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O dia dos príncipes foi marcado pelas tentativas frustradas de Cassian em despistar sua escolta. Durante os treinos de combate, ele fingiu fraqueza, reclamando de tontura, e tentou escapar pelo banheiro, mas Tály estava um passo à frente, impedindo a fuga. Mais tarde, durante o café da tarde, Cassian aguardou o momento em que Tály se distraía comendo suas rações. Ao perceber a oportunidade, tentou se esgueirar para longe, mas Marco e Any o interceptaram sem esforço, lembrando-o que estavam ali para garantir sua segurança.

À medida que o dia se arrastava e a noite cobria o reino, Cassian finalmente conseguiu um momento de liberdade ao se retirar para seu quarto. Ainda assim, ele sabia que a escolta estava postada do lado de fora da porta, pronta para agir ao menor sinal de movimento.

Deitado em sua cama, Cassian encarava o teto, mas o sono não vinha. Sua mente estava inquieta, fervilhando com pensamentos que o sufocavam. A sensação de que havia perdido sua liberdade antes mesmo dos vinte anos o consumia.

A questão não era sua relutância em aceitar as responsabilidades que o aguardavam como herdeiro. Servir e guiar o reino para a prosperidade não lhe parecia uma má ideia. O problema era a ausência de escolha. Sentia-se como uma marionete, prisioneiro de um destino traçado por outros, sem poder tomar as rédeas da própria vida. Essa falta de controle o angustiava a ponto de dificultar sua respiração. O calor do quarto o sufocava, e um suor frio escorria pela testa. Ele precisava sair. Precisava sentir o vento no rosto, respirar o ar da liberdade, mesmo que por um breve instante, longe das amarras invisíveis que o cercavam.

Ele se levantou de repente, decidido. Vestiu a primeira roupa que encontrou e pegou sua adaga com o entalhe de lobo. A janela de seu quarto dava para o lado leste do reino, com vista para o litoral. Ao abrir a janela, uma brisa noturna o envolveu, mas a queda de nove metros abaixo não o intimidava. Cassian avaliou o plano insano que se formava em sua mente.

Fincar a adaga entre os blocos de concreto cobertos de ouro para amortecer a descida? Se a lâmina se quebrasse ou a mão escorregasse, ele morreria. Mas, naquele momento, ele não se importava. Era um salto entre vida e morte, e, para Cassian, parecia que aquela era sua única chance de escapar das correntes que o aprisionavam. Sem pensar duas vezes, ele se jogou.

O chão se aproximava rapidamente. No último instante, ele balançou o braço com precisão e fincou a adaga entre os blocos de concreto. O atrito diminuiu sua velocidade, e ele aterrissou no solo com um rolamento perfeito, a adaga ainda firme em sua mão.

— É isso aí — sussurrou para si mesmo, uma mistura de alívio e excitação percorrendo seu corpo.

Ainda precisava cruzar o último corredor até a saída leste. Cassian avançou pelas sombras, movendo-se com cautela, planejando como driblar os guardas que protegiam o portão. Mas, ao virar bruscamente em um corredor estreito, sentiu um impacto inesperado. O choque o fez cair para trás.

— Ai! — gritou, mais alto do que gostaria. — O que foi isso?

Quando ergueu o olhar, viu Nastya caída à sua frente, rodeada por talheres espalhados no chão. A jovem jardineira parecia tão surpresa quanto ele.

— Nast? — disse ele, reconhecendo-a instantaneamente. — Achei que você ainda estava de cama.

Ao perceber com quem havia trombado, Nastya imediatamente se ajoelhou, a testa tocando o chão em um gesto de desculpas desesperadas.

— Perdão, príncipe Cassian! Eu… eu não o vi… por favor, me perdoe.

— Relaxa, Nast. — Cassian se levantou e estendeu a mão para ajudá-la. — Nós somos amigos, lembra? Não precisa de tanta formalidade.

Relutante, ela aceitou a mão do príncipe, levantando-se com a ajuda dele. Cassian notou um pequeno corte em seu braço, resultado do impacto com uma das facas que Nastya carregava.

— Me desculpe, príncipe. Eu estava levando esses talheres para a cozinha. — explicou a jovem, com a voz ainda trêmula. — Acabei de sair da cama e estou tentando retomar minhas atividades.

— Sem problema — disse Cassian, enquanto os ajudava a recolher os talheres. — Mas a cozinha não fica do outro lado do palácio? O que faz por aqui?

Nastya corou, visivelmente desconcertada, e desviou o olhar.

— A janela do príncipe Helick fica por este caminho… e eu ouvi dizer que ele estava preocupado comigo… então pensei em passar por lá.

Cassian sorriu ao perceber o nervosismo da jovem.

— Entendi. Não se preocupe, tenho certeza de que ele vai querer vê-la assim que acordar.

Enquanto conversavam, Cassian ouviu o som distinto de passos pesados, o tilintar de armaduras se aproximando. Os guardas estavam vindo investigar o barulho da queda. Um sorriso travesso apareceu em seus lábios.

— Quando eles perguntarem o que aconteceu — disse Cassian, piscando para Nastya. — Apenas diga que caiu sozinha, tá bom?

Sem esperar resposta, ele se lançou pelas paredes desprotegidas, desaparecendo nas ruas de pedras brancas de Lyberion, com a noite como sua cúmplice.

Cassian perambulou pelas ruas do reino em meio a madrugada. O horário deixava as ruas de pedra, que sempre eram movimentadas, vazias. O príncipe andou até chegar na praia lyberiana que ficava bem no litoral do continente, próxima ao Porto dos Mercadores.

A solidão e a escuridão da noite iluminada apenas pela lua junto com o mar quieto representavam bem como o príncipe se sentia em relação ao futuro. Alguém que não era dono da própria vida. Uma pessoa sem escolha, um personagem do destino.

Cassian se sentou no alto de uma rocha a beira mar e admirou a extensão do mar. “Que belas paisagens poderiam existir além do Mar de Monstros?”, pensou o jovem.

Enquanto pensava no mundo que poderia existir além de seu alcance, Cassian ouviu passos e risos na areia por trás da rocha em que ele estava.

Olhando para trás, o príncipe viu uma linda mulher o encarando. Os cabelos longos prateados imitando o brilho do luar e os olhos amarelados, mesmo daquela distância, brilhantes como o sol. A roupa da desconhecida era um vestido preto com brilhos prateados que revelavam as pernas sensuais através de duas fendas que começavam na cintura e descia até os pés.

O príncipe herdeiro, cansado de sua melancolia, decidiu se aproximar. Afinal, aqueles eram seus últimos dias de liberdade antes que as responsabilidades o afastassem de sua própria vida. E, para Cassian, uma bela donzela sempre tinha o poder de melhorar seu dia.

Ele caminhou em direção à mulher misteriosa, mas, assim que se aproximou, ela fugiu rapidamente para dentro das ruas escuras do reino. Cassian a observou por um instante, intrigado, até vê-la parar na curva de uma esquina e chamá-lo com um gesto sedutor dos dedos. Se aquilo era um jogo, Cassian estava mais do que disposto a jogar.

A mulher continuou a se afastar, conduzindo o príncipe cada vez mais para o interior de Lyberion. Cassian a seguiu, mas logo percebeu algo estranho: estava em uma parte da cidade que ele jamais havia visto antes, o que lhe pareceu impossível, já que ele conhecia cada recanto do reino como a palma de sua mão.

Determinada a desvendar o mistério, Cassian seguiu a mulher até que, subitamente, ela desapareceu em uma rua sem saída. Ele parou, confuso. Onde ela havia ido? O ambiente ao seu redor, antes familiar, parecia diferente agora. A sensação era desconcertante.

O silêncio se instalou de maneira estranha. Embora ainda estivesse nas ruas do reino, Cassian já não ouvia o suave murmúrio das ondas do mar ao longe. Os pássaros noturnos, que antes cortavam o céu com seus voos ágeis, haviam desaparecido, sumindo como se nunca tivessem existido. Até as luminárias, que costumavam iluminar o caminho com seu brilho suave, estavam apagadas, sem qualquer explicação.

Um arrepio percorreu a espinha de Cassian, e ele instintivamente levou a mão para dentro de sua camisa cor de vinho, buscando conforto na presença de sua adaga. Antes que pudesse reagir, uma pressão repentina e ameaçadora se fez sentir em suas costelas: a ponta afiada de uma lâmina encostava em sua pele.

— Você. — disse a mulher em um tom afiado.

— Quando eu ouvisse sua voz, — começou o príncipe — esperava sentir outra coisa.

— Você tem algo que não te pertence — continuou a mulher, ignorando as palavras de Cassian.

— Ah, não me diga que é seu coração. — respondeu ele, imitando o tom sensual da mulher.

A lâmina pressionou ainda mais suas costas, quase rasgando sua pele, quando a mulher voltou a falar:

— Não brinque comigo, principezinho. Onde estão as joias?

Cassian, mesmo de costas, avaliou de onde vinha a voz e o ângulo da arma. Com uma noção aproximada da postura da mulher, girou o corpo rapidamente na direção oposta à lâmina e tentou uma rasteira. A mulher desviou com facilidade.

— Sabe, sou um príncipe herdeiro. Tenho muitas joias. — disse Cassian, enquanto sacava sua adaga de dentro da blusa. O cristal na testa da águia da adaga brilhava como se emitisse luz própria. — Tente ser mais específica.

Cassian tentou encará-la nos olhos, mas tudo o que viu foi uma máscara de lobo vermelho opaco, com presas ocultando sua boca. O vestido sumira, substituído por roupas de couro que se ajustavam ao corpo.

— Que pena, eu realmente queria ver o rosto por trás dessa máscara — provocou Cassian.

A mulher avançou, guardando a faca na bota negra e sacando uma cimitarra presa à cintura enquanto corria. Suas vestes escuras a camuflavam no breu da noite. Cassian precisou usar todo o seu treinamento para interceptar os golpes rápidos e precisos da assassina.

— Você é bom, principezinho. — disse a mulher, recuando por um breve segundo antes de atacar novamente, ainda mais veloz e letal.

Cassian se preparava para defender quando, de repente, a mulher desapareceu diante de seus olhos. Um arrepio percorreu sua espinha, um alerta silencioso de perigo. Antes que pudesse reagir, um golpe violento atingiu seu estômago, tirando-lhe o ar. Felizmente, a assassina havia usado apenas os punhos.

— Já disse para me entregar a joia — sussurrou a mulher em seu ouvido, afastando-se um passo.

Cassian caiu de joelhos, respirando com dificuldade enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Já falei que não sei de que joia você está falando. — disse ele, ofegante.

A mulher o chutou, fazendo-o rolar pela rua empoeirada.

— Parece que você realmente não faz ideia do que estou procurando, mas — disse a mulher com um riso cruel — não importa. Eu já encontrei.

Ainda no chão, Cassian finalmente entendeu o que a mulher procurava: a gema em sua adaga.

— Não — disse ele, levantando-se com dificuldade. — Isso você não vai levar, nem que tenha que passar por cima do meu cadáver.

A mulher gargalhou e começou a circundá-lo.

— Ah, a herança da Rainha Helena para seus filhos: duas adagas com joias entalhadas. Como ela ousou deixar como herança algo que nem era dela?

Cassian apertou o cabo da adaga e também começou a circular ao redor da mulher.

— É a última lembrança que tenho de minha mãe. Não vou tolerar que a manche com suas palavras, muito menos que a leve.

A assassina avançou, mais rápida do que antes. “Certamente um ARGUEM”, pensou Cassian. Ele tinha razão, pois a mulher começou a desaparecer e reaparecer enquanto o atacava. Cassian sentia os arrepios de alerta, permitindo-lhe desviar e se defender, mesmo sem poder vê-la. Ele não sabia exatamente o que causava essa sensação, mas era o que o mantinha vivo.

— Interessante — disse a assassina entre golpes. — Você não está me vendo de verdade, está apenas sentindo minha magia e reagindo a ela, como se fosse um sexto sentido.

Cassian percebeu que ela estava certa. Ele respondia àquela sensação mais do que à visão. Mas, de repente, a assassina parou. Cassian observou enquanto ela começava uma conjuração mágica. Ela segurou a cimitarra com a mão direita, apoiando-a verticalmente no chão.

— Não importa. — disse a mulher com um sorriso que Cassian pôde ver até mesmo por baixo da máscara. — Se você não entende o que o guia, posso confundir seus outros sentidos.

Em um piscar de olhos, várias réplicas da assassina surgiram à sua frente. Ilusões, sem dúvida, mas incrivelmente reais.

— Vamos ver como você reage a isso, principezinho.

Todas as cópias desapareceram, e o sexto sentido de Cassian ficou caótico. Ele não sentia apenas a assassina, mas todas as ilusões ao mesmo tempo. Uma imagem avançou, mirando seu pescoço. Cassian defendeu o flanco esperado, mas não houve impacto — apenas uma miragem.

Não teve tempo de processar a situação, pois mais duas imagens apareceram, atacando de ambos os lados. Ele abaixou o corpo para evitar a primeira e saltou para a esquerda, escapando da segunda. Mas uma terceira o atingiu, cortando seu peito e braços com três golpes rápidos.

Cassian caiu de joelhos, pressionando a mão contra o peito. O corte profundo quase atingira seus órgãos internos.

— Não precisa se preocupar. — disse a mulher, aproximando-se lentamente. — Minha magia é poderosa e versátil. Posso te curar, mas só se me der a joia.

Cassian, grunhindo de dor, a encarou com determinação.

— E se eu me recusar? — não havia medo em sua voz.

— Vou arrancá-la de seu corpo moribundo. — disse a assassina, estendendo a mão para pegar a adaga.

Cassian não podia permitir que ela levasse sua última lembrança de sua mãe, um fragmento precioso de seu passado que ele mal conseguia recordar. O nervosismo crescia à medida que os dedos da mulher se aproximavam de seu maior tesouro. O príncipe ouviu seu coração bater forte, abafando todos os outros sons.

“Os pássaros,” pensou ele.

Pouco a pouco, os sons do ambiente estavam voltando. O cenário distorcido começava a mudar, revelando um beco antigo atrás de um armazém de frutas abandonado, onde Cassian costumava se esconder na infância.

— Droga! — exclamou a mulher, recuando. Suas roupas e máscara ondulavam como miragens. — Isso ainda não acabou. — E então desapareceu.

Ainda ajoelhado, Cassian percebeu que o corte profundo no peito havia sumido, substituído por um ferimento leve que mal sangrava. Matar o príncipe nunca foi a intenção da assassina — os ferimentos eram apenas ilusões para aterrorizá-lo.

Com o corpo dolorido e a mente confusa, Cassian começou a caminhar de volta para o castelo.


Era tarde da noite, e o castelo dourado estava envolto em uma escuridão quase total. Apenas uma única luz permanecia acesa no quarto andar. Helick, imerso em seu livro, não se incomodava com o silêncio que dominava os corredores. No entanto, uma rajada de vento abrupta abriu a janela com força, trazendo consigo um odor intenso de suor e sangue.

— Já fugiu do seu quarto e despistou os guardas, Cass? — perguntou Helick sem desviar os olhos do livro, a voz carregada de leve exasperação.

O cheiro pungente, acompanhado pelo som pesado de Cassian colapsando no chão, finalmente fez Helick erguer o olhar por cima das páginas. Seus olhos se arregalaram ao ver seu irmão mais velho estirado no piso, o corpo coberto de cortes e ferimentos.

Num movimento ágil, Helick saltou da cama e correu até Cassian.

— Cass!! — sussurrou ele, tentando manter a voz baixa para não alertar os guardas do lado de fora.

Cassian soltou um grunhido de dor quando Helick o ajudou a se sentar na cama.

— Cuidado aí — murmurou Cassian, a voz rouca de exaustão.

— Você está cheio de ferimentos! Precisamos ir à enfermaria agora! — Helick já estava a caminho da porta quando Cassian, com esforço, o interrompeu.

— Não! — arquejou ele, a respiração pesada.

Helick parou, levantando uma sobrancelha, incrédulo.

— Não?

Cassian, lutando para manter o corpo ereto, gemeu de dor, mas se recusou a ceder.

— Não mesmo — respondeu ele, ofegante. — Este é o último ano da minha vida em que tenho liberdade. Se o Rei descobrir que estou nesse estado e souber o motivo… ele vai me trancar neste palácio para sempre.

Helick se afastou da porta sem emitir som, os lábios formando uma linha tensa.

— Seria bom saber o que aconteceu para te deixar assim — disse ele, sem esconder a preocupação.

Cassian, agora sentado, encontrou uma posição em que a dor era minimamente suportável. Respirando com dificuldade, começou a contar tudo o que havia acontecido.

A expressão de Helick endureceu conforme ouvia os detalhes, seu olhar mais sério a cada palavra. Quando Cassian terminou, Helick se levantou e foi até uma das prateleiras de livros, retirando um volume antigo, com a capa gasta e as folhas quase se desfazendo de tão frágeis.

— É um ARGUEM do tipo Mental — disse Helick, apontando para uma das páginas amareladas.

— Tipo Mental? O que seria isso? — Cassian perguntou, confuso e ainda respirando com dificuldade.

Helick fechou o livro, sua expressão grave.

— Algo que pode ser bem mais perigoso do que você imagina.

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