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O sol estava lentamente sumindo entre nuvens carregadas que sinalizavam uma tempestade, e o horizonte distante, a usual majestade do sol poente no verão nortenho parecia ser completamente consumida pelo clima sombrio de Vasbrusk e obscurecido pela tempestade que se aproximava.

Os comerciantes haviam retirado suas tendas e os agricultores haviam deixado o campo, abandonando seus animais e ferramentas para trás.

No centro da cidade, milhares de pessoas se reuniam, vestidas em capas pretas. Desde ricos comerciantes até agricultores humildes, soldados e pescadores, todos estavam ali, cercando completamente o castelo de Vasbrusk e enchendo as largas ruas do centro.

Logo, um som alto foi ouvido, e os portões do castelo se abriram, revelando a figura de Argus e Asterios, atraindo a atenção de todos os presentes que observavam seu senhor e seu jovem mestre com uma mistura complicada de olhares.

Sua admiração e respeito por ambos eram incapazes de vencer a tristeza e o desânimo pelos caídos.

“Após 100 anos de paz, os bárbaros voltaram a aterrorizar nossas terras.

A paz sagrada estabelecida pela sabedoria infinita de Aurelio e mantida por sua majestade real, o Rei, foi quebrada.

Nessa quebra, incontáveis vidas foram perdidas: irmãos, maridos, pais, filhos, companheiros e amigos. Todos aqui perderam alguém importante.

Mas não nos deixemos afundar em nossas próprias mágoas.

As almas dos caídos já receberam o abraço de Samsara e estão sendo preparadas para uma nova vida.

E hoje, entregaremos seus corpos a Ashara, e que seu abraço abençoe aos mortos e aos que virão depois deles”, disse Argus em um discurso simples, mas cheio de emoção. Embora seu olhar fosse frio, suas palavras traziam emoções que combinavam com o que a população estava sentindo: revolta, medo, tristeza e ódio.

Logo, Argus deu um passo à frente, com Asterios ao seu lado, observando tudo com um olhar curioso. Ele já havia recebido notícias sobre o que aconteceu com os soldados enviados para Solfosta, sabia sobre o banho de sangue que aconteceu e sobre todos os que morreram, mas ele não tinha ideia do que era esse ritual para Ashara, nem mesmo o que ele representava.

Seu pai também não o ajudou muito, sendo fechado como sempre, apenas pediu para o garotinho sair de seu treinamento e vestir essa capa negra, nem mesmo falando sobre o que estava prestes a acontecer.

Sem nem mesmo hesitar, os cidadãos que bloqueavam a rua abriram caminho para Argus e seu filho, antes de seguir logo atrás da dupla. Os sinos na igreja da cidade tocavam de forma rítmica à medida que a marcha seguia silenciosamente pela cidade; ninguém ousou fazer nem mesmo um barulho. Apenas o som dos passos da multidão, dos sinos e dos ventos poderosos que sinalizavam a vinda de uma tempestade podiam ser ouvidos.

Logo eles atravessaram os portões da cidade, e os cidadãos começaram a orar em murmúrios silenciosos, que, em uma noite escura, poderiam ser considerados como fantasmagóricos. Então, algo inimaginável para a mente jovem e inexperiente de Asterios aconteceu. Como se surgisse com o vento, uma figura sombria apareceu, caminhando logo à frente dele e de seu pai. Asterios tentou falar algo, mas foi interrompido por seu pai antes mesmo de abrir a boca.

“Faça silêncio e, independente do que ocorrer, não olhe após cairmos ao chão”, disse seu pai com palavras frias e um tom rigoroso. Ouvindo isso, Asterios fez silêncio sem pestanejar e continuou andando observando as costas da figura sombria com um olhar curioso.

Logo, eles atravessaram o campo e chegaram a uma praia proxima da cidade. Não muito longe da margem, uma grande balsa podia ser vista, cheia com centenas de cadáveres. Muitos soldados e a própria Lydia estavam fazendo a guarda do local e rapidamente abriram espaço, afastando-se e deixando a figura sombria sozinha em frente à balsa.

Então, a figura se virou, encarando a multidão diretamente, enviando calafrios pela espinha de Asterios.

Não havia um rosto por baixo da capa preta que a figura utilizava, apenas dois orbes brilhantes e vermelhos que o garotinho poderia imaginar serem os olhos. De resto, tudo o que compunha o seu rosto era uma sombra forte e opressora, que parecia apagar qualquer resquício de luz.

“Ashara aceita seus presentes e acata as suas preces, que o sangue dos caídos sirva para saciar a sede daqueles que não encontraram seu caminho após a morte, que a carne dos caídos abrigue o renascer de uma nova vida, e que assim o ciclo da vida e morte continue”, a figura falou, com uma voz fria e andrógina.

Logo após essa frase, a figura levantou suas mãos e as deixou cair lentamente, como um rei ordenando à plebe que se ajoelhasse perante sua majestade.

Ninguém hesitou, mesmo Asterios, que nem mesmo sabia o que estava acontecendo, viu suas pernas ficarem fracas, caindo de joelhos no segundo seguinte.

Toda a multidão fez o mesmo. Milhares de pessoas caíram de joelhos perante a figura e viraram seu olhar em direção ao chão. Nem mesmo um deles teve coragem de levantar o rosto e ver o que aconteceria.

Por longos segundos, o som de um murmúrio em uma língua desconhecida foi ouvido. Embora a voz por trás desse murmúrio fosse baixa e fraca, ela ainda era capaz de viajar por quilômetros.

Então, Asterios sentiu o Aether ao seu redor desaparecer. Não como se fosse sugado pela existência misteriosa ou diminuísse em quantidade, mas simplesmente sumiu, como se nunca tivesse existido.

As palavras soaram por segundos, que para o garotinho curioso pareciam séculos. A cada respiração, as palavras de seu pai pareciam desaparecer de sua cabeça, junto com a tentação de sua própria curiosidade e desejo de descobrir o que aquele homem estava fazendo e o que acontecia ao seu redor.

Logo, a curiosidade venceu, e Asterios finalmente levantou sua cabeça e teve um vislumbre do mundo ao seu redor.

O céu acima dele estava negro, não como em uma noite nublada, mas sim como se estivesse tomado por uma escuridão opressora capaz de engolir até a mais brilhante luz.

Nesse mundo sombrio, apenas Asterios, o misterioso Sacerdote e a balsa cheia de cadáveres podiam ser vistos.

Asterios observou o Sacerdote cuidadosamente. Ele estava de costas para Asterios, com os braços abertos no ar enquanto continuava a murmurar em voz baixa. À sua frente, o mar parecia ficar cada vez mais agitado à medida que os murmúrios do sacerdote continuavam e o céu negro tremia sobre sua mera presença.

Então, os murmúrios da figura misteriosa pararam e ele abaixou seus braços. Ainda observando o barco à distância, Asterios também desviou seu olhar do sacerdote e começou a encarar o barco com expectativa.

Naquele momento, uma visão da qual ele nunca esqueceria ocorreu. O mar revolto começou a borbulhar ao redor da balsa, e, com um estrondo suave, a água rompeu, enviando calafrios horríveis pelo corpo de Asterios, à medida que uma figura desconhecida e colossal se erguia na água.

Aquela figura era uma mão, ou melhor, o que restava de uma. Sua pele era tão escura como obsidiana, seus ossos eram visíveis através de sua carne dilacerada e podre, e seus dedos enormes se contorciam em padrões estranhos.

A madeira da balsa rachou no momento em que a mão se fechou em um aperto sobre a estrutura flutuante de madeira. Mas apesar disso, ela não quebrou completamente.

Asterios assistiu à mão puxar a balsa para as profundezas do oceano como se não fosse nada, com um olhar aterrorizado.

Seu coração estava prestes a sair pela boca, e sua respiração era rápida e irregular. Quando a balsa finalmente desapareceu nas águas sombrias, Asterios retirou seu olhar da balsa e voltou-se em direção à figura sombria.

Então, ele percebeu que a figura não estava mais de costas para ele. Agora, ela o observava diretamente, esquecendo tudo ao redor e encarando o garotinho com desprezo.

Asterios sentiu o ar ser puxado de seus pulmões. Seu coração, que batia loucamente em ansiedade, pareceu parar repentinamente. Asterios sentiu frio, a vida se esvaindo lentamente de seus belos olhos purpúreos, enquanto ele sentia seu corpo cair em direção à escuridão sem fim.

“Ah… um novo cordeirinho cedeu à curiosidade…

Oh… não. Tu não és apenas mais um cordeirinho.” Uma voz feminina rompeu o silêncio em que Asterios estava imerso. Ela era… celestial, para dizer o mínimo. Mesmo a frase mais simples soava como uma poesia moldada e refinada por séculos. Cada palavra era pronunciada de forma cristalina, e até a cadência de sua respiração lenta era perfeita. Um eco profundo ressoava nos ouvidos de Asterios.

O garotinho não podia ver nada, mesmo com os olhos abertos. Ele apenas podia ouvir e sentir.

Braços finos e delicados cercaram lentamente seu corpo, puxando-o para um abraço. Asterios não reagiu, apenas deixou-se levar pela figura feminina que lentamente o envolvia em um abraço apertado.

O garotinho podia sentir a pele nua da figura contra seu corpo, enquanto seu rosto afundava no seio grande, suave e quente daquilo que ele só podia presumir ser uma mulher celestialmente bela.

Mesmo o cheiro de sua pele era perfeito, como se o odor de milhares de rosas se fundisse em apenas uma, criando um cheiro suave e intoxicante.

“Não se preocupe, flagelo, não permitirei que morras…

Sou aquela que chamam Ashara, Rainha da Morte. Receba a minha bênção e torne-se meu campeão. Um dia, precisarei de seus serviços.

Tu és o primeiro a receber meu abraço, não me decepcione.” A voz soou novamente, e logo após isso, Asterios sentiu lábios carnudos e molhados tocarem seu rosto, trazendo um hálito quente.

Essa foi a última coisa que o garotinho sentiu antes de sua consciência ser tomada pela escuridão.

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