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Dito e feito, a festa realmente durou até o amanhecer. Estou sentado de pernas cruzadas ao lado do que restou da fogueira. Demcis está deitada na neve em sono profundo. O Temmos e a Hecatis foram dormir na metade da festa. Só não fui com eles, porque o Dilliam e a Demcis, ambos bêbados, não me deixaram ir.

Com dor de cabeça, porque não consegui descansar, me levanto. Ao olhar pelo campo, vejo vários alunos dormirem na neve igual a garota. Tiro a sujeira da minha roupa e vou até o refeitório, lá, pego um pão partido ao meio em cima das mesas e encho um copo com água. Ando de volta para o campo e como ao lado da garota.

Mastigo devagar esse pão duro e com gosto de terra enquanto bebo goles de água para amolece-lo. 

Olho para frente sem pensar em nada enquanto aproveito o silêncio, que é um grande contraste pelo o que aconteceu hoje de madrugada. 

Cuspo um pedaço de pedra que tinha dentro do pão e dou uma última mordida nele com o último gole de água. Assim que termino, deixo o copo ao meu lado, igual aos outros copos sujos de vinho.

Me impressiona o CT ter tanto dinheiro para comida e bebida. Bem, deve ser porque são patrocinados pelos nobres. Pensando assim, o pagamento de duas moedas de prata para entrar deve ser um valor simbólico.

Me afasto um pouco da garota e começo a me alongar na neve. Estico meu pé e agarro meu calcanhar com a palma. Fico nessa posição por uns segundos e troco o lado. Repito isso e outros exercícios até alongar meu corpo por completo.

Enquanto ninguém acorda, ando pelo campo e arrasto a neve com meus pés. Passo entre os corpos daqueles que dormiram aqui. 

Continuo andando, até que aos poucos o sol fica mais forte e o pessoal começa a acordar. Na verdade, apenas aqueles sóbrios o suficiente para terem ido dormir na cama ontem à noite acordaram; os que dormiram no chão, não.

Aqueles que saíram da cabana, todos, sem exceção, parecem não terem dormido bem. 

Eu continuo a andar.

Último dia…

Hoje volto para a cidade e para o bar. O Kynigos, a Friggia e a Metys devem estar me esperando lá. Paro de andar e olho a neve. Ainda parece um pouco distante, não sei o porquê. Me agacho e faço desenhos aleatórios com o dedo. Passo minutos assim, até que meu dedo ultrapassa a neve e chega na terra. 

Uma mão toca meu ombro. — Está fazendo o quê? — A voz sonolenta da Demcis atinge meus ouvidos. 

— Não sei.

Ela boceja alto e fica parada em pé. Me viro para ela e percebo que a garota dormiu em pé. Isso é uma habilidade a se impressionar. Levanto e acordo ela. 

— Não vá dormir agora. Mais tarde precisaremos caminhar de volta à cidade. Quando chegarmos, você dorme.

Ela boceja alto de novo e concorda comigo. Arrasto-a de volta à cabana e mando lavar o rosto com água fria. Ela desperta um pouco.

— Acho que nunca passei a madrugada acordada assim.

— Consigo perceber.

Ando com ela até o quarto e abro a porta. Lá dentro vejo a Hecatis ler um livro, como de costume, e o Temmos se alongar, o que também não é uma surpresa. 

— Peguem suas bolsas, daqui a pouco o treinador aparece e começa a se preparar para ir.

Vou até a minha beliche e tiro a minha mochila debaixo dela. O Temmos também faz o mesmo e fica ao meu lado. Com nós dois em silêncio, verifico se está tudo aqui dentro. Avanço meu braço mais para dentro e tiro duas outras bolsas cheias de lá; as moedas do CT que consegui. Passo a mão embaixo do meu colchão e tiro outra bolsa cheia. As três bolsas cheias de moedas ficam lado a lado.

— Toma aqui outra. — A Demcis joga outra bolsa que escondi no colchão dela. Agora, as quatro ficam lado a lado.

Tudo aqui.

Com isso, já garanti um requisito. Fiz os cálculos e tenho um pouco mais que a metade das moedas em circulação. 

Deixamos as malas na porta e saímos do quarto. Ao voltar para o campo, os alunos já estão acordados e conversam entre si. É um clima bem mais calmo e relaxado que as outras manhãs. Até o frio está mais ameno.

Sentamos no chão em um lugar aleatório e ficamos em silêncio, olhando um para os outros. Não há muita mais coisas para serem ditas, nem mesmo a Demcis tomou a frente para iniciar uma conversa.

O tempo passa, então o treinador sai da cabana, junto com todos os professores. Ele para em um lugar afastado e os professores ficam em fila ao seu lado, com ele na frente. Os alunos se reúnem e meu grupo se levanta para ir lá. Várias filas se formam e o treinador diz que podemos nos sentar.

Ele dá um passo à frente e o vejo de baixo enquanto mantenho minhas pernas cruzadas. — Como todos sabem, esse é o último dia desses longos três meses que passamos juntos. Todos aqui presentes melhoraram, fisicamente e mentalmente. Tivemos pessoas que se destacaram em algo, como também aqueles que escolheram algum tipo de especialização para seguir. E, mesmo com tudo isso que fizemos, vocês têm espaço para crescer. Lembrem-se disso.

Ele tira a sua espada da cintura e a finca no chão.

— Antes de eu continuar, vou dizer a vocês o resultado daqueles que mais se destacaram aqui dentro. — Um dos professores entrega um papel ao treinador e ele lê em silêncio.

Sinto um toque no meu ombro e quando olho para trás, vejo a Demcis.

— Está feliz? Porque agora, você, com certeza, vai ser o primeiro devido ao esforço que fez.

Volto a olhar para frente e digo: — Não tem porquê eu ficar feliz, já que apenas fiz o que o Kynigos mandou eu fazer.

 — Então, vou falar agora os cinco primeiros. Começando com… — Ele diz o nome do quinto e quarto lugar. — Agora é a parte que todos aqui querem ouvir, os três primeiros. Não é surpresa para ninguém quem será esse trio, mas a classificação dele é bem… interessante. Eles são os que mais se destacaram em força, popularidade, liderança, competições ganhas, quantidade de moedas e potencial. A cada semana, esses três primeiros lugares variaram muito, então esse resultado final é muito apertado. Claro, todos os três aqui mereciam estar em primeiro, porém, não é assim que o mundo funciona. 

Um silêncio plana. Olho ao redor e percebo uma coisa. O Maksi e o Dilliam não estão nervosos, inclusive eu. Já fiz tudo que podia, a partir desse momento, não posso mudar o resultado. 

— O terceiro lugar vai para… 

O treinador faz uma pausa dramática e um sorriso.

— Maksi.

— Merda! — Ouço o grito de raiva dele, mas continuo a olhar para frente.

Já garanti os dois primeiros lugares.

— Então, vou anunciar o segundo lugar. E, sinceramente, ambos os concorrentes ao primeiro lugar são impressionantes. Um fez suas coisas discretamente, outro conseguiu subir hierarquicamente de uma maneira tremenda. Mas, bem, sem mais delongas, o segundo lugar é…

Mais uma pausa dramática.

— Morrigan!

Hum.

Ao longe, os amigos do Dilliam parabenizam ele.

O que me faltou?

A Demcis toca no meu ombro e, quando me viro para trás, seus olhos parecem terem um pouco de pena de mim.

Sigh…

Depois dele acabar de discursar, perguntarei ao treinador sobre. 

A Demcis continua a bater em meus ombros e fala algumas palavras, mas ignoro ela.

Após um tempo em silêncio, o treinador volta a falar. — Bem, esse é o resultado final. Os cinco primeiros apareçam depois na Guilda Mercenária para pegar suas recompensas. Daqui a pouco liberarei vocês todos para pegarem suas malas e depois faremos nossa última refeição juntos aqui. Mas, antes disso, irei falar um pouco, então não ousem fazer nenhum barulho.

Ele desencosta seus braços da espada fincada e anda em volta de nós. O treinador anda em silêncio. Depois de dar uma volta inteira, entra no meio dos alunos e para no centro.

— Passamos apenas três meses juntos, porém, foi o suficiente para construir mercenários iguais a vocês. E preciso dizer uma coisa. Metade de vocês morrerão. Aproveitem esse último momento de paz, dêem uma última olhada nos seus colegas. Porque você vai perder eles. Você vai morrer; eles vão morrer… 

Ele olha para cima enquanto os alunos trocam olhares entre si, incluindo eu. 

— Então, uma das minhas últimas ordens para vocês aqui é: Vão se fuder bando de fracotes. Desperdicei três meses da minha vida para treinar pessoas fracas. Sério que vocês realmente deram uma última olhada nos seus colegas?! — O treinador anda com raiva até sua espada e a tira do chão. — Metade vão morrer?! Todos aqui vão se continuarem fracos assim! Acham que só porque sabem lutar que sobreviverão? Acham que essa mísera força que construíram é o suficiente? Não me arrependo de destruir suas expectativas. Vocês morrem apenas com um espirro meu.

Ele pega a espada e corta sua mão, o sangue pinga frenético dela. Depois disso, ele balança sua mão cortada em direção aos alunos em uma velocidade absurda. Momentos depois, ouço um pequeno grito e vejo que o sangue cortou a pele daqueles que foram atingidos.

— Viram essa merda?! Gritaram devido a um corte! A Deusa tem pena de vocês. Na verdade, nem pena ela deve sentir. Suas almas serão queimadas e esquecidas. Vocês não são mercenários, são a merda de fazedores de estrume. Assim que vocês saírem desse CT, quero que todos desistam! Não quero esse resto na mesma guilda que eu. — Com um cuspe no chão, ele volta a andar entre nós, arrastando seu pé no chão, o que acaba por jogar areia e pedras no rosto dos alunos, porém, ninguém faz um barulho.

Ele anda e para ao meu lado. Viro minha cabeça para olhar e ele se agacha e me encara. Meu olhar se crava ao dele, nossos olhos ficam parados no tempo sem nenhum ousando recuar. Até quando ele dá um sorriso com certo significado e volta andar.

— Já falei que todos vocês são a bosta da mosca que come bosta?! Se sim, então se levantem agora!

Sem hesitação, como se nossos membros tivessem vontade própria, ficamos em posição.

Ele para em frente a onde tinha cravado a espada. 

— Aceitem que você e todos que conhecem vão começar a morrer no momento em que pisarem fora daqui. Essa é a solução mais fácil. Suas vidas não tem significado, não tem um propósito, são apenas merda. Se um de vocês morrer, não afetará a vida de ninguém. E lembrem-se disso. Vocês não são especiais, não são heróis, então nem tentem ser isso. É o caminho mais rápido para morte e seu fracasso. Agora saiam da minha frente! 

O treinador sai e, aos poucos, desmanchamos a fila. Em um incrível silêncio e torpor, um clima estranho toma conta de todos presentes. 

Bem, não é como se o que o treinador disse fosse novidade. Sou o primeiro a sair e ando até o refeitório pegar meu meu prato..

Com a comida pronta e com um cheiro forte, em uma fila incrivelmente reta, pegamos a comida em silêncio e comemos em silêncio. No refeitório inteiro, só se consegue ouvir o ruído das bocas e dos talheres. Nem um único som de conversa chega em mim.

Terminamos a refeição e o clima normal e a conversa voltam. Eu e meu grupo caminhamos para o quarto. Lá, paramos na porta por alguns segundos. Nem a Demcis ousou dizer nada nesse momento. Então, pego minha bolsa e eles saem do quarto. Assim que vou fechar a porta, dou uma última olhada para o quarto que descansei nesses últimos meses. 

Thum!

Fecho ela e caminho para o campo com o grupo. Esperamos todos se juntarem e, quando os alunos se reúnem, deixamos a cabana para trás em rumo a cidade.

— Finalmente acabou esse inferno! — fala a Demcis com uma felicidade que quase nunca vi nela.

Olá, eu sou o Ender!

Olá, eu sou o Ender!

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