Em um último chamado…
Asmael atravessa as camadas do espaço-tempo como uma sombra que rompe os véus entre as realidades. Seu corpo pousa lentamente sobre a terra seca, um solo sem vida, cinzento, onde o ar cheira a podridão e desespero.
Ele voltou à prisão mais distante que criou, um lugar que ele pensa nunca mais revisitar. O primeiro fim do mundo, há tantos ciclos atrás…
O cenário ao seu redor é um deserto de morte — o chão coberto por ossadas espalhadas de homens e bestas que há muito sucumbiram à fome e ao tempo. Carcaças ressequidas adornam o horizonte, enquanto o vento lamurioso levanta poeira e ecos de sofrimento. Tudo está em ruínas, nada restou de pé, exceto a criatura que ele um dia chamou de filha.
Sentada em um trono grotesco feito de ossos e crânios retorcidos em expressões de dor eterna, Liliel o encara com olhos que transbordam rancor. Ao seu redor, o que antes eram grandiosos prédios, outrora símbolo de orgulho dos homens, transformaram-se em montes de concreto desintegrado, triturado pelo tempo. Seus lábios se contorcem em desdém ao ver a figura paterna.
E o nome dele parece escapar silencioso em seus lábios.
— O que você faz aqui? — murmura com um tom ácido, sua voz arrastada pelo desgaste de incontáveis eras de solidão. As palavras escorrem como veneno.
Ela, que uma vez foi princesa Liliel, a líder do principado mais imponente, agora não é mais que uma sombra de sua antiga glória. Seus cabelos ruivos, longos como correntes, caem até os pés, enredados e sujos. Traja trapos que mal cobrem sua pele marcada pelo tempo, enquanto suas asas, enormes e membranosas, parecem pertencer a um dragão antigo. Chifres de antílope, enegrecidos, crescem de sua testa, um lembrete cruel da queda dos homens, naquele tempo, naquela realidade…
— Pensei que ficaria a eternidade aqui, por amor… — continua ela, com uma risada amarga que ecoa no vazio ao seu redor. — Mas é claro, o amor é a maior das correntes, não é? Não foi o que me disse quando me jogou aqui?
Asmael olha para sua filha, o peso do tempo estampado em cada linha de seu rosto. Ele suspira, comprimindo os lábios enquanto seus punhos, trêmulos de cansaço e resignação, se fecham. Tudo que ele pode oferecer agora é mais uma prisão. O ciclo parece infinito.
— Vim te libertar… — começa, mas sua voz falha. — Ou, pelo menos, te convidar a se prender em outra gaiola…
Ele sente nos olhos o reflexo do único valor que resta em sua vida: ela. A filha que um dia foi sua maior esperança, agora se tornará o lembrete de todos os seus fracassos.
A caída, que tramou a rebelião junto a Azaael…
Liliel se levanta lentamente, suas asas se estendendo e estalando com o movimento, a poeira dançando ao seu redor. Seus olhos, antes queimando em fúria, agora revelam uma exaustão profunda, a saturação de eras incontáveis aprisionada naquele inferno desolado.
— Luciel precisa de mais peças? — sua voz é um sussurro, mas cada palavra corta como lâminas. — Pai… você realmente vê tudo isso como é, e ainda assim continua? — Ela dá um passo à frente, o peso da eternidade em seus ombros. — O que ele encontrará no final de mais um ciclo? Outro fracasso?
— O fracasso o persegue, Liliel — começa Asmael, sua voz impregnada com um peso que se esconde há tanto tempo. — Ele pode reiniciar o jogo quantas vezes quiser, repetir o ciclo eternamente… e sempre perderá. Mas… — Com um gesto lento e calculado, ele invoca sua Chronocracia Infernal, e uma fenda no espaço se abre, rasgando o tecido da realidade atrás de suas costas como se fosse feito de seda desgastada. A fissura pulsa com uma energia escura, um portal para lugares que só um ser como ele pode comandar. — Tudo precisa estar no lugar certo. É mais fácil derrubar um rei quando você já está no último degrau do trono. Você entende?
Ela o encara por um momento, a desconfiança nublando seus olhos. Ela não é mais aquela jovem impetuosa, e ele sabe disso. O tempo esculpiu nela um cinismo profundo, uma sabedoria cruel.
— Acha mesmo que consegue? — questiona, sua voz imersa em desdém. — Ou vai trazer o fim de mais um mundo, como fez tantas vezes antes? Tudo por uma jogada…
Asmael dá um passo à frente, o ar ao redor dele parece vibrar com uma aura de decisão inabalável.
— Não… — responde ele, a voz firme, porém marcada pela gravidade do que está por vir. — Eu já tenho sangue demais nas mãos. Não ousaria me acovardar agora, não mais! — Seus olhos a sondam, e ele a vê como nunca. Liliel não é mais a jovem de olhos brilhantes e sonhos grandiosos que ele conheceu, sua inocência foi consumida pelas eras e pela guerra. Agora, ela é uma força, talvez até mais poderosa do que ele algum dia previu.
— Você sabe o que se seguirá, não sabe? — ele pergunta, sabendo que a resposta já está gravada nos recessos da mente dela.
— Quem não sabe? — Liliel responde com um sorriso sombrio, de quem tem certeza de quem Luciel é. — Pelo menos, aqueles de nós que restaram… os lúcidos!
Para ele, é como se as palavras já tivessem sido ditas antes, como se o tempo e o espaço se curvassem para repetir aquele momento tantas e tantas vezes. Eles sabem que essa é uma conversa antiga, um ciclo interminável de estratégias e desilusões.
— Haverá uma chance, uma última possibilidade! — ele diz, a certeza em sua voz é inabalável. — Mas ela não dependerá de nós… Mas deles! — Sua sentença paira no ar, pesada, definitiva.
— Então, nós…
— Você, Gallael, Bezeel e Azaael são as peças que preciso para tornar isso real! — Um brilho frio atravessa seus olhos enquanto continua. — Como em um jogo de xadrez… vamos jogar contra nosso melhor aliado e nosso único inimigo!
A atmosfera ao redor deles parece escurecer ainda mais, como se o próprio tecido do cosmos soubesse que uma partida decisiva está prestes a começar. Asmael olha para a fenda aberta atrás de si, sabendo que essa próxima jogada será a mais perigosa de todas.
— Luciel — murmura Asmael, com uma amargura que só ele pode sentir, ele suspira firme. — Um inimigo que ainda não revelamos… — essas palavras só podem ser ditas longe de seus ouvidos.
— Mas já está claro para a maioria dos outros — ela passa por ele, ele sente novamente a presença reconfortante que só uma filha trazia a um pai. — É, você não mudou nada, mas, até que eu não te odeio tanto! — a garota atravessa após dizer, consumida pelo portal dimensional.
Se tornando uma das peças que formarão a corte infernal, ao menos, é o que Luciel deseja e planeja, mas mal sabe ele que há serpentes tentando envenenar sua coroa entre os seus… mas para trazer o fim, ele se move até montanhas.
Não é bom subestimar o dragão dourado!
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