— É tão irônico, não? Morrer duas vezes… Imagina isso… Será que sentimos o mesmo da primeira vez, ou é diferente? — questiona Elizabeth, suas palavras ecoando no quarto silencioso e vazio onde estão trancados.
A única peça de mobília que quebra a monotonia do abandono é um criado-mudo antigo, sobre o qual repousa um crucifixo. Sua superfície desgastada reflete a luz fraca que se infiltra pelas frestas da porta.
A tarde está indo embora…
E aquele crucifixo, que um dia pertenceu a seu irmão, agora é apenas uma lembrança dolorosa de um tempo que nunca voltará…
Parece que foi ontem, mas há noites atrás aquele quarto estava cheio de vida e ideais. Mas agora, só o fantasma da morte reside, pairando no ar pesado e estagnado, como uma lembrança dolorosa do que se perdeu.
— Acho que não — Gabriel responde, sua voz grave e cansada. Ele se vira para Elizabeth, o peso de suas palavras pairando entre eles como um véu translúcido da verdade sobre o coração. — Experiências diferentes, mortes diferentes, igualmente traumáticas, igualmente ruins… — Um suspiro longo e profundo escapa de seus lábios, e ele passa a mão pelo rosto, como se quisesse apagar a dor que carrega.
— É uma merda! Tudo isso, mesmo não o conhecendo bem como você, eu entendo sua perda.
— Existe algo pior que o luto? — pergunta, com uma inocência quase desesperada.
— Saber que estarão de luto por você — responde imediatamente, sua voz suave, mas carregada de uma tristeza que transparece nas entrelinhas. Ela se aproxima, segurando os ombros de Gabriel, seus olhos encontrando os dele, buscando a verdade no reflexo de seu sofrimento. — Meu amor, acho que nunca vi esse lado seu, o Gabriel, que não é um robô… que chora… que sente a morte de um amigo como uma ferida que nunca cicatriza… Os rapazes nunca revelam às damas seu lado nada, machão! — Ela sorri, um sorriso triste, enquanto seus dedos apertam um pouco mais forte.
— Não há força que me livre do sentimento de derrota.
— Eu te amo por ser assim, altruísta, sabia? Você… nunca o viu como seu inimigo — Elizabeth diz, enquanto desce suas mãos pelas vestes dele, sentindo a textura fria do couro.
— Inimigo? — ri amargamente, um som seco que não alcança seus olhos. Ele se segurou até o último instante na esperança de que o destino pudesse ser evitado. — Só temos demônios como inimigos…
Ele hesita por um momento, a mente se debatendo com uma revelação que quase havia deixado escapar… A dúvida surge em seu olhar.
— Mas me diga… o que estava escondendo de mim?
— Ah, você está bastante perspicaz hoje, não é? — Elizabeth se afasta, um riso nervoso escapando de seus lábios, disfarçado pela familiaridade do momento. Apesar da intimidade entre eles — Sobre seus… ex-alunos…
— Quais? — Cruzou os braços, um gesto que mostra sua preocupação crescente, já adivinhando o que seguiria.
— Satoshi e Sofie… Eles quase morreram em uma missão hoje, eu só… não queria que você ficasse preocupado… — ela fraqueja ao dizer, perdendo a personalidade confiante e extravagante por alguns segundos. — Desculpa?
— Sério? Ah, esses pirralhos… Como diabos, eles quase morreram para um demônio? São tão talentosos e espertos… — Gabriel agarra o smartphone do bolso, sua expressão endurecendo com a preocupação que o domina. — Devem ter estado brincando… devia ter me dito, eu… — No entanto, sua mão treme ao tentar discar, e ela rapidamente segura o aparelho, com uma urgência silenciosa em seus movimentos.
— Não! Não! Você não dará bronca neles por smartphone, senhor arrependimentos… Vá lá, veja eles… Seja o professor que você sempre foi! — Ela o olha com uma mistura de ternura e determinação, aproximando-se mais uma vez, seus lábios encontrando os dele em um beijo que busca tranquilizá-lo. — Me ouça pelo menos uma vez, seu cabeça dura!
— Mas…
— Mas o quê? Faz tempo que não os vê, não é? — Elizabeth interrompe, guardando o smartphone em seu bolso com um gesto firme. — Dê apoio a eles, inspire os novatos, não deixe… a luz em seus olhos se apagar!
— Acha que sou capaz disso? — Gabriel pergunta, sua voz revelando uma dúvida que há muito o assombra.
Ele é capaz disso? Seu coração e mente gritam que não… mas, afinal, ele falhou como Romero?
— Você não acha que é possível, desde que ele escapou de suas mãos? Mas… qual é o nosso propósito aqui? — Um suspiro profundo escapa de seus lábios, carregando um peso que ambos conhecem bem. — Eu e Masaru… não conseguimos fazer o que você faz. Somos excelentes, sim, e melhores em combate, mas onde está o exemplo, hein? — Ela ri, revelando falhas que jamais compartilharia com outros, mas sua voz carrega uma seriedade que vai além da cumplicidade de um casal.
— Sou o adulto aqui, não é? — Gabriel murmura, como se estivesse tentando se convencer. Ele toca seus próprios lábios, sentindo o calor do momento aquecer seu coração e quebrar o ciclo de autodúvida que o consome. — Dizem que por trás de um grande rei, há uma rainha que é igualmente grandiosa.
Aquilo é revigorante para ambos, apesar de a angústia continuar…
— Não vem aumentar meu ego, hein? Você me deve mais do que deve ao banco, bonitão! — pisca para ele com um sorriso travesso, enquanto segura a maçaneta da porta.
Mas, antes que ela possa girá-la, Gabriel a puxa de volta, envolvendo-a em um beijo profundo e apaixonado que a faz sentir o peso da porta contra o braço. É um ato gentil, carregado de emoções que palavras não podem expressar naquele instante, em que sua mente é uma tempestade.
— Eu não esqueci, e nem esquecerei… — murmura, seus dedos deslizando suavemente até o topo da cabeça de Elizabeth, onde ele planta um beijo terno em sua testa. — Nos vemos mais tarde? — Ele pergunta, a voz baixa, mas cheia de uma promessa que vai além das palavras.
Um sussurro suave e carregado de intimidade, como apenas amantes poderiam compartilhar.
— Claro, meu amor… Ah, eles estão no hospital Yufukana, tá? — responde Elizabeth, com os olhos brilhando com a confiança e força que compartilham, mesmo nos momentos mais difíceis. Sua voz é clara e decidida, como se esperasse que ele tomasse a iniciativa. — Droga, perdi a chance de dizer: “não perca os cabelos com eles”…
— Eu já perdi… bem, está na hora de eu parar de lamentar! — Gabriel brinca, lançando um último olhar para ela antes de partir.
Como resposta, Elizabeth lhe dá um terceiro beijo, um gesto que lhe confere a certeza de que sua vida é um milagre. Nem todos têm um lar para retornar ou alguém para se preocupar.
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