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Gabriel abre a porta com firmeza, mas ao dar o primeiro passo no quarto, se depara com uma cena que o faz hesitar por um momento.

As duas figuras diante dele, cada uma em sua maca, parecem desgastadas, suas expressões carregadas de cansaço e desânimo. A luz fluorescente fria destaca o estado deplorável de Satoshi e Sofie, ambos visivelmente abalados, tanto física quanto emocionalmente.

— É… quanto tempo, garotos — Gabriel quebra o silêncio, sua voz soando mais leve do que a situação merece. Ele nota o sorriso cansado de Satoshi, um sorriso que mal consegue disfarçar o estado lastimável do jovem. Um aparelho está preso ao nariz de Satoshi, ajudando-o a respirar, e seu rosto traz as marcas inconfundíveis de noites sem descanso.

Ele acaba de acordar depois de um pequeno coma…

— E aí, careca… ficou sabendo do desastre? — Satoshi provoca, rindo, mas a risada é rapidamente interrompida por uma dor que o faz se contorcer, recebendo um olhar de reprovação da garota ao lado.

— Idiota… — Sofie retruca, com a voz trêmula de frustração. Cada palavra parece exigir um esforço imenso, e cada movimento dói mais do que o anterior. — Não foi nada divertido. Até agora, eu não consegui recuperar o fluxo da minha energia… e me curar! — Ela cerra os punhos, mas até esse simples gesto lhe causa dor.

O homem observa os dois em silêncio por um momento antes de puxar um banco para o centro do quarto. Com um suspiro cansado, ele se senta, seus olhos analisando cada detalhe do estado deles.

Faixas, feridas superficiais…

— Foi um demônio tão forte assim? — pergunta, esperando que a resposta justifique o estado em que eles estão.

— Não tanto… eu… eu estava viajando, confesso! — Sofie murmura, desviando o olhar para o próprio colo, sua voz carregada de arrependimento, ela se deixou levar, e isso lhe custou bastante. — Você tinha razão, isso aqui não é brincadeira! — admite, sua confissão tingida de uma amargura silenciosa.

Mas sua razão é interrompida pela inconsequência de seu parceiro.

— Já foi… — Satoshi responde, encarando seu ex-professor com uma expressão que tenta mascarar a dor. — Agora é focar no lado bom, exorcizamos o bicho! — Ele tenta soar animado, mas a dor latente em sua voz é inconfundível.

Gabriel solta uma risada curta, amarga, relembrando o passado dos dois. Quando eram meros alunos da academia…

— Um aprende com seus erros, o outro não! — diz ele, sacudindo a cabeça em descrença. — Mas você até tem sua razão, rapaz. Já se foi, Sofie. Não fique lamentando, o que importa é que a lição foi aprendida! — As palavras saem com uma firmeza ensaiada, mas dentro de si, uma voz lhe diz que talvez esteja se afastando do caminho certo.

— É… — Sofie murmura, com relutância, seus olhos refletindo uma verdade que conhece bem, mas relutava em admitir até aquele instante. — A gente leva tudo isso com tanta leveza, ou finge, mas é tão amargo… pesado!

— O bom humor nos livra de crises existenciais! — o rapaz responde, esboçando um sorriso cansado, falso… mas resiliente. — Mas ninguém disse que seria fácil, que seria bom… Não é, careca?

— Exato, Sofie! Estamos em meio à lama, e às vezes, somos só porcos para o abate! — Gabriel afirma, cerrando os punhos ao falar. — Mas quão tolo é o homem que finge ser bom para apreciar o céu? Temos defeitos, dúvidas, medos, mas fazemos o que precisa ser feito, e mesmo que em nossa mente já estejamos no limite, somos os únicos! — Ele fala tanto para eles quanto para si.

Nesse instante, Sofie suspira profundamente, agarrando uma garrafa de água ao lado e bebendo com a sede de alguém que atravessara um deserto.

— Daqui a pouco irá dizer que podemos ser o que quisermos… — Satoshi zomba, colocando a mão sobre a cabeça. — Sabia que quase morri, careca? Meu cérebro apagou para não derreter! — Suas palavras saem com uma leveza desconcertante, considerando a gravidade do que diz.

Ele muda o foco do assunto, como se fosse uma criança, disposta a revelar suas férias escolares.

Gabriel arqueia uma sobrancelha em surpresa.

— Sua técnica inata continua letal nesse nível?

— É… criar lapsos temporais não é fácil. Às vezes, só queria uma habilidade nada complexa como a sua, careca: penso, logo faço, boom! — Satoshi ri. — Acredita que nem usar extensões me livra de morrer?

— Palhaço… — Sofie resmunga, colocando a garrafa de volta na bancada ao lado, mas não antes de derramar um pouco de água nos lençóis brancos. — Todas as habilidades inatas são nocivas, até as não inatas… é uma bosta ser exorcista!

— Exatamente, Sofie, novamente! Não sabe como é exaustivo e difícil utilizar sonhos como uma condição de vitória. Se eu sonhar com um coelho, boom, dou-o de presente para um demônio? — Ele entra na brincadeira, arrancando risadas dos dois, mas a seriedade rapidamente volta. — Mas, falando sério, a exaustão que sinto após usar é foda. Antes, eu perdia a consciência após um ou dois; hoje, é difícil devido ao meu estado. Quando você se conecta com sua energia, não sei, as coisas são mais fáceis…

— Fáceis… fácil é a vida daquele Masaru. O cara faz feitiços sem entoar, sem sinais de mãos… — reclama Satoshi, a inveja evidente em sua voz.

Quem não tinha? Praticamente, ele era o único que conseguia seus feitos sem perder, ou condições que o limitassem, o exorcista perfeito.

— Todo exorcista celeste faz isso, não? — Sofie pergunta, observando a reação de Gabriel com curiosidade.

— Não! Na verdade, é diferente… quando você conecta sua mente à energia espiritual, tornando-se um só, o quão forte for sua mente e capaz de resistir às quantidades excessivas de conhecimento injetado, ela vai desbravar os limites astrais… — Começa a explicar com entusiasmo, imerso no assunto como um verdadeiro nerd apaixonado por conhecimento. — Posso sentir e ver além de um véu, uma cortina ou mesmo essa divisão física que existe quando dois seres astrais e físicos estão distantes. Posso ler uma aura, determinar o fluxo, realizar a transmutação de elementos já mutados, modificar regras…

— Chega! — Satoshi interrompe, revirando os olhos, — Parece que voltei à academia! Céus!

— Que sensível… nem parece o nerd que eu conheci! — retruca Sofie, dando um sorriso provocador. — Você amava ouvir uma explicação longa… hoje deve ler livros com figuras!

— Pessoas mudam. Enfim, eu exagerei… — Gabriel intervém, dando um estalo de dedos e apontando para Satoshi. — Talvez seja a puberdade… mulheres… isso muda um homem!

— Mulheres? Você já está me tirando, careca! — Satoshi ri, convencido. — Fale por experiência própria…

— Gabriel é careca e chama mais atenção das garotas que você… — ela continua a brincar, recebendo um olhar meio aborrecido do mediador.

— Brinquem com minha vida, vão… A Elizabeth pode ser… um tanto difícil quando se trata dessas brincadeiras! — avisa, coçando a nuca com uma expressão preocupada.

— Tem medo dela, é? — Satoshi provoca, dando um sorriso malicioso. — Me fala aí, Gabriel, você sofre alguma agressão doméstica?

Ele solta um suspiro exasperado, se erguendo, olhando pela janela, onde a chuva escorre, refletindo seu rosto e as gotas da chuva.

Lá fora, está um cenário melancólico.

— Por que fui inventar de visitar vocês? Cara… esqueci como era estar perto de adolescentes… e olha que eu já aguento o Masaru há muito tempo! — reclama, a fadiga evidente em sua voz.

— Qual é, Gabriel, antigamente você não ligava para as piadas do Masaru e do Satoshi… Vai me dizer que bateu uma crise, hein?

— Professor Xavier, com crise existencial, que brega! Nem os roteiristas da era atual pensariam em algo tão besta! — Satoshi zomba, arrancando risadas da garota.

“Humor… será essa válvula de escape desses jovens?”, o homem se pergunta…

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