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A torre fria e úmida se revelou para Jonas como algo saído de algum filme de terror dos anos sessenta, que seu avô gostava de assistir. Seus olhos, aos poucos se acostumando com a escuridão, percorreram o espaço vazio entre o portão e a entrada da torre, não vendo qualquer sinal de vida. A pálida lua, metade azul, metade negra, já se levantava alta no céu. As esparsas gotas de chuva continuavam a cair. 

— Não tem ninguém mesmo — Leandro falou. 

— Isso a gente já sabia, mas ainda serve de abrigo, né? — disse Jonas, olhando para Orland. 

 O cavaleiro caminhava quieto. Jonas não conseguia ver seu rosto. 

— É melhor sairmos da chuva — Graça sugeriu. 

Jonas sentiu os pingos começarem a aumentar. Podia ouvir o som deles se chocando contra o solo, turvando um pouco sua audição. 

— Concordo — disse Túlio. 

— É melhor fechar o portão, não? — Jonas perguntou, olhando para o cavaleiro e então para Eric, que estava mais atrás. 

Ele o fez e Jonas sentiu alívio em ter algo entre ele e os monstros que espreitavam lá fora. Não escutava mais as risadas, no entanto isso podia ser por conta da chuva. Pensou ter escutado algo como um bater de asas vindo da direção a torre, mas não viu nenhum pássaro. 

Orland encarava a torre em silêncio. Ele se mostrou relutante em entrar na torre e só concordara quando Jonas falou ter escutado o som de risadas viajando pelo ar da noite. 

O vulto do cavaleiro se distanciou um pouco, até um dos muros de madeira que cerca a torre. Uma palavra estranha, mas ao mesmo tempo familiar, pôde ser ouvida. Uma luz de cor alaranjada surgiu na mão do cavaleiro, revelando sua figura rígida e seu rosto jovem e severo. Ele segurava uma tocha, onde muito provavelmente tinha colocado a pedra rubra que usavam para trazer fogo à noite. Jonas observou, impressionado, enquanto as chamas queimavam mesmo com a chuva. 

— Vamos conferir o lugar — Ele disse, entregando a tocha acesa para Eric. 

Logo depois ele enfiou a mão na bolsa, pegou outras duas pedras e acendeu mais duas tochas. Entregando uma para Túlio, e ficando com uma para si. 

— Graça, Túlio, vigiem o portão. Leandro, Erick, verifiquem o pátio e as paliçadas. Jonas, venha comigo. Vamos investigar a torre — Ele estendeu a mão, pedindo a espada que estava com Jonas. 

— Vigiar o portão? — Graça perguntou atordoada. 

— Sim. 

— Vigiar? O que vamos fazer se algo aparecer? — Túlio perguntou, levantando o tom de sua voz. 

— O portão vai estar fechado. Se algo aparecer, basta que ela grite — Ele respondeu, avançando em direção à torre. 

— Mas… — Leandro tentou questioná-lo, porém o cavaleiro se afastou. 

Túlio soltou um xingamento baixo, que talvez apenas Jonas conseguira ouvir. Eric e Jonas se entreolharam e Eric suspirou acenando com a cabeça. 

— Vamo — Eric disse, olhando para Leandro. 

Leandro sacudiu a cabeça, e olhou para Graça. 

— Se acontecer algo, a senhora grita e viremos correndo — disse ele se afastando junto de Eric. 

Jonas suspirou e tocou no ombro de Túlio, que estalou a língua. Jonas rumou em direção a entrada da torre e a adentrou, dando de cara com uma figura ereta delineada pela luz da tocha na completa escuridão do interior, que era maior devido à falta de luz da meia-lua que iluminava a noite. Por um momento Jonas sentiu o peito tamborilar, até uma voz familiar ser ouvida. 

— Demoraste — disse o cavaleiro com a voz mais rígida do que o normal. Ele aguardava, parado um pouco depois da entrada. 

— Desculpe? — Jonas falou, sem se importar muito. 

— Vamos — A figura iluminada dele se moveu, clareando a escuridão a frente pela escuridão. 

Orland liderava andando alguns passos à frente, estendendo a tocha a acima de sua cabeça. Jonas o seguia com passos incertos. Mesmo com o cavaleiro iluminando o caminho, não conseguia ver com clareza onde pisar. Seus olhos doíam frente à luz da tocha, que de alguma forma tornava a penumbra que os rodeava ainda mais sombria. Um grande espaço aberto, com três grandes mesas que pareciam feitas de pedra postas no centro, se revelava após a porta. Uma área de convivência, Jonas percebeu. Grandes bancos de madeira estavam jogados próximos a entrada, como se amontoados para barrar algo. 

Eles entraram com passos cautelosos. O cavaleiro parecia estudar o lugar. Um forte odor empestava o lugar. Havia uma porta à direita, e outra à frente, do outro lado do salão. Orland escolheu verificar primeiro a porta à direita, de onde o cheiro parecia mais forte. Jonas o seguiu. 

Lá viram uma confusão de barris, botijas, grãos e pedaços de carne podre, arremessados para todos os lados, explicando o péssimo odor. 

— Que merda é essa? — Jonas perguntou em voz alta. 

Sem falar nada, o cavaleiro voltou novamente para o salão, caminhando em direção a porta oposta à que eles chegaram. Jonas o seguiu, redobrando sua atenção. Não escutava nada além do som da chuva, que parecia ter aumentado fora da torre. 

Jonas olhava para o seu redor, procurando por qualquer sinal de coisa que pudesse estar escondido na escuridão, mas parou ao topar com o pé e ouvir um som abrupto de algo batendo e saltando pelo chão.  

— Porra — resmungou, agachando-se para tocar o pé. 

— No que você tropeçou? — Perguntou Orland. 

— Sei lá. Só sei que doeu. 

Jonas instintivamente olhou ao seu redor procurando pelo objeto, mas não identificava nada com clareza. Então procurou pelo lugar em que escutara a coisa bater, tateando cuidadosamente com pé antes de cada paço. Sentiu-se encostar em algo duro e então abaixou-se para pegá-lo. 

Tinha uma forma arredondada, era pesado e oco em seu interior. Parecia um… 

—  O que encontrou? — Orland perguntou. 

—  Um capacete — Jonas deu voz aos seus pensamentos. 

O cavaleiro se aproximou, tomando a coisa em suas mãos. 

— Um elmo — disse, encarando o objeto. 

— O que foi? 

— Não devia estar no chão, mas sim no arsenal, ou na cabeça de um soldado. 

— Não parece ter um soldado por aqui — Jonas observou com uma voz temerosa. 

Um momento de silêncio se fez e de algum modo isso pareceu incômodo para Jonas. 

— Vamos — declarou Orland, se pondo novamente em movimento, soltando o capacete. 

Eles encontraram uma escada que subia rente a parede de pedra. Orland a encarou por um tempo indeterminado e então deu o primeiro passo, subindo os degraus. 

O som da chuva parecia maior, abafando os outros sons dentro da torre. 

Um corredor se seguia no andar acima, grande o bastante para duas pessoas caminharem lado a lado. Se podia ver portas e outros corredores à direita e à esquerda. A maioria das portas estava aberta, e outras estavam quebradas. Eles entraram em cada um dos quartos, vasculhando seu interior. Viram o que parecia ser alojamentos, com camas rústicas em cada um, e baús de pedra abertos, com as roupas jogadas ao ar. Uma janela quadrada dava uma vista sombria para a noite chuvosa lá fora. A cada cômodo que passavam, Jonas sentia seu peito tamborilar, e o ar parecia escapar de seus pulmões. Jonas imaginava pelo que o cavaleiro procurava, e temia que eles o encontrassem. 

Entraram em mais um dos quartos, maior que os demais. Viram nele estantes e armários nas paredes, assim como objetos espalhados pelo chão. 

Orland apontou a tocha para o chão. A chama tinha mudado de laranja para um vermelho vívido. Eles viram armas e armaduras espalhadas pelo local. 

— Acho que aqui é o arsenal — disse Jonas. 

Jonas viu espadas e machados, pensando em como seria bom pegar algumas delas. Lembrou-se do momento em que conseguiram as dádivas do deus. Erick pegara um bastão com uma pedra verde na ponta. Leandro pegara uma faca fina. Túlio encontrou uma clava em seu baú. Nenhum deles pegara mais de uma. Apenas o baú que Jonas abriu tinha dois objetos. A flauta e a espada. Mas isso não importava, afinal todos as dádivas haviam sumido quando eles chegaram naquele mundo. 

Jonas caminhou entre as armas, tentando decidir o que pegar, sem encontrar nada que realmente quisesse. Ele pegou uma espada, achando seu peso e formato estranho. Ele ouviu o som dos passos pesados do cavaleiro. 

Orland olhava ao redor com uma expressão cerrada mal iluminada pela luz carmesim da tocha em sua mão. 

— Ainda tem mais um andar — disse ele, saindo do cômodo. 

Eles caminharam até a escada que dava acesso ao terceiro andar, e logo o som da chuva pareceu mais alto aos ouvidos de Jonas. Lá em cima, outro corredor escuro se prolongava, com portas quebradas e escancaradas em ambos os lados. Havia menos delas, uma vez que os cômodos eram maiores do que no andar abaixo. Jonas sentiu algo grudento sob os seus pés, que a luz da tocha – agora verde – tinha uma cor amarelada. 

Eles olharam os outros quartos. 

A coisa parecia também cobri-los, como um musgo. Mas, o que chamou mais a atenção de Jonas, assim como a do cavaleiro, foram o que pareciam ser grandes casulos presos ao teto. 

— Que merda é essa? — Jonas perguntou atônito. 

O cavaleiro, sem responder, deu a tocha para Jonas segurar, adentrou o cômodo, se aproximando do casulo. Ele enfiou a espada que segurava e abriu a coisa. Uma gosma que encheu o estômago de Jonas de náuseas começou a escorrer de dentro. O cavaleiro enfiou uma mão, abrindo ainda mais o casulo. 

— Por isso o resto da torre está abandonado — Ele disse se pondo de lado, deixando que Jonas visse o que havia dentro. 

Um rosto cadavérico, com a pele ressecada e dentes podres amostra, apareceu dentro da fresta aberta. 

Jonas deu um passo para trás, soltando um grunhido de espanto e nojo. O som da chuva era mais alto do que nunca. 

— Temos que sair daq… — Ele parou de falar quando percebeu outro som se misturando ao do temporal que caía do lado de fora. Era como um farfalhar agudo vindo de dentro da torre. Jonas voltou para o corredor e fitou a escuridão sombria que lá existia. 

Parecia haver algo no final dele, onde a luz da tocha não alcançava. 

O cavaleiro lhe tomou a tocha, e se pôs em posição de guarda, com a espada na outra mão. 

— Prepare-se — Ele disse em um tom de comando que fez os músculos do corpo de Jonas se enrijecerem. 

“O que há ali?”, o medo dentro dele perguntou. 

Então uma luz repentina, mais forte que a da tocha, clareou a tudo, dando-lhes a visão do que havia no final do corredor. 

Oito olhos brilhantes encararam Jonas por um momento, antes da escuridão voltar a tomar conta do mundo novamente. E então, um som, parecido com o grito de um morcego, rasgou os seus ouvidos, antes de ser abafado pelo atordoante rugido do relâmpago que viram antes. Jonas levou as mãos às orelhas por conta da súbita dor agonizante que sentira com o estrondo. 

— Para trás — Ouviu o cavaleiro gritar, antes da coisa estender suas asas e voar sobre eles. 

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Olá, eu sou Dellos, o panda!

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