O asfalto vibrou sob meus pés, um tremor violento que ressoava com cada oscilação relacionada à intensidade de Cicatrizes.
— Vamos lá, vamos lá. — disse, com os dentes cerrados.
Minhas pernas gritavam em protesto. Eles estavam à beira de um motim, ameaçando ceder sob a tensão.
— Não posso… — Ofeguei, as palavras eram um apelo áspero para mim mesmo. — Me dêem forças… por favor.
O apelo era para qualquer coisa, qualquer divindade que estivesse escutando. Infelizmente, a fraqueza, como uma serpente gélida enroscada em meus membros, tinha planos distintos. Meus músculos pulsavam com uma dor surda que antecipava um fracasso próximo. Minha visão turvou-se começou a se desfocar nas extremidades.
Com um estalo, minha confiança se esfacelou – minhas pernas, sobrecarregadas e exaustas, cederam. Desabei de joelhos, e um suspiro me escapou dos lábios quando a aspereza do concreto arranhou minha pele.
Uma única palavra, carregada de frustração e uma pitada de medo, escapou de meus lábios:
— Merda…
Eu sabia que isso era o precipício da estupidez.
A criatura em minha alma, uma personificação grotesca de ambição voraz, refletia a vulnerabilidade que eu tão desesperadamente procurava suprimir. Doeu muito perceber que essa usurpação era o resultado de minha própria fragilidade. Mas a ironia do problema estava na combinação da presença maligna dessa criatura com a insignificância de minha vida.
Tive um vislumbre dessa coisa que se apoderava de minhas fraquezas e se consolidava horrivelmente nas sombras de meu próprio caminho. Seus tentáculos sinistros se apropriaram de meus desejos mais profundos, transformando-os em marionetes para um péssimo espetáculo.
Em toda a escuridão e trivialidade de minha existência, sou como um fio teimoso. Desafiei abertamente essa criatura gananciosa a cada respiração, jurando silenciosamente que sua presença malévola não enfraqueceria minha determinação.
— Foda-se. Eu consigo.
Mesmo assim, em meio à escuridão sufocante e à insignificância que eu tanto odiava, uma brasa teimosa tremeluzia dentro de mim. A cada respiração irregular, eu continuava a desafiá-lo, jurando silenciosamente que sua presença não apagaria a centelha de desafio que ardia dentro de mim.
Meu corpo, sintonizado com uma linguagem de poder, reagiu com urgência instantânea. Era adrenalina.
Uma onda de adrenalina percorreu minhas veias, uma maré incandescente que rugiu por todo o meu sistema. Ao contrário das explosões habituais e direcionadas, esta onda foi uma imersão de corpo inteiro, um batismo pelo potencial bruto.
Num piscar de olhos, uma metamorfose se desenrolou dentro de mim. Alimentado pela adrenalina gritante, meu corpo passou por uma rápida adaptação. Uma energia primordial, feroz como um leão faminto, percorria cada fibra muscular, acendendo-os com uma consciência feroz.
Meu coração bateu uma nova batida – um solo de bateria frenético ecoando em meu peito. Cada célula, como se respondesse a um comando silencioso, vibrava de vida, preparada para o desafio desconhecido que o aguardava.
Apesar de tudo, eu estava ciente de que esse sucesso ainda estava muito longe do escopo total da habilidade inata de Mikael ou de qualquer outro, porém levantei e corri obstinadamente, carregando Lewis nas costas.
Seu corpo continuava quente, mas pesado. O líquido vermelho escorria pelas minhas costas incessantemente, trazendo consigo uma sensação agonizante.
Caminhei rapidamente até o local onde havíamos estacionado o carro, onde a entrada estava completamente escura devido à iluminação fraca que antes era brilhante.
Avistei Raven segurando Mandy em seus braços em meio à escuridão, ambas envoltas em um fino véu de escuridão que parecia insuficiente para iluminar a tragédia que estava acontecendo.
Ela delicadamente a posicionou no banco traseiro do veículo, protegendo-a do perigo ao nosso redor.
— Eeei!
Virou-se quando me ouviu gritar ao longe, onde eu me aproximava dela.
— Arf, arf, arf… — Ofegante, concedi-me uma breve pausa para recuperar o fôlego. — O-opa…
Vi um buraco no tecido do seu uniforme, deixando à mostra a região do seu abdômen.
— O que aconteceu? — perguntei, apontando para o rasgo.
A cabeça de Raven se levantou, com uma expressão de surpresa cruzando suas feições antes que uma máscara de indiferença fosse colocada no lugar. O silêncio se prolongou, espesso e incômodo.
— Uh, só… um pouco de ácido.
A explicação era fraca, um curativo frágil sobre uma ferida aberta de suspeita. Estreitei os olhos, pressionando por mais.
— Ácido? Isso pareceu perigoso. Impressionante você ainda estar de boa.
— Um Mephisto tinha esse péssimo hábito de cuspir ácido. Me pegou desprevenida.
— Tá, tá. Que bom que nada demais aconteceu. Será que você poderia dar uma ajudinha?
Virando de lado, Raven viu o rosto de Lewis. Seu coração bateu descompassadamente à medida que avaliava a situação problemática dele.
— Ah…
Ela lutava ferozmente para impedir que a tragédia acontecesse à sua frente, tensionando os músculos como cabos de aço na tentativa de deter o iminente impulso sombrio.
— Eu realmente não sei o que aconteceu, só encontrei ele largado por aí. Não fui capaz de fazer muita coisa, mas lembrei que você tem um jeito pra isso, né? Pelo menos foi o que Lewis me disse uma vez que brigamos.
— Deita ele no capô.
— Tá… tá bom.
Seguindo o que foi mandado, aproximei-me do capô para colocá-lo em cima.
Raven se juntou a ele, efetuando uma avaliação meticulosa da pressão arterial no antebraço.
— Ainda há pressão sanguínea nas artérias, o que significa que seu coração ainda está intacto. — informou. — Além disso, ele está quente.
Não entendi nada, mas a resposta tranquilizou-me muito mais.
— Isso pode ser um sinal de que as chamas estão lutando para mantê-lo vivo. — acrescentou. — Talvez a energia positiva ajude.
Dito isso, ela levou a palma da mão para a testa dele, anunciando a técnica:
⌊ Refazimento Curativo ⌉
A técnica foi adquirida durante a experiência prévia de Raven como Médica de Campo, posição na qual ela se empenhou em cuidar de pessoas com ferimentos físicos e problemas de saúde decorrentes de confrontos com os Mephistos.
O vasto entendimento de Raven em ciências médicas, combinado com sua habilidade natural de manipular energia positiva, tornou-a uma integrante valiosa na U.E.C.
O Refazimento Curativo era um procedimento que se baseava na habilidade de manipular energia positiva para reverter danos significativos e revitalizar o corpo humano. Diante de um corpo severamente afetado por envenenamento, doença, lesão, fratura ou fraqueza, Raven focava sua atenção e direcionava com precisão essa energia positiva.
Esse processo desencadeava uma reação metabólica nas células, acelerando a reparação dos tecidos e estimulando a regeneração celular nas áreas afetadas.
— Alguma notícia sobre Mikael? — perguntou ela enquanto agia sobre Lewis.
— Ah… — Hesitei por um momento, a minha expressão mostrava um misto de preocupação e incerteza. — Nenhuma, foi mal.
— O que você estava fazendo?
— Decidi fazer o meu trabalho sozinho. Acabei por descobrir que a maioria das pessoas agiam de forma muito estranha e diziam sempre a mesma coisa. Mas, nesse meio tempo, conheci uma criança que, por acaso, era a única pessoa normal.
— Você estava agindo sozinho? — Sua expressão se tornou rígida e seus olhos se fixaram nos meus. — Sério isso?
Seu rosto não mostrava nenhum sinal de empatia para comigo.
— Mikael está fora de alcance no momento e, sinceramente, a última coisa de que precisamos é de distrações inúteis. — retrucou com palavras ásperas. — Você deveria se concentrar em seu trabalho em vez de se perder em futilidades. Pessoas como você só atrapalham.
Fiquei sem palavras, com a verdade da situação me pressionando como um peso, e meu medo aumentou ao saber que alguém tão cruel como Raven me considerava idiota por buscar respostas por conta própria. Suas declarações duras fizeram com que eu me sentisse desprezível e sozinho em um campo de batalha em que meus esforços eram vistos como prejudiciais e desnecessários.
— De qualquer forma, agradecer por trazer o Lewis até aqui. Eu não sei se seria capaz de encontrá-lo.
As palavras que saíram dela eram como um suspiro de alívio, uma expressão de gratidão surgindo em meio ao amentrondamento de emoções causado.
— D-de nada…
A sensação de pavor ainda persistia, mas o alívio de ter cumprido pelo menos parte da missão estava presente.
— Outra coisa. Você sabe porque o Mikael quer você dentro da agência? — Seus olhos, antes gélidos e condenatórios, carregavam uma intensidade inquisitiva.
— Uh… Lembro dele ter dito que eu era como um inimigo natural pra esses bichos. — A resposta escapou de meus lábios com uma certa relutância. — Mais ou menos isso.
— Certo.
A monotonia de seu acordo contrastava com a dificuldade subjacente das motivações por trás das ações de Mikael.
“Foi a mesma coisa que ele me disse.”, ponderou ela. “Talvez ele não esteja mentindo.”
Raven se manteve inexpressiva com sua incerteza envolta em um silêncio pesado.
— Ele sempre foi assim. — advertiu ela.
— Hm? — Franzi o cenho, confuso. — Como?
Raven suspirou. Seus olhos focavam em um ponto aleatório, refletindo a complexidade de suas palavras.
— Imprudente. Mikael é imprudente. Vive à beira do precipício, levando tudo na esportiva. Além disso, é egoísta. Acredita que é poderoso o suficiente para lidar com qualquer situação, sem perceber que está colocando todos ao seu redor em risco. Se vê como dono de seu próprio destino, e mesmo que eu tente avisá-lo, ele simplesmente não me ouve.
— Caramba, por quê?
Raven suspirou, com uma mistura de frustração e preocupação no seu olhar.
— Porque ele está convencido de que pode domar qualquer tempestade que apareça em seu caminho. Mikael não enxerga suas próprias vulnerabilidades, acha que a vida é um jogo que ele sempre vencerá. Mas a verdade é que, em um momento ou outro, todos nós enfrentamos desafios que não podem ser subestimados. Só espero que ele perceba isso antes que seja tarde demais.
Quando o conheci pela primeira vez, vi nele um reflexo do fervor justificado. Era difícil não ser cativado por sua eloquência, pela convicção com que ele falava sobre a luta contra os Mephistos.
— Houve uma época em que Mikael era diferente, mas não necessariamente melhor. Ele não se importava com quem era, só estava interessado em contribuir para a extinção dos Mephistos.
— Que ele é meio maluco, eu sei. Agora isso nunca imaginei que Kael fosse ser.
Raven franziu a testa, evocando lembranças do passado.
— Ele entrou na agência uma semana depois de mim. Naquela época, Mikael era indiferente às consequências. Para ele, qualquer sacrifício valia a pena para atingir seus objetivos. Mas algo mudou. Não sei se foi a exposição constante à ameaça de Mephistos ou simplesmente o tempo, mas ele começou a questionar suas próprias ações.
— Julgando pelo jeito dele hoje em dia, então, ele mudou para melhor?
Raven soltou uma risada amarga.
— Não exatamente. Mikael ainda é impulsivo e acha que pode enfrentar o mundo sozinho. Mas agora, pelo menos, ele avalia as implicações de suas escolhas. Mesmo assim, não podemos ignorar o fato de que ele tem um histórico de decisões questionáveis.
Eu, assim como muitos na agência, percebia Mikael como um agente incansável. Ele era perspicaz, competente em prever as ações do inimigo, e sua habilidade estratégica era indiscutível. Não se via indícios do homem que se tornaria insensível ao sofrimento alheio. No entanto, segundo o relato de Raven, as coisas estavam começando a mudar.
— De qualquer forma, mesmo com as escolhas duvidosas que fez, Mikael entende o que está envolvido.
Seus olhos voltaram para mim com um ar intrigante. Nas profundezas daquele olhar, detectei uma sombra de curiosidade misturada com uma pitada de certeza sobre algo.
Era como se Raven, embora reconhecesse as decisões ruins de Mikael, visse algum propósito subjacente, uma linha de raciocínio que escapava da superfície tumultuada das suas ações.
— Ele, com certeza, está reservando alguma coisa para você, Krynt.
Senti uma centelha de surpresa quando ouvi essas palavras. Meu interesse foi despertado quando percebi que Mikael estava guardando algo único para mim.
Minha mente começou a se encher de perguntas e comecei a me preocupar com os segredos que ele poderia estar guardando. Por que eu não sabia o que ele sabia? O que Mikael tinha planejado? Por que esse cara decidiu confidenciar essas informações a mim?
Uma pitada de expectativa surgiu ao mesmo tempo em que a incerteza começou a se infiltrar no meu interior.
— Apesar de todos os seus problemas, não podemos negar: Mikael é forte. Ele pode ter se perdido, mas não se engane, Krynt. Quando a situação fica realmente perigosa, ele é o único em quem podemos confiar.
A voz de Raven incluía um tom de resignação e admiração. Os comentários retumbantes destacaram o engano de Mikael como alguém cujo julgamento pode ter sido duvidoso, mas cuja bravura e aptidão continuaram a ser as pedras angulares da U.E.C.
Todos exalavam confiança fundamentada na experiência e na necessidade de ter um funcionário que, apesar de suas próprias dificuldades, era inestimável quando as coisas realmente contavam.
De repente, um som parecido com o de uma explosão ecoou ao sul de onde estávamos. Considerando que era ali que Mikael, Klaus e provavelmente Benjamin estivessem, uma pontada de urgência pulsou em meu peito.
— Hmm…
Embora eu quisesse ir para lá imediatamente e ajudá-lo, de acordo com o que Raven havia dito, uma coisa estava clara: ele voltaria.