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— Levanta Morrigan. É a última competição.

Abro meus olhos e dou de cara com o teto. Movo meu pescoço para o lado e vejo a cabeça da Demcis com seus olhos brilhantes fixados em mim. Me sento na cama e percebo que ela acordou todos, pois consigo ver a expressão de sono da maga e ouvir o bocejo de Temmos abaixo de mim.

— O sol mal nasceu, e já está acordada. Não é algo do seu feitio. — Pulo da cama e me estico. 

Atrás de mim, o Temmos boceja de novo. 

— É um dia especial. Não vamos mais ter competições assim. Então, essa é a última competição com nós quatro juntos. E você! — Aponta para a maga. — Você vai participar, nem que eu tenha que te arrastar. 

Olho a boca da Hecatis se contorcer abaixo do capuz e o rosto da Demcis carrancudo enquanto ainda mantém seu dedo em direção a maga. Ando devagar até a janela e, nesse exato momento, o sol aparece no horizonte. A luz bate diretamente no meu rosto e sinto o calor dela na minha pele, que me faz esquecer por um momento que estamos no inverno.

Me viro e me encosto no pequeno balcão do quarto de costas para janela; olho para o cenário na minha frente. Os raios de sol entram e iluminam o quarto. No chão, tem a minha sombra e os riscos do vidro. As duas beliches em ambos os lados e o pequeno espaço entre elas preenchido por três pessoas. Mas não foco nisso. Temmos se levanta da cama e começa a se alongar em silêncio numa parte vazia do quarto e a Demcis irrita a maga, enquanto a outra tenta ignorá-la o máximo possível. Um cenário típico que vejo todo dia, porém, que amanhã acabará. 

Bem, não é como se isso fosse importante. Desencosto do pequeno balcão e me alongo com o Temmos. Hoje é a última competição e é preciso ganhá-la. Vi que o Maksi caiu na minha armadilha e foi obrigado a comprar as armas danificadas dos alunos. Dilliam fez vários movimentos estranhos nesse meio tempo, que, provavelmente, alertou o Maksi, fazendo ele pensar que o Dilliam planejava algo. Ele não estava errado nessa parte última parte.

Quando nós dois terminamos de alongar e levantamos do chão, a Demcis anda até nós, coloca a mão em nossos ombros e sorri. Sem dizer nada, só com um sorriso. Um sorriso estranho, por assim dizer, porém verdadeiro. Eu e o Temmos nos entreolhamos. Coloco a mão no ombro dela, e ele, sem jeito, também coloca. Ficamos nessa posição esquisita por alguns segundos, até que a Demcis balança a cabeça, ainda sorrindo, e nos solta. 

Dou de ombros e abro a porta. Espero todos os três saírem e fecho ela. Vejo o corredor lotado de alunos. Parece que eles também estão ansiosos para essa competição como a Demcis. Ando com meu grupo atrás e retribuo os acenos de cabeça dos alunos com o mesmo gesto.

Assim que saio, em vez de ir direto para o refeitório, paro, olho para o campo de neve e inspiro o ar. A gelidez passa pelas minhas narinas e chega na minha garganta como uma faca, só que depois meu corpo esquenta e sinto o frescor. 

Parado, sinto duas palmas nas minhas costas me empurrar. — Sai da frente, Morrigan. — Pulo e a Demcis passa pela porta com os dois logo atrás. 

Hmm… 

Me agacho no chão, pego um pouco de neve e jogo nela. A menina para; vira o pescoço como no filme Exorcista; e encara minha alma com seus olhos. 

— Você não fez isso.

Olho para o Temmos. Ele fica com as sobrancelhas levantadas, até que se agacha também, faz uma bola de neve e joga nela. A garota encara o Temmos sem entender nada.

Do nada, uma bola começa a flutuar no ar e depois é jogada no rosto da Demcis. Ela pisca várias vezes sem entender nada.

— O que deu em vocês hoje…?

Ela morde a parte de baixo dos lábios.

— É guerra que vocês querem, né? Aham… é isso. Então é guerra que vão ter. — A garota dá um grande pulo para trás e pega neve no chão.

Bolas começam a flutuar de novo. E o Temmos abre espaço da garota. Me agacho e encho ambas minhas mãos com a neve.

A Demcis joga suas bolas como tiros certeiros e rápidos.. A maga, como uma máquina, faz as bolas flutuarem para depois jogar nela. Uma guerra de bolas de neve acontece do nada, e sem nenhum motivo. E termina com a garota enterrada com uma montanha de neve acima do seu corpo.

Ando até ela e estico a mão para levantá-la. A Demcis segura na minha com força e abre um sorriso. Sem chance de me esquivar, ou de fugir, devido ao aperto de mãos, ela usa seu outro braço para me atingir com uma bola de neve. Também sinto uma rasteira e caio no chão. Quando abro meus olhos, vejo ela em pé com um sorriso.

Me levanto com um pulo e ando até o nosso lugar no refeitório. A Demcis me pergunta o porquê fiz isso. Então, respondo: — Não sei. Deu vontade.

O treinador chega e os alunos se reúnem em fila. Dessa vez, está um silêncio ainda maior, como se também a natureza esperasse o discurso do treinador. Kayatos anda entre as filas em silêncio, a olhar para o rosto de cada um. Seus passos não fazem nenhum barulho, mesmo assim, sua presença é tão grande que chega a ser impossível não virar para ele.

Depois de passar por todos, para na frente e sorri. — Estão tão sérios que nem parecem os bebês de três meses atrás. Tecnicamente, ainda são bebês. Mas bebês, que cairão do colo da mãe e não vão chorar, mas sim, engatinhar de volta. Eu espero que meu tempo gasto cuidando de vocês tenha valido a pena. Que meus esforços levem vocês para longe. Só que esse não vai ser meu discurso final, esperem para amanhã. Estou aqui para falar as regras da nossa última competição. Passou bem rápido, não acham?

Ele dá uma pequena pausa antes de continuar.

— Não farei nada complexo. Na verdade, essa vai ser uma competição que vocês estão acostumados. Uma caça a bandeira. Só que com um detalhe. As bandeiras são móveis. Elas vão se mexer. Sabem por quê? Porque dois de vocês serão as bandeiras. Agora se dividam em dois grupos exatos.

De forma síncrona, os alunos se movimentam e dois grupos se formam em um instante.

— Ambos os grupos vão escolher uma pessoa. Essa pessoa vai ser a sua bandeira. E a função do grupo, é defender a sua bandeira do outro. Obviamente, também é caçar a bandeira do outro. — O treinador tira dois panos do bolso. Um vermelho e outro azul. — Vocês têm um minuto para escolher as bandeiras. 

Sem nenhuma surpresa, os dois escolhidos são o Dilliam e o Maksi. Dilliam de azul. Maksi de vermelho. Estou no time azul. 

— Duas pessoas escolhidas. Dois times. Então, já podem começar.

Em um instante, como se todos esperassem por isso, ambos os times pulam para o lado e recuam, se encarando. Os que trouxeram suas armas de madeira ficam na frente. Os dois grupos agem como duas entidades e as “bandeiras” recuam para atrás do grupo.

— Eles estão se dividindo! — Um aluno grita e aponta para onde uma pequena parte dos alunos do time vermelho se separam e vão para a floresta.

Eles darão a volta. Olho para o Dilliam e ele acena com a cabeça para mim, então grito: — Se dividam também, mas não o sigam! Fiquem aqui no campo e esperem eles aparecerem.

Como ordenado, a mesma quantidade se separa do nosso time azul e ficam atentos à floresta. Divido outro grande grupo para proteger o Dilliam.

— Quem tem escudo, venham para frente! — Poucos alunos aparecem, mas é o suficiente. Só dá para ganhar se pegarmos a bandeira vermelha. 

Olho para a dezena de alunos à minha frente com os olhos vidrados em mim e no Dilliam. Mas meu olhar não recai sobre eles, e sim no Maksi, que está no meio do grupo protegido.

— Vamos sair daqui, senão seremos encurralados.

Com a floresta nas nossas costas e esse grupo gigantesco à frente, caso aqueles que se separaram dêem a volta rápido, teremos que enfrentar dois ataques.

— Vamos lentamente! Formem um círculo em volta do Dilliam e rodeiem o inimigo!

Recuo para dentro do círculo e sou esmagado pela massa de corpos. Com poucos passos sou levado pelo grupo. O time vermelho faz uma formação de meia lua e apenas olha nós andarmos em volta deles sem fazer nada.

Não é uma boa ideia mandar o Dilliam sozinho para dentro da floresta, principalmente, quando não sei onde está aquele grupo que se separou. E, as armas deles estão danificadas, pelo que sei, então estamos na vantagem aqui. É a hora de atacar.

— Preparem para a investida — sussuro o suficiente para apenas o círculo ouvir. — Um terço fica aqui, e o outro avança sem medo para o Maksi. Não deixem nenhum deles passarem por vocês. As armas deles não vão nos aguentar, então não se preocupem. No três vocês vão.

Um. 

Dois.

Três.

— YYEAAHHH—-!!!

Fico parado e uma multidão de pessoas correm sem medo para o outro grupo. Vários se esbarram em mim enquanto avançam. Seguro a vontade inconsciente de ir com eles na batalha. Quando todos vão, olho para trás e vejo os que sobraram.

— Vocês, tirando o meu grupo e do Dilliam, dêem a volta e ataquem eles pelas laterais. — Eles fazem um caminho diferente do restante e logo chegam lá. 

Dilliam aparece ao meu lado e fala: — Está tudo bem todos irem atacar e deixar a bandeira só com umas oito pessoas?

— Se tudo der certo, sim.

— E se aqueles que dividiram chegarem?

— É só correr.

A luta acontece. Sem nenhuma elegância ou estratégia complexa. Vários jovens a lutar, com apenas o orgulho e dinheiro em jogo. A maioria das competições em grande escala são assim, o que vai contra alguns dos ensinamentos dos professores de estratégia e liderança, pois, para fazer o que eles ensinam, teríamos que praticar; algo que quase nunca fizemos. É bem rude e rudimentar, porém, é o que posso fazer agora.

Pode-se até fazer uma comparação com xadrez e dizer que todas essas batalhas que fizemos é como se ambos os lados avançassem os peões infinitamente e torcerem para que eles virem rainhas.

Não dá para fazer algo complexo, devido a falta de experiência. Minha e dos outros. Sinceramente, é diferente dos jogos de estratégia que eu jogava. As pessoas não agem como os computadores e é difícil achar um padrão. Pelo menos, ainda não consigo achar um padrão. Bem, comparar a vida real com um jogo não é uma das melhores comparações.

Fico mais um tempo a observar a luta. 

Algo está errado. A maioria das armas já deveriam terem quebrado nesse momento. Por que não quebraram?

Um grupo do time vermelho se divide e vejo o Maksi dentro dele. Sorrindo. Ele descobriu. Alguns daqueles alunos devem ter vazado o plano.

Sigh…

Maksi e seu grupo adentram na floresta e logo saem da minha visão. Se eu não caçá-los, vai ser um problema, só que não tenho pessoal para isso. Não quero ter que arriscar e ir atrás dele com o Dilliam, ainda mais, com aquele outro grupo escondido.

Se mandar o time azul recuar, provavelmente, vamos perder momentos depois por causa do ímpeto perdido. O plano estava apoiado que as armas deles iriam quebrar, então avancei todos os membros por isso. Como não funcionou, perdi a base para a vitória. Tecnicamente, já perdemos. Ainda em menos de alguns minutos desde o início. A única coisa que posso fazer agora é um último suspiro.

Encho os pulmões, coloco a mão na boca e sopro com todo meu ar.

Fííííííí—!!

Um assobio estridente reverbera pelo campo e a batalha pausa por um segundo para me olhar.

Sigh…

— Recuar!

Pelo olhar deles, consigo perceber que estão confusos, mas me obedecem. O time vermelho continua a pressionar eles, porém, param após um tempo.

— Maksi fugiu enquanto lutavam. Essa batalha de agora não tem mais sentido. Se separem. Metade vem comigo e a outra metade age independente para achar ele. Vão!

Achar uma pessoa numa floresta desse tamanho não é fácil. Porém, acho que o Maksi aparecerá para gente por iniciativa própria de algum jeito. Ele está nos atraindo para a floresta por algum motivo e, infelizmente, vou ter que morder a isca dele, porque não há uma saída mais fácil para isso.

O time vermelho também corre para a floresta e se espalha. Olho para a outra metade do meu time e grito: — Vamos!

Corremos para a floresta enquanto mantemos a nossa bandeira (Dilliam) protegida. Mando a Demcis nos guiar, só que ela diz que não dá para rastrear as pegadas e pistas dele devido a quantidade de pessoas que andaram por essa floresta nos últimos meses.

Continuamos a tentar, nos espalhamos, procuramos rastros, porém sem sinal dele, até que um aluno grita e me chama. Quando ando devagar até ele, sinto um sentimento estranho. Algo como uma pressão no ar. Na verdade, mais como vários olhos em mim esperando o momento certo.

Tiro a minha espada e faço a postura de luta. Ao perceber meu comportamento estranho, o restante do time também faz o mesmo.

Logo em seguida, ouço vários gritos e passos ao longe, vindo de todos os lados. Em um instante, vejo vários alunos correrem até nós. Fomos cercados. Um círculo inteiro de inimigos, todos ao comando do Maksi.

Parece que conseguiram reagrupar o time inteiro nesse pequeno espaço de tempo. Não posso dizer que estou surpreso, mas é impressionante para ele. Ele parece ter uma personalidade e aura 1 de quem não usa a cabeça. Talvez eu tenha subestimado ele, mesmo após todo esse tempo. 

Guardo minhas duas espadas em rendição e olho para o Dilliam. — Desculpa. — Ele apenas forma um sorriso.

Do nada, sinto um toque no meu ombro, então percebo que é a Demcis com um sorriso bem estranho para a situação. Logo atrás dela, vejo a Hecatis.

— O treinador permitiu usar magia. He-he-he!

Hmm…

Vejo o Maksi sorrir na multidão e dou de ombros para ele. Seu sorriso aumenta mais. Provavelmente, ele teve um mal entendido por causa desse gesto.

Bem… acho que não preciso fazer mais nada.

Sento no chão e olho para a maga. — São todos seus. 

Sinto o ar ficar mais leve, então, a neve começa a flutuar. E flutuar mais. Todos param sem reação, até que uma grande massa se junta e forma uma gigantesca bola de neve, com uma altura de dois homens adultos ou mais.

Tiro meus olhos da bola, que fica cada vez maior. O Maksi está parado em choque, sem reação. Como uma estátua petrificada. Suor escorre dele, porém, apenas fica parado.

Temmos chega ao meu lado. Ele e a Demcis se sentam para observar a magia da Hecatis. O estupor dos alunos acaba e eles correm. Inclusive o Maksi.

A maga move o braço para trás e joga essa gigantesca bola no Maksi, que é enterrado por vários metros abaixo da neve. 

A Demcis começa a bater palmas e os outros alunos também. Do time azul e vermelho. Tudo por essa demonstração de poder. Se em vez de neve, fosse pedra ou algum metal, uma bola desse tamanho mataria alguém.

Além do mais, ela reverteu uma situação de desvantagem com uma única ação. Ver essa magia de perto é mais importante do que uma simples competição igual a essa. 

Me levanto do chão e ando até a maga, mas antes que eu possa falar alguma coisa, a Demcis passa na minha frente.

— Isso foi foda! Me ensina vai, nem deve ser tão difícil assim. Ensina aí. — A garota começa a rir e coloca o braço em volta do ombro e pescoço da maga, ficando ao lado dela. — Brincadeira. E ganhamos! He-he. Tudo por causa de você. 

Ela abraça mais a maga.

Cruzo meus dedos e estico meu corpo. Essa parte do plano pode ter fracassado. Mas o principal não era ganhar a competição.

  1. Nota do Autor: Não é Aura de mana.
Olá, eu sou o Ender!

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