Já faz seis meses desde que cheguei a esse mundo e ainda não consigo dormir. O sol está entrando pela janela do quarto, iluminando ele por inteiro. Já me acostumei a ficar cansado o dia todo, então não faz tanta diferença. Me levanto da cama de lençóis, os enrolo para guardar no armário, aí desço pelas escadas lentamente, tentando não acordar a garota. Lá embaixo vejo o marido e mulher cuidando do bar, além de mais três pessoas fazendo uma refeição.
— Bom dia, Morrigan — Friggia me comprimenta com um sorriso, além de um rosto de sono.
— Bom dia, senhora — digo para ela.
Os clientes acenam com a cabeça para mim e os retribuo também. Na cozinha Kynigos bagunça meu cabelo e volta a fazer seus afazeres. Ando até a porta da cozinha e a abro, sinto um vapor quente na minha pele, olho para o lado e observo uma panela fervendo em cima do fogão à lenha. Do outro lado do quintal há uma bacia com água, vou até lá e lavo meu rosto. Acho que preciso tomar um banho, já estou há um tempo sem.
Volto para a cozinha e fecho a porta ao entrar. Caminho até um avental branco e pequeno que está pendurado na parede por um prego, o visto devagar, enquanto tento ligar meu cérebro. Um café agora seria bom. Terminando de vestir, vou até às três pessoas que estão sentadas juntas perto da parede do bar. O sol está entrando pela janela que dá uma claridade confortável para o lugar, também sinto um frescor misturado com o calor gerado pelo sol batendo na minha pele. A madeira do chão e da parede também reflete um pouco de brilho, mostrando como aqui é limpo e bem cuidado. Passo entre as várias mesas e chego nos três. O que está sentado no meio é um homem musculoso usando uma camiseta que mostra seu braço forte, além de uma careca que brilha na luz do sol, ao lado dele tem uma mulher que também parece ser atlética, com o cabelo preto e curto, ela também usa uma camisa, do outro lado é um garoto, ele parece ter poucos músculos comparado ao do meio, mas ainda sim dá para ver que tem um pouco deles no seu braço, seu rosto é o mais jovem do grupo.
— Eai, garoto. Como vai? — o do meio me pergunta, sua voz é um pouco rouca, mas alta.
— Estou bem, Marsadi — eu digo.
— Poucas palavras como sempre, igual a Friggia. Vou querer o de sempre mesmo. — Ele pega uma moeda de bronze do seu bolso e me dá.
Depois de um tempo trabalhando aqui, descobri quais moedas eles usam. A grande maioria usada é a de bronze, a de prata consegue sustentar uma família por semanas, então normalmente são usadas quando fazem hospedagem de longos dias, mas vi elas poucas vezes, a de ouro nunca cheguei perto.
Ando até a cozinha e falo para a Friggia o pedido, ela pega um prato e vai ao quintal, depois volta com ele cheio de comida. O levo até o cara musculoso e volto para pegar a comida dos outros dois, então sento nas cadeiras do balcão esperando alguém me chamar, enquanto observo esposa e marido cozinharem juntos.
— Hey, Kynigos! — o rapaz musculoso o chama.
Kynigos para de cozinhar e caminha até a pessoa que lhe chamou. Como não estou fazendo nada por agora, ouço os dois conversarem.
— Você soube que o rei morreu? Descobri isso de um amigo que veio da capital — ele diz diminuindo o tom da sua voz, mas consigo ouvir por causa da minha audição.
— Sério?
Os outros dois ao seu lado ficam em silêncio, comendo suas comidas.
— Sim. Lá está uma bagunça total, há meses que o rei não aparecia em público, então parece que esconderam a notícia de sua morte. A capital virou um campo de batalha e parece que vai demorar anos para normalizar.
— Caraca, é tão ruim assim? — Kynigos pega uma cadeira de outra mesa e a coloca na frente do rapaz.
— Como o rei teve muitos filhos, há muitos possíveis ▆▇▆▇▇▆▇. Estou prevendo uma chacina acontecendo por lá, os nobres estão divididos como nunca. É literalmente um caos. — Ainda tem várias palavras que não consigo entender.
— As guildas se pronunciaram sobre algo?
— Ainda não, mas é só questão de tempo até elas se meterem e tentarem ganhar mais influência na ▆▇▆▇▆▆▇.
— Entendi, muito obrigado. — Kynigos pega uma moeda de bronze e dá para o rapaz, ele agradece com a cabeça, então começa a comer.
A situação política deste reino é uma bagunça. Toda hora ouço um conflito diferente, porém dessa vez parece ser mais sério, a morte de um rei é outro nível. Será que é alguém que tramou isso? Bem, pensar nisso não vai adiantar nada, não vou poder mudar isso mesmo.
Ouço passos rápidos descendo pelas escadas, viro minha cabeça e vejo a Matys correndo em minha direção enquanto grita meu nome. Que energia logo de manhã. Ela vem com os braços abertos esperando que eu a abrace, por isso desço da cadeira do balcão e também abro meus braços. Ela chega tão rapidamente, que quase me faz cair. Faço carinho atrás da sua cabeça até ela finalmente me soltar. O mesmo processo se repetiu com os seus pais. Preciso estudar para ver de onde ela tira tanta energia, essa garota acabou de acordar. Eu me levantei faz minutos e ainda estou um pouco letárgico. Isso é o que significa ter cafeína nas veias.
A menina sai da cozinha, então começa a saltitar pelo bar.
— Morrigan, Morrigan, vamos brincar? — ela fala e saltita até mim.
— Hey, vocês dois comem primeiro antes de saírem — ouço a Friggia falando da cozinha.
— Certo… — Metys abaixa a cabeça triste e sobe em uma das cadeiras no balcão.
A mãe dela vai no quintal e nos trás dois pratos de comida. Sento novamente e começo a comer com a menina.
— Ahhhhh — a menina fala como se lembrasse de algo —, hoje é meu aniversário.
Ela conseguiu esquecer o próprio aniversário? Ontem essa garota estava correndo por ai querendo que hoje chegue logo. Metys pula da cadeira e fica gritando, “hoje é meu aniversário, hoje é meu aniversário”. A Friggia também começa a reclamar com ela, porque não terminou a comida, porém Metys entrou no próprio mundo e não está ouvindo a mãe dela.
— Morrigan, Morrigan, quando é seu aniversário? — ela para de correr e me pergunta.
Meu aniversário? Será que falo o mesmo da Terra? Bem, já que mudei meu nome, o ideal seria também mudar a data.
— Não sei — a respondo.
— O que? — ela fala surpresa — como não sabe o seu aniversário?! É o melhor dia do ano!
— Não me lembro.
— Mãe, o Morrigan não sabe o dia do seu aniversário — ela fala e corre para a cozinha, enquanto aponta para mim.
A Friggia me olha por um momento e diz:
— Por que não cria um dia para seu aniversário?
— Ohhh — Metys abre a boca como se tivesse uma ideia, então sai da cozinha e vêm para meu lado — Morrigan, Morrigan, vamos fazer aniversários juntos!
— Como assim? — a pergunto.
— Assim, ó — ela move suas mãos pelo ar — meu aniversário é hoje, aí o seu também vai ser hoje. Nós dois iremos ter dois bolos para cada!
Ela só está pensando na comida…
— Então tá, meu aniversário e o seu será no mesmo dia.
Ela levanta os braços de felicidade, porém antes que volte a correr, Friggia ameaça bater nela caso não coma.
Não me importo tanto com o meu aniversário, é só um dia que acontece todo ano. A única coisa boa é que posso festejar nele, também tem os presentes. Falando nisso, os costumes daqui são muito parecidos aos da Terra, é algo instintivo humano comemorar o dia que nasceu? A religião até dá para entender, porque é normal acharmos desculpas por fenômenos da natureza que desconhecemos. Quem nessa época iria achar que um tremor na terra é só as placas tectônicas se mexendo. Bem, eles não sabem o que são placas tectônicas.
Mais pessoas descem pelas escadas, por isso termino minha refeição rapidamente e vou atender eles.