Raven não conseguia compreender o que estava se tornando, e pensar sobre isso agora parecia um esforço fútil.
O ambiente ao seu redor era um caos absoluto, uma aberração da realidade, como se ele estivesse dentro de um pesadelo sem formas, sem cores, sem início e sem fim.
A dor que ele sentia era excruciante, atravessando cada célula de seu corpo como se o vazio estivesse se alimentando dele, mordendo-o com dentes invisíveis.
Sua mente estava à beira do colapso, mergulhada em desespero, mas, de alguma forma, ele mantinha uma tênue resistência.
A resiliência que desenvolveu nos longos períodos de automutilação na Sala Branca parecia ser a única coisa que o mantinha são.
Mas aquilo não era sanidade. Era algo além dela, um estado de sobrevivência absoluta. Ele não compreendia o que estava acontecendo com seu corpo.
Era como se ele estivesse em uma luta constante entre existência e inexistência, sendo lentamente consumido e, ao mesmo tempo, repelindo o nada que tentava apagá-lo.
Seu corpo começava a “fundir-se” com o vazio, mas algo nele o mantinha intacto. Ele não conseguia se dissolver, não se rendia.
Porém, sua mente humana, dilacerada pela dor e pelo luto, ainda permanecia curiosa. Era essa curiosidade, talvez, o que o separava do abismo completo.
O desejo de vingança contra Ismael, o assassino de sua mãe, continuava queimando como um braseiro aceso em sua alma, uma fagulha que se recusava a apagar.
Ele então se forçou a pensar de forma racional, a focar na única coisa que ainda poderia ter algum sentido: o ambiente ao seu redor. Era impossível compreendê-lo, um lugar onde a lógica não se aplicava, mas ele precisava tentar.
*Droga, entender isso vai ser difícil. Quanto tempo vai me tomar? Não, na verdade, o tempo não existe aqui…*
Sua cabeça latejava com a força de mil marteladas, como se uma furadeira estivesse perfurando seu crânio. O sofrimento era insuportável, e sua mente, adaptada para lidar com a dor, agora lutava para processar aquele caos.
Era como tentar enxergar através de uma neblina densa, sem forma ou substância. Seu corpo rugia em agonia, uma tempestade de sensações dolorosas o consumindo.
Ele sabia, de algum modo, que para escapar daquele lugar precisaria compreendê-lo ou tornar-se parte dele. Mas a ideia o aterrorizava.
*Fundir-se ao vazio… será que deixarei de ser? Ou talvez… já estou deixando de ser?*
No entanto, apesar da dor, seu corpo não estava sendo completamente absorvido pelo nada. Essa contradição o perturbava profundamente.
Como ele poderia resistir àquilo que apagava a existência? Seu corpo estava de alguma forma combatendo o próprio conceito de inexistência.
Uma dúvida começou a dominar sua mente: como seu corpo conseguia anular a inexistência? Ele sentia suas células se regenerando a uma velocidade impressionante, quase instantânea, mas aquilo não explicava o porquê de ele ainda estar inteiro.
Não era apenas regeneração; parecia algo mais complexo. Talvez suas células não estivessem apenas se curando, mas se multiplicando, se replicando em um ciclo incessante.
Ele fechou os olhos, buscando uma imagem que pudesse ajudá-lo a compreender o processo.
*É como uma floresta em chamas. A cada árvore que queima, outra surge no lugar, mais rápido do que o fogo pode consumir. A destruição é inevitável, mas o crescimento também. O vazio tenta me apagar, mas nunca consegue acompanhar o ritmo frenético do meu corpo.*
Um sorriso perturbador se espalhou por seu rosto. Pela primeira vez, Raven compreendeu, de fato, o que estava acontecendo com ele. E, com essa compreensão, veio algo inesperado: êxtase.
Era uma sensação estranha, quase insana, que o preencheu ao perceber que ele havia de alguma forma transcendido as limitações da carne.
*Talvez eu esteja ficando tão louco quanto aquele desgraçado do Ismael,* pensou, enquanto uma risada sombria ameaçava escapar de seus lábios.
A dúvida continuava martelando em sua mente, no entanto. Ele sabia que aquela habilidade regenerativa só existia na Sala Branca.
Como, diabos, seu corpo estava reproduzindo algo ainda mais poderoso? Talvez a resposta estivesse em uma capacidade de adaptação extrema, uma resposta automática de sobrevivência.
Mas essa adaptação sempre foi lenta, demorada. Agora, parecia ocorrer de forma espontânea, sem que ele sequer tivesse consciência disso.
Raven refletiu por um momento, sentindo uma mistura de medo e alívio.
*Então meu corpo não só se adapta, mas também cria novas maneiras de combater ameaças? Quanto tempo eu levaria para passar por esse processo se não tivesse me mutilado na Sala Branca? Será que já teria sido apagado?*
A ideia de que sua automutilação o havia salvo o deixou desconfortável, mas não havia tempo para processar aquilo.
No vazio, o tempo não era uma realidade, mas, para a mente de Raven, ele parecia continuar fluindo de forma estranha, sem uma medida tangível. Ele se perguntou quanto tempo havia se passado desde que chegara ali. Dias? Meses? Anos? Era impossível saber.
O vazio ao seu redor era um paradoxo. Era um espaço sem matéria, sem energia, sem qualquer substância que ele pudesse compreender. Onde tudo o que tocava desaparecia — fisicamente e conceitualmente. No entanto, ele estava ali, intacto. Isso o aterrorizava mais do que tudo.
*Será que estou me tornando um monstro? Não… ainda sou tão fraco quanto antes. Ou será que só penso assim para não perder minha sanidade?*
Ele tentou formular outra metáfora para descrever o vazio.
*O vazio é um lugar onde o conceito de ser não existe. Não há luz, nem escuridão, nem som ou forma. Tudo o que é real ou imaginário simplesmente deixa de ser. Quando tentamos entender o vazio, nossa mente falha, pois não temos ferramentas para processar isso.*
*Agora entendo por que minha cabeça dói ao tentar compreender esse lugar… É como tentar enxergar uma cor que não existe, ou pensar em algo além de qualquer conceito possível.*
Raven se dava conta de que, desde o trágico acontecimento que mudou sua vida, ele vinha se tornando uma versão distorcida de si mesmo.
Suas emoções estavam mais frias, sua personalidade endurecida. Sua perseverança em sobreviver era a única coisa que permanecia inabalável.
De repente, uma voz calma e profunda ressoou pela vastidão do vazio, ecoando diretamente em sua mente:
— Como você está aqui? Como ainda não deixou de existir?
Cada músculo de Raven se enrijeceu. O ar frio pareceu morder sua pele, e ele sentiu cada fio de cabelo de seu corpo se arrepiar. Havia algo ali além dele? Como isso era possível? Apesar do medo, ele tentou manter o controle, respondendo com uma voz rouca, que mal conseguia esconder o terror:
— Quem é você? O que quer de mim? Eu também não sei como estou aqui, mas estou.
A voz ressoou novamente, profunda e insondável:
— O que eu sou? Eu sou o que vem antes do ser. Eu sou a ausência que consome o que existe, o que já foi e o que poderia ser.
Eu não sou luz, nem sombra, nem o espaço entre elas, sou o que permanece quando tudo isso deixa de ser. Sou o silêncio que engole o som, a estagnação que devora o tempo. Onde toco, o significado se dissolve. Não há nome para mim, pois até o conceito de nome deixa de existir em minha presença. Eu sou o vazio, o fim sem começo, o nada que apaga tudo.
Raven sentiu o pavor crescer dentro de si, mas ele sabia que precisava se manter firme. O vazio havia se tornado algo que ele jamais imaginou encontrar. Mais do que um conceito, aquilo… falava.
A voz falou novamente:
— Eu não quero nada de você. Apenas queria entender como você conseguiu se manter existindo em minha presença. Agora entendo… fascinante.
Raven respirou fundo, tentando ignorar o medo que corroía seu estômago. Com um tom mais firme, mas ainda hesitante, ele perguntou:
— Você está aliado a quem me forçou a me jogar aqui?
—