— O que você estava fazendo com aquele pessoal? — a Demcis pergunta.
— Aumentando minha influência e contatos aqui dentro.
— Para quê?
— Isso é o que os treinadores querem, além de que, isso vai me ajudar na próxima competição.
Explico o que vai ser a próxima competição e ela entende o que fiz. Não estou fazendo isso só por essa competição, e sim, para todas as outras depois dessa. Essa é uma aposta que pode me ajudar no futuro.
Expliquei para aquele outro grupo que abordei sobre o que quero fazer e eles aceitaram participar. Vai ser uma parceria, só que mais íntima do que a que fiz com o Dilliam. Por enquanto, vou só fazer essa parceria com eles para ver como vai se desenrolar isso.
— Como vai funcionar? — Demcis me pergunta.
— Vamos nos ajudar na competição.
— E aquele cara… o Gimam.
Dilliam?
— Ah, pedi para ele fazer outra coisa. Tem grandes chances do Maksi vir se vingar nessa competição, então vou precisar do grupo do Dilliam para outro assunto. Principalmente, segurar parte dos capangas do Maksi.
— Certo.
O Temmos aparece suado ao lado na mesa e me chama para ir treinar, então me despeço da Demcis e sigo ele para o local onde treinamos. Faço alguns sparrings com ele apontando os erros, como sempre, e fico mais um tempo treinando sozinho quando ele vai embora.
Quando menos percebo, mais um dia se passa. Estou agora com o grupo que fiz a parceria e a Demcis em uma parte da floresta ao lado da cabana.
Vejo a Demcis rindo com as meninas. Estou agora com os meninos observando elas em silêncio. É incrível a habilidade de socialização dela… nem demorou dez minutos para conversarem como se fossem velhos amigos. Na verdade, ela fez o nosso grupo, de três anti sociais, conversar. Isso foi um grande feito.
— Hey! — o careca de olhar feroz me chama. — Sabe jogar? — Ele segura um monte de pedra com alguns gravetos.
— Acho que não, como é?
— Venha, vou te explicar.
Nos afastamos das garotas e montamos o jogo. Pelo que ele me falou, é como uma gude misturada com futebol. Você faz duas traves e tem que jogar as pedras de uma certa distância para entrar no “gol”. Rapidamente pego a ideia.
Mirando com a pedra na mão, o careca, Rahiq, fala: — Você é um demônio?
— Pelo que eu saiba, não…
Ele continua mirando, até que joga a pedra, mas ela bate na em uma das traves e ele acaba xingando.
— Uma pena, sempre quis conhecer um — ele fala.
— Tem uma demônia no nosso grupo — eu falo.
— Ohh, é mesmo. Aquela maga, né?
— Sim.
— Que foda.
Agora é a vez do Rofrikdis, o magro. Ele não mira muito e acaba jogando a pedra para fora. — Sua vez — ele fala.
Fico no local indicado e coloco a pedra em cima do meu dedão, fecho um dos olhos e miro. Quando percebo que é o momento, solto. A pedra voa para um pouco longe do gol.
— Eita… você conseguiu fazer ela ir para o outro lado… — fala o Rahig impressionado.
O Rahig fica no local, mira um pouco e consegue acertar dentro do gol. — Yeah! — Ele move dá uma cotovelada para trás comemorando. — 5 a 3 a 0.
O Rahig está com cinco, o Rofrikdis com três, e eu com zero.
— Onde está ela? A maga — ele pergunta.
— Provavelmente, na biblioteca ou lendo algum livro no quarto.
— Biblioteca? — o magrelo pergunta.
— Sim, tem uma biblioteca na cabana. Uma das primeiras portas.
O Rofrikdis vai ate a posição, mas erra de novo. Então, na minha vez finalmente consigo fazer um ponto.
— Boa — fala o Rahig.
Conversamos mais um pouco, até que as meninas chegam e falam que o treino começou. Despedimos e fomos treinar.
— Gostou deles? — pergunto para a Demcis que está ao meu lado em um espantalho no treino de lança.
Ela sorri e fala: — Eles parecem legais.
Entendo. Olho para o espantalho à minha frente e bato nele com a lança de madeira enquanto solto o ar pela boca.
Mais um dia se passa e a próxima competição chega cada vez mais perto.
Estamos no quarto e olho para a Demcis, que comprou um arco. E para o Temmos, que comprou um bastão.
— Por que não comprou uma lança? — a Demcis pergunta para o garoto.
— A lança com ponta de pedra era duas moedas, e a mais barata era uma com a ponta de madeira. Preferi comprar esse bastão, já que ele parece ser mais resistente e duro que a lança.
Na cama da Demcis tem uma aljava que se coloca na cintura com poucas flechas. — Só tinha isso? — Aponto para a aljava.
— Ganhei de graça quando comprei o arco. — Ela pega o objeto de couro. — Para comprar mais eu tinha que ter outra moeda. Prefiro fazer as minhas do que comprar mais com alguém. E você? Vai ficar sem arma? A Hecatis pode emprestar a moeda dela para você comprar algo, só devolver depois. Não acho que ela se importa, não é? — A Hecatis, que está deitada na cama parece que nem ouviu e ignora. — Isso é um sim, eu acho.
— Não vou precisar, por enquanto. — eu falo. — Só me atrapalharia. Ainda não sei usar direito uma arma, vou me sair melhor de mãos nuas, já que estou acostumado a isso.
— Certo, só cuidado para não quebrar o pulso. Aliás, na loja de armas tem uma variedade estranha. Tinha até armadura de couro.
— Onde fica a loja? Nunca vi ela. — eu pergunto.
— Aqui mesmo na cabana. Como a cabana é ao lado das árvores, não dá para ver que tem um corredor indo para atrás. Esse corredor é do outro lado, por isso não vimos ele. Isso aqui é gigante, parece até uma mansão. Mas até que faz sentido, já que os professores precisam de algum lugar para dormir e nessa parte só tem os quartos dos alunos.
As preparações para a competição estão quase prontas. Nesse tempo, preciso melhorar a minha força e terminar alguns detalhes.
Ouço uma batida na porta. Nos entreolhamos, pensando em quem poderia ser, então pulo da cama e coloco a mão na maçaneta. Por um momento, algumas visões passam pela minha visão, mas ignoro isso e abro a porta.
O Rahig está parado na porta. — Posso conversar com vocês um pouco? — Abro mais para ele entrar e fecho a porta quando ele entra. Ele fica em pé no meio do quarto e eu ando até a minha cama, sentando na borda dela.
Ele se vira para a maga. — Posso pedir um favor?
Ela tira a atenção do livro e se vira para ele só com os olhos.
— Eh… você por acaso veio do continente demoníaco…?
— Sim — a maga responde.
— Ah! — Seu olhar feroz brilha. — Por acaso, seria possível você ter conhecido uma pequena garota enquanto estava lá?
— Estamos falando de um continente. Tem várias garotas pequenas. Acho impossível alguém que você conheça lá, além disso, já faz muito tempo que estive lá. Se for uma criança, ela pode nem ter nascido na última vez que eu estava lá.
— Ah… — Seus ombros caem abatidos. — Desculpa o incômodo. — Ele vai até a porta e sai.
Olho para a Demcis e ela me olha depois dar de ombros. A maga volta a ler o livro.
— Quem é esse cara? — o Temmos pergunta.
— Nosso parceiro — eu respondo.
— Parceiro?
— Sim.
Pulo da minha cama e saio do quarto dizendo: — Vou ver o que ele queria. — Vejo o careca andando no corredor de cabeça baixa, então coloco minha mão no ombro dele e ele se assusta por um momento.
— Desculpa por causar essa confusão — Rahig fala.
— Não se preocupe com isso.
Paramos no meio do corredor.
— Você quer perguntar o porquê disso, né?
— Sim.
Ele solta um suspiro.
— Mas, se você não quiser, não precisa falar. Posso ver que é algo íntimo — eu falo.
— Não, tudo bem — o Rahig fala. — É só um assunto complicado, como você pode perceber.
— Tem haver com sua irmã, ou algo do tipo, certo? — eu pergunto.
— Sim, minha irmãzinha menor. — Ele solta outro suspiro antes de continuar. — Quando éramos pequenos, nossa família teve alguns problemas e fomos morar em um lugar humilde e imundo. Aqui mesmo, na cidade de Gakich. Só que…
Ele tem dificuldades em falar e coloca a mão na boca. Mas não vejo nenhuma lágrima saindo do seu rosto, na verdade, seu olhar começa a queimar de raiva, só que não é só isso. Parece ser um sentimento complexo que não dá para descrever.
— Ela foi sequestrada e vendida para o Continente Demoníaco. Desde aquela época, não consigo encontrar nenhuma pista onde ela possa estar.
Normalmente, depois que alguém é usado nesse tráfico de pessoas, nunca mais se encontra. E, quando não se tem nenhuma notícia de onde esse alguém possa estar, é bem provável que já esteja morto. Não consigo entender o que ele sente agora. Agora faz sentido ele fazer aquela pergunta estranha.
— Eu só queria buscar alguma esperança. Mas agora percebo que foi uma pergunta idiota de se fazer. Peça desculpas para mim a aquela maga. — Ele volta a andar até entrar em seu quarto. Eu fico parado no corredor observando a porta dele fechada.
Caminho lentamente até chegar na porta do meu quarto. Fico parado na frente dela até que depois de um tempo eu a abro e falo o que descobri para o pessoal. Eles ficaram em silêncio depois que contei tudo e após conversaram sobre isso e como deve ser ruim para ele.
— Cada pessoa deve ter um motivo bem diferente para estar aqui — fala a Demcis. — É bem Impressionante isso.
Alguém com um motivo complexo igual ao dele, ou um simplório, igual o meu. Mesmo num lugar desses que, teoricamente, não tem por que ser algo complexo.
Passo o tempo entre agora e o treino pensando sobre ele. Mais especificamente, sobre o sequestro. Deve ser a mesma pessoa que fez isso.
Quando chego no treino de esgrima o professor fala que vai fazer um sparring e que devo escolher a minha dupla. Olho para o lado e vejo a Demcis fazendo uma dupla com uma amiga que acabou de conhecer e para o outro, onde tem o Temmos, que está sozinho.
Ele vem até mim. Olho para o rosto indiferente dele enquanto para ao meu lado segurando sua espada de madeira. O professor nos leva para uma área aberta no campo e diz para nos afastarmos um do outro e que, para economizar tempo, todos vão lutar ao mesmo tempo com sua dupla.
Parado frente a frente com o Temmos, coloco a espada na lateral do meu corpo e meus pés na posição. Encaro ele com o mesmo estilo de base que eu. Pelo olhar dele, com certeza não vai pegar leve comigo.
Seguro no cabo com mais força e espero o sinal do professor. Enquanto não manda irmos nos atacar, um silêncio predomina o local. Como se todos estivessem se concentrando o máximo possível nessa luta. Já que os treinos são escolhidos pelos alunos e não são obrigatórios, todos que estão aqui são sérios. Bem, tirando casos especiais como a Demcis, mas ela consegue ler o clima e ficar séria no momento certo.
Fecho meus olhos e passo todos os movimentos que o professor ensinou pela minha cabeça. No mesmo espaço preto na consciência, me imagino copiando todos os movimentos de maneira perfeita enquanto analiso ao mesmo tempo como me mexo de uma visão de fora e como me mexo de uma visão de dentro.
Solto o ar pela boca e olho para o Temmos, que está me encarando sem demonstrar nenhuma emoção.
Quando o professor manda atacar, o silêncio é preenchido pelos sons de passos rápidos.
O Temmos vem correndo tranquilamente até mim. Eu também corro até ele.