Nós passamos o dia conversando e andando pelo Centro de Treinamento, sem nada especial. Tivemos uma fogueira e, logo após, fomos dormir. Agora, estou sentado na cama de pernas cruzadas, o sol, que acabou de nascer, entra pela janela.
Enquanto mantenho meus olhos fechados, ouço barulhos vindo do corredor e cada vez chega mais perto, então, de repente, a porta é aberta e um professor, careca, cheio de cicatriz e com uma pequena barba, grita: — Quem faz parte do treino de força me siga! — Ele sai e vai para a próxima porta.
Olho a Demcis, que se levantou assustada, ela se vira para mim com um olhar de sono e depois cai de costas na cama. Sento na beirada da cama e pulo dela, o Temmos também se levanta. A Hecatis continua deitada. Alongo minha coluna e vou ao corredor com o Temmos. Lá, vejo vários alunos com sono e reclamando. O professor passa pela minha frente com um olhar afiado, seguindo reto até o final, os alunos abrem caminho para ele. A Demcis sai do quarto se espreguiçando e fecha a porta. Os alunos saem com o professor. Fora da cabana, nos organizamos em fila e esperamos a próxima ordem dele
Ele fala para corremos atrás dele, então o seguimos pelas trilhas da floresta. Não fomos tão rápidos igual o primeiro dia, corremos em uma velocidade moderada, como também não tento ultrapassar ninguém. Os três do meu grupo correm ao meu lado, focamos em apenas correr e, por isso, não conversamos. Os alunos ainda estão cansados e com sono, já que foram acordados repentinamente pelo professor.
Corremos por minutos até finalmente voltarmos ao campo de terra, lá os alunos descansam e respiram. Eles já despertaram e estão bem mais enérgicos que antes. O professor dá alguns instantes para descansarmos e logo nos manda fazer flexões, como não me recuperei totalmente da corrida, demoro mais para terminar às cem.
Quando terminamos, o professor manda andarmos ao redor do campo, então fizemos isso, cada aluno com seu grupo.
— Eu disse que você não vai conseguir fazer tanta coisa ao mesmo tempo — fala a Demcis.
— Mas eu quero — fala o Temmos.
Ela solta um suspiro. — O tanto de matéria que você pegou… deve ter várias que vão acontecer ao mesmo tempo. A não ser que você saiba a magia de criar clones, você não vai conseguir.
— Magia de criar clones para treinar…? — Ele cai em pensamentos.
— Ela não tem essa magia — responde a Demcis pela Hecatis, que ficou na cabana.
Os olhos do Temmos mostram que ele ficou triste e decepcionado.
— Você vai se esgotar rapidamente tentando treinar tanto — falo para ele.
— Não tem problema, eu me viro. — Ele olha para frente e ignora completamente nossos conselhos.
Olho para frente e caminho, esperando a próxima ordem do professor. Depois de caminhar por vários minutos, o professor manda pararmos. Formamos algumas fileiras enquanto olhamos para ele. Ele explica que isso foi apenas um aquecimento, e agora que ele vai treinar nossa força. Ele nos manda ficar na frente de alguns troncos, os mesmos do levantamento de peso, e fazer agachamentos com eles até não conseguir mais se levantar.
Paro na frente de um tronco, pego em um buraco feito nele, onde tem uma alça esculpida e o levanto, seguro ele na parte da frente do meu peito, usando meus braços, ombros e apoiando na clavícula. Como o tronco está na frente, minha cabeça fica em posição desconfortável e, por isso, olho para cima e vejo o céu cinza.
Respiro profundamente e desço. Chego até onde meu quadril consegue, sem entortar a lombar, e subo. Paro uns instantes em pé, para me equilibrar e retomar o fôlego, e desço. Faço o mesmo processo algumas vezes até minha perna começar a falhar. Agachado com o tronco à minha frente, tento me levantar, mas a maior parte da força das minhas pernas se esgotaram, solto todo o ar dos pulmões, fazendo um pequeno assobio, e subo contraindo os músculos da minha perna: quadríceps, glúteos, isquiotibiais, etc. Quando finalmente chego na parte final do movimento, jogo o tronco para frente e ele cai com um barulho abafado e alto.
Ofegante, respiro rapidamente e olho para os outros alunos fazendo careta e gritando enquanto fazem o agachamento. Vários já terminaram e estão apenas esperando o professor falar que já deu o tempo. Depois de alguns minutos, não o tempo suficiente para acalmar os batimentos cardíacos, o professor dá a ordem de continuar. Pego o tronco novamente e faço o mesmo processo de levantamento, dessa vez mais difícil que antes, já que exauri uma porção da minha força. Coloco o tronco na frente do meu rosto e faço as repetições, só que menos. Termino a série e espero o professor. Assim que ele manda fazermos o agachamento, eu faço, depois fala para descansarmos para o próximo exercício.
Após alguns minutos, ele nos diz para pegar um cipó, amarrar no tronco e o puxar ao redor do campo. Amarro o cipó no tronco, de um jeito que não se parta, além de prender o cipó na minha barriga e ao redor dos ombros. Às ordens do professor, arrasto o tronco, como minhas pernas já estão quase sem força, custo para conseguir andar alguns metros, mas, ao olhar para trás, vejo que os alunos não estão melhores que eu, na verdade, eu sou o que mais se afastou. Rastros de terra se formam no chão, pelos meus pés e pelo tronco. Há vezes, que mesmo fazendo força, o tronco não sai do lugar, então fico tentando até ele se mover. A fadiga do último exercício só piorou minha situação agora, puxar isso já seria difícil mesmo sem ter exaurido minhas forças, mas agora, nessa situação, o esforço foi multiplicado em várias vezes. Mesmo estando na frente dos outros alunos, não há uma grande diferença de distância entre nós.
Chego do outro lado do campo, me ajoelho no chão, e os cipós amarrados em mim folgam, sinto uma ardência infernal na região do meu ombro e cintura no momento em que o cipó sai. Minha respiração está errática e meu coração parece estar ao lado do meu ouvido e que logo irá sair pela minha boca.
— Eu falei para darem uma volta! Não pararem aí! — grita o treinador do outro lado do campo.
Me levanto com dificuldades do chão, ajeito os cipós e me posiciono para fazer uma curva com o tronco. Solto todo o ar dos meus pulmões e empurro a terra, me movo devagar, fazendo um meio círculo no chão, e encaro de volta o campo de terra. Ando com cada passo parecendo uma eternidade. Na volta, vejo os rostos dos alunos fazendo caretas e em estados deprimentes.
Quando chego no final, me jogo no chão, ignorando toda a dor no meu corpo. Depois de um tempo encarando o céu cinza, me levanto e tiro os cipós do meu corpo. Subo minha camisa e casaco, e vejo, na minha barriga, um rastro vermelho. Em algumas partes do rastro, tem feridas e sangue.
— Ainda tem mais — fala o professor.
No resto do treino, ele nos fez fazer vários exercícios, principalmente, para a perna. Agora, estou sentado no refeitório com a maga e a Demcis. O Temmos está treinando no campo alguma matéria envolvida com o corpo.
— Escolheu quais matérias? — pergunto para a maga.
— Nenhuma.
— Ainda não se decidiu? — continuo a perguntar.
— Sim.
Parece que ela não quer falar muito. Daqui a pouco, deve começar outro treino meu, então preciso descansar o máximo possível, mesmo não sentindo minhas pernas por causa do último treino.
Me levanto e me alongo ao lado da mesa. A dor de se alongar é pior que a de treinar. Cerro meus dentes e tento ir o máximo que consigo, mas quando menos espero, alguém me chama.
— Hey, demônio idiota! — Me viro para olhar quem me chamou e vejo um grupo de quatro pessoas vindo até mim. — Por que você não volta para aquele seu continente de merda? — O do meio, o que falou isso e tem cabelos loiros, cospe no chão.
Ignoro ele e volto a me alongar. Faço isso para melhorar a circulação sanguínea e aliviar a tensão nas pernas, não vou me forçar o suficiente nesse alongamento para não me lesionar, já que o último treino foi intenso e não é o ideal me alongar agora.
— Não me ignora idiota! — Ele me empurra e, como estava no meio do movimento, perco o equilíbrio e tropeço. Me seguro na mesa para não cair no chão.
Por que não posso ter paz aqui?
Me levanto da mesa, ajeito minha postura e encaro ele. — O que você quer?
— Eu quero que você saia da minha vista.
— Só arrancar os olhos! — Ouço a Demcis gritar lá da mesa.
Ele me olha com ódio após ela falar isso e vem até mim. Ele para na minha frente, mas não faz nada. Os seus colegas se reúnem ao meu redor, a Demais levanta e todos os alunos do refeitório nos olham. Ele continua a me encarar sem fazer nada, sinto vontade de provocar ele, mas me controlo. Ainda está muito cedo para arranjar uma briga.
Agora entendo o porquê da maga usar um capuz. Talvez eu deva pedir para a Metys fazer um para esse casaco, isso me evitaria vários problemas. Quando menos percebo, mais alunos curiosos se reúnem ao redor de nós. Sinto que sou a pessoa que mais se meteu em problemas desde que esse centro de treinamento começou. Não, eu realmente sou essa pessoa, infelizmente.
Ele ainda continua a me encarar sem fazer nada, só que agora faz uma careta de mal, como um vira-lata que late, mas não morde. Devo bater nele? Enquanto decido o que faço, vejo o Maksi sorrindo na multidão. Isso é um plano dele. Ele quer me fazer bater nesse cara só para as dezenas de capangas dele me espancar? Isso é bem provável. Três ou cinco, até consigo lidar, porém mais de vinte, não, a não ser que eu queira ficar na enfermaria por uns dias.
— O que está acontecendo aqui? — O Dilliam sai da multidão com seus capangas.
Vejo o sorriso do Maksi desaparecer.