… esses são essenciais, meu caro sobrinho! — Quando chegam à décima curva, um lamento profundo ecoa pelas paredes de pedra abissal, misturando-se ao borbulhar sinistro de um lago de fogo que se oculta nas profundezas. O calor do magma faz o ar vibrar de maneira inquietante. — Mas me diga, Gallael, o que motiva o príncipe desertor a ajudar seu pai?
— Príncipe desertor… — murmura Gallael, as palavras pesando como uma verdade que ele não pode mais negar. Ele é um dos rebeldes, um fugitivo que encontra refúgio em Crea até pouco tempo atrás. — Perspectiva, assim como você, Leviel… Estou cansado de cravar os nomes de meus irmãos na minha lâmina. Quero viver em paz, encontrar minha própria paz! — Sua voz carrega uma fadiga que vai além do físico.
— Sua paz? — Mael ri, mas o som não carrega alegria, apenas um eco de amargura. — Talvez você encontre mais sofrimento… mais perdas. Mas quem sou eu para dizer? Sou apenas o tolo que se lança em cavernas em busca de um pouco de ouro! — Eles finalmente chegam ao meio das profundezas, onde se esconde uma das três partes da cidade nefasta, Mala Domus. O castelo, que mais parece uma cidade em si, ergue-se imponente, suas torres negras tocando o teto da caverna, um monumento ao poder sombrio que ali reside. Ali vive a maior parte dos demônios nobres—príncipes, marqueses e duques—suas presenças quase palpáveis, mesmo à distância.
Suas auras abissais transbordam trevas capazes de desestabilizar o ciclo natural; se a guerra fosse apenas uma questão de força, ali estaria a vitória tão desejada.
Mas não é… Elum criou uma ordem para tudo, seja para uma gota de água cair da folha do carvalho ou para um demônio desorganizar o equilíbrio natural.
— Tudo é uma aposta em um futuro incerto, não é? — Gallael suspira ao ver aquele lugar. A visão evoca uma saudade dolorosa, algo que parece arranhar seu coração com garras invisíveis. — Humanos, demônios, até mesmo anjos! A certeza não nos pertence! — Sua voz é um sussurro sombrio. Ele nunca se permite questionar os dogmas de seu imperador, não após se cansar de perder a única coisa que lhe dá significado: sua família.
Esse lamento é um eco perdido na imensidão das profundezas, onde cada passo reverbera como um lembrete do que se esconde não apenas nas cavernas, mas dentro deles mesmos.
— Sente saudades? — pergunta o demônio, sentindo o mesmo arrepio percorrer seu corpo.
— Sinto… Zarghael, Morthael, Drakkael, Xerhael, Sumael, Vorthael, Karghael, Thorgael, Valkael e Nyrahael… Caminhei por cada corredor com eles e tirei suas vidas com minha própria lâmina! — Suas palavras são um discurso velado de ódio; cada parte de seu coração é arrancada ao matar cada um deles. — Se houvesse um purgatório para nós, eu seria jogado no lago de fogo! — Enquanto o encara de lado.
— Mas você apenas se defendeu. Luciel não pararia de enviar assassinos até que estivesse ao seu lado!
— Sim, mas há razão em alguma das conclusões a que chegamos? — Não pisca, a resposta está ali; o que o move é a insanidade que o impede de desistir. — Eu tento… Tentei fugir, mas fui engolido pelo breu. Emergi de suas profundezas… e agora… me vejo como parte dele! — Então se vira para o castelo, cerrando os punhos com firmeza.
— Você desistiu! — conclui, mas o príncipe não responde. Ambos se concentram em seguir adiante, em silêncio.
Descendo a escadaria que leva a uma ponte sobre um lago negro que cerca o castelo das trevas, seus passos ecoam solitários. As gotas começam a cair das estalactites acima de suas cabeças, quebrando o silêncio do ambiente.
Dizem que aquele lago tem o poder de drenar todas as forças de quem for mal ao cair em suas águas, e de corromper os bons, transformando-os em algo sombrio. Conta-se que um anjo caiu ali, perdeu sua pureza e tornou-se um demônio, adotando um novo nome para ocultar quem um dia havia sido.
Somente os peixes demoníacos que nadam em suas águas poderiam dizer se isso é verdade ou não.
Mas eles não perdem tempo com lendas antigas; seu foco está adiante, além do grande portão de aço infernal.
“Que lugar… cafona!” pensa o demônio rei, percebendo onde se meteu. Aquele ambiente lhe causa náuseas… um demônio que odeia seu lar. “Me sinto em uma campanha sem sal de RPG…”
Eles, logo, estarão diante da corte do principado, onde os assuntos do Segundo Mundo são decididos, e onde ambos ainda são vistos como párias.
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