Vinte minutos após o início da reunião, Kyotaka se encontra novamente na austera sala, sentado novamente diante de Shinzo Abe. A atmosfera é opressiva, e cada detalhe amplifica a tensão. Entre os dois, um homem idoso, de expressão fria e impassível, digita com precisão quase mecânica cada palavra dita, o som das teclas reverberando suavemente no ambiente abafado. O ar é denso, quase sufocante, carregado com uma sensação de opressão, como se as paredes estivessem se fechando lentamente ao redor deles, aprisionando-os em uma gaiola de ferro.
E os antigos quadros decoram as paredes às suas costas, retratando figuras históricas cujos olhos parecem seguir cada movimento, julgando silenciosamente as palavras proferidas naquela sala. O tempo ali parece estar preso em um ciclo interminável de tensões não resolvidas, com estalos e rangeres ecoando como se o próprio espaço estivesse desgastado pelos segredos que abriga.
Kyotaka respira fundo.
Seu tom na última reunião foi firme, quase frio, refletindo a seriedade que a discussão teve, até que finalmente o governador quebra o silêncio:
— Então, me apoiando neste evento, um de vários, posso dizer que é necessária uma força-tarefa. Visando a contenção e extermínio de desertores, ou você continuará a insistir em negar qualquer participação direta da ordem espiritual com a ordem pública? — As palavras de Abe carregam uma determinação feroz, mas há algo mais profundo, algo oculto em sua voz: uma ambição voraz que anseia por poder absoluto. Ele busca não apenas autoridade, mas controle total, um poder que transcende qualquer arma ou tecnologia, um poder que apenas o império deveria possuir.
Kyotaka mantém-se calmo, sua mente trabalhando rapidamente para absorver e responder ao argumento. Ele se ajeita na cadeira antes de falar, sua voz refletindo uma lógica fria e crua em seus murmúrios, porém ele responde como o idealista e dogmático que é:
— Posso entender sua linha de raciocínio, mas novamente, eu apelo: quão poucos são os números de desertores? Nas últimas cinco gerações, tivemos treze deserções… Mas, em comparação, de dez, apenas quatro continuam vivos após duas passagens. Não é do interesse público a saúde de seus servidores? — Suas palavras são afiadas, cada sílaba escolhida com precisão cirúrgica para atingir um ponto sensível.
A dor da perda e a verdade trágica que ele carrega parecem influenciar seu julgamento e argumentação. Contudo, é evidente que ele não cederá facilmente. Kyotaka não busca apenas preservar a ordem, mas questiona o preço de tal poder e a moralidade por trás de sua busca.
Mortes… e mais mortes. Elas se acumulam na mente dele como sombras persistentes, um lembrete constante das vidas que se perderam ao longo dos anos, tanto entre seus aliados quanto entre os humanos comuns. Quantos enterros ele já presenciou após a conclusão de cada missão? E quantos jovens promissores, que um dia acreditaram de coração em seus deveres, ele viu partir para nunca mais voltar?
— Não há como melhorar a qualidade vital do trabalho de pessoas que lidam com o paranormal… mas há como diminuir a quantidade de pessoas que morrem devido a malucos que têm poder demais em suas mãos! — A afirmação de Shinzo é incisiva, carregada de uma urgência quase desesperada. Em um movimento sutil, ele abaixa a mão direita, sinalizando para o escrivão, que imediatamente começa a apagar, letra por letra, as palavras ditas até então, como se o diálogo precisasse ser reescrito para evitar qualquer vestígio comprometedor. — Além disso, já que entrei nesse mérito… casos de negligência podem ser amenizados, barateando o serviço, não? Quer dizer, seria como mentir que iria se tornar mais barato, mas mentir é a arte da política, a verdade é nosso desafio!
Ao ouvir a argumentação, Kyotaka sente-se dividido. De um lado, a lógica implacável de Abe, mas do outro, a certeza de que ceder significaria distorcer o propósito da ordem. Sua expressão permanece imperturbável enquanto considera as palavras de seu oponente.
— Isso iria desvincular a ordem de seu propósito. Fazemos um trabalho que foca em resolver os problemas humanos com os demônios… não os problemas humanos com eles mesmos! — Sua voz é firme, mas uma leve hesitação pode ser percebida, uma fratura quase imperceptível em sua confiança. Tentando esconder essa vulnerabilidade, ele leva a mão à xícara de café preto que está à sua frente, segurando-a com força, como se o calor da bebida pudesse oferecer algum consolo.
“Não é hora, devo esperar outro tropeço…”
Abe pensa, seus olhos estreitando-se enquanto pondera as palavras de Kyotaka. Na mente do governador, funciona como em uma partida de xadrez, onde cada movimento precisa ser calculado. Ele sabe que o xeque-mate não virá hoje, mas sim no futuro, quando os erros acumulados dele o colocarem em uma posição sem saída.
E disfarça seus pensamentos com um sorriso contido, ocultando a estratégia que já está formulando em sua mente.
O ambiente está carregado de tensão, as palavras são meticulosamente escolhidas, cada frase é um teste de paciência e estratégia. Mas quando Abe menciona o outro ponto, algo muda em sua postura, sua voz assume um tom mais pensativo:
— Mas, sobre o outro assunto… Você fala em tornar mais acessível? Bem, a meu ver, pode soar como um desincentivo… e sendo mentira… pode me explicar? — continua, observando de soslaio o velho escrivão, que havia retomado a digitação. O som contínuo das teclas, antes quase imperceptível, agora parece um martelar incessante que reverbera em sua mente, incomodando-o profundamente. Ele prefere, no entanto, não deixar isso transparecer, mantendo sua compostura diante da provocação.
Cada movimento é calculado, cada palavra tem peso, e ambos sabem que estão lidando com algo muito maior do que simples políticas ou regras: estão lidando com o futuro de uma ordem que protege a humanidade de forças além de sua compreensão. Ou, para o governador, o maior motor bélico do mundo.
— Bem, aí que o governo faz sua mágica… vamos manter os ganhos para os exorcistas, e o custo será reduzido… estabeleceremos uma tabela automatizada, no site e no aplicativo da ordem, o contratante terá seu custo determinado por uma série de informações e pagará diretamente a nós, basicamente, independente do lucro o pagamento será depositado na conta do exorcista por nós! O resto, o prejuízo, cai em um imposto de serviço na população, não é difícil…
— Entendi… Seria como um aumento na satisfação, não iríamos pesar na conta dos exorcistas e maquiar a reputação com mais serviços feitos?
— Exatamente, agora você, meu caro líder, está finalmente entendendo como funciona o mundo! — Abe ri sorrateiramente, como se estivesse compartilhando uma revelação secreta, seu sorriso traiçoeiro lembra o de um guru que acaba de atrair mais um adepto.
Mas não consegue, os dois são coiotes velhos…
Kyotaka ergue seu olhar lentamente, suas mãos ainda segurando firmemente a xícara de café. Seus olhos fixam-se no teto coberto de ouro e logo miram em Abe, avaliando cada palavra, cada movimento.
— Ah, verdade, eu tinha me esquecido de como é a política dos homens — responde, a amargura em sua voz sendo suavizada por um controle calculado. — Bem, a ordem não se interessa em como você ou o imperador governam, desde que nossa infraestrutura seja mantida e, talvez, até mesmo auxiliada. Se não houver interferências em nosso trabalho, está tudo certo.
As palavras de Kyotaka são ditas com uma firmeza que tenta ocultar sua relutância, como se ele estivesse impondo uma barreira entre a ordem e a corrupção do poder político. Ele sabe que está pisando em terreno perigoso, mas não pode demonstrar fraqueza naquele momento.
— Ótimo… ao menos chegamos a um ponto de concordância — Abe responde com satisfação, como se tivesse vencido uma pequena batalha. Ele então abre a próxima página de uma pasta volumosa à sua frente, folheando até a décima sexta página com um gesto deliberado. — Podemos falar da ordem como um motor social… A Igreja de Elum, desde sempre, teve um papel importante no império e, por isso, sempre teve o apoio de Aija. Mas… não está na hora de aumentar sua influência? Religião, especialmente em uma população imersa nela, pode estruturar princípios dos quais todos podemos nos beneficiar.
Ele fala com um tom calculadamente persuasivo, a frieza de suas palavras contrastando com a ideia fervorosa que ele está propondo. Ele olha para Kyotaka, observando atentamente sua reação.
Sabe que está propondo algo que possa reconfigurar a dinâmica de poder no império, mas está confiante de que, uma vez compreendido o benefício, seu adversário verá a sabedoria de seu plano.
Mas o líder, por sua vez, sente um calafrio percorrer sua espinha. A visão deturpada é um jogo de poder que revela o pior dos seres humanos, o parasitismo no poder e controle.
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