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De volta ao principado, a atmosfera do grandioso salão, dedicado aos jantares da corte, está densa, carregada por um silêncio perturbador.

Iluminado apenas pelo brilho rubro de velas negras derretendo em candelabros de ossos humanos, o ambiente exala um cheiro metálico de sangue que se mistura ao odor pútrido da carne em decomposição.

A mesa, comprida como uma estrada, onde cabem cem convidados, acomoda as criaturas. Demônios que, outrora plateias do julgamento, devoram restos mortais humanos com uma estranha combinação de sofisticação e selvageria.

Servidos com talheres de prata, cálices de ouro e pratos de porcelana, eles dilaceram os corpos, ainda quentes, com esses talheres; pedaços de carne deslizam suavemente em pratos sujos de sangue coagulado. Mael, com um sorriso que revela dentes afiados, corta uma língua humana com a delicadeza de um cirurgião, enquanto o som de ossos sendo quebrados ressoa suavemente ao fundo, como uma sinfonia para aqueles acostumados ao sofrimento alheio.

— Então, sua preocupação é meramente a moral do povo demoníaco? Que honrado… não? — Ele desdenha, seu tom ácido contrastando com a serenidade diabólica ao redor, enquanto apenas três debatem. — Talvez por isso matou seus próprios irmãos….. Foi? — A lâmina em sua mão corta a carne com facilidade, o garfo cravado fundo, levantando um pedaço que ele mastiga devagar, saboreando cada textura enquanto observa as reações à sua volta.

Astael, no centro da mesa, parece indiferente aos olhares e provocações.

Mas é só fachada, até quando ele a manterá?

Seus olhos, escuros como um poço sem fundo, brilham com uma calma insana, enquanto seus dedos tamborilam levemente na madeira carcomida. À sua esquerda, Sinael, o irmão mais novo de sua casa, a da luxúria, mastiga grotescamente uma mão humana, o som dos ossos esmagando-se em sua boca ecoando, os estalos grotescos acompanhados pelos gemidos dos condenados.

— Fiz o necessário, afina… Meu pai e meus irmãos estavam perdidos na insanidade, não? — Astael fala, sem olhar diretamente para o rei demoníaco, seus olhos agora fixos nas paredes sombrias do salão, onde as sombras dançam ao ritmo do banquete macabro.

Aquele lugar, assustador como qualquer estrutura gótica, já presenciou tantos massacres. Este é apenas mais um… e de onde vêm esses corpos? Desaparecidos, casos sem solução… vítimas dos coletores, demônios sequestradores.

— Necessário? sobrevivência? — Gallael interrompe, sua voz imersa no desprezo. Ele empurra seu prato, agora cheio de vísceras, para o lado, o cheiro o deixando nauseado. — Podemos ir agora, Mael?

O clima no salão fica mais tenso. O rei ri suavemente, seu olhar caindo sobre o parceiro com malícia.

— Sobrevivência, Gallael? — Astael ri, dessa vez com mais força, sua gargalhada ecoando pelas paredes do salão, onde pinturas de horrores antigos assistem silenciosamente. — Você e seu amigo Mael são descontrolados. Meu senhor é sábio, mas eu realmente não entendo como vocês podem ser úteis!

À direita dele, Deel, a dama demoníaca de Leviel, mergulha os dedos em uma tigela de sangue espesso, levantando uma córnea humana ensopada no líquido viscoso e a saboreando lentamente, cada mordida acompanhada por um som molhado e nojento.

— Já acabou? — Gallael sibila, sua paciência se esvaindo como areia entre os dedos.

Ele sente seus músculos se contraindo, sua mão inconscientemente se aproximando da lâmina pendurada em suas costas.

— Eu realmente me pergunto… como você, o líder do principado, conseguiu se tornar algo mais do que um símbolo ridículo! — Mael zombeteia, levantando uma taça cheia de sangue e bebendo com satisfação, seus lábios ficando manchados de vermelho. — Escondido aqui por tantos anos, como um rato.

— Cuidado com o que fala… — Astael murmura, seus olhos fixos em Mael, mas sua voz carrega uma ameaça velada.

Mael desdenha e dá uma risada sarcástica, inclinando-se para frente e batendo na mesa com força, o som reverberando pelo salão e fazendo alguns dos demônios ao redor se encolherem.

— Cuidado você, pirralho! — o rei demônio grita, sua voz ecoando com a verdadeira autoridade. — Sou um rei entre vocês! Demorará milhões de anos para chegarem perto do meu poder! — Ele se recosta na cadeira com arrogância, os pés sujos agora sobre a mesa, empurrando os restos de uma cabeça decapitada para o lado.

Eles são apenas crianças, aos olhos dele — logo ele, que viu tantos líderes do principado ascenderem ao poder, apenas para serem tragados pela própria arrogância.

— Rei? Comportando-se como um porco? — retruca, sua raiva transbordando como o sangue de sua taça. — Você pode ter poder, Mael, mas não se engane. O que te mantém em pé são alianças e seu irmão, que te protege das consequências de suas palavras! 

O salão mergulha em um silêncio mortal. E Gallael se levanta lentamente, seus olhos flamejando ódio puro. Todos os outros demônios param de comer quando percebem, seus olhares fixos nele, o ar se torna pesado com uma tensão que parece prestes a explodir.

— Se você for esperto, não me irritará, Astael. Nem a mim, nem a Mael — a voz de Gallael sai como um sussurro, mas cada palavra está impregnada de poder. Seus olhos, tingidos por uma fúria contida, faiscam sob a luz bruxuleante das velas. — Não haverá um Luciel para te salvar da próxima vez. Nem principado algum que possa me deter! — A tensão no ar se solidifica, e todos ao redor sentem a ameaça palpável do assassino de demônios, mais temido que qualquer exorcista, como uma lâmina prestes a ser desembainhada.

O salão mergulha em um silêncio sufocante, o ar carregado de ameaças invisíveis. O som das velas crepitando e o farfalhar ocasional das asas de criaturas menores são os únicos sinais de movimento.

Mael, sempre o mestre das provocações, levanta-se com a mesma elegância debochada de antes. O sorriso irônico cresce ainda mais, deformando sua expressão em algo que parece uma máscara sinistra. Ele coloca a mão no ombro de Gallael, como se fossem velhos amigos, e deixa escapar uma risada baixa e cruel, que se mistura ao silêncio como uma faca cortando carne podre.

— Quanto estresse, pirralho… — murmura Mael, seus olhos faiscando de malícia.

— Estresse? — Gallael gira abruptamente, livrando-se do toque de Mael, seus movimentos rápidos como um predador prestes a atacar. — Odeio esse tom, odeio essa encenação!

Sua voz aumenta, reverberando nas paredes cobertas de símbolos demoníacos.

— Mas devo admitir, Astael… você tem coragem. Um líder, sim, mas… pena que é apenas mais um crente desse sistema decadente.

O silêncio no salão torna-se mais pesado. O olhar atento de todos está fixo nos três… é uma despedida silenciosa, seguida pelos passos arrastados dos demônios que se levantam lentamente, preparando-se para partir. As criaturas que se oferecem para ajudar movem-se, suas figuras sinistras desaparecem nas sombras. 

E seus rastros?

O som de garras raspando no chão ecoa, misturando-se ao estalar suave das velas… era um até logo, ou adeus.

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