No esconderijo destruído da gangue rochosa, os reptilianos observavam seu chefe diante aquela reunião. Todos prestavam atenção no que Kumo diria a todos, já que parecia abalado com sua queda pública.
Ele estava enfaixado na cabeça, braços e casco. Seus óculos escuros ainda permaneciam em seu rosto, diferente das manoplas. Uma delas foi quebrada na derrota, então retirou ambas. Ele observou a todos e sua voz ecoa completamente:
— Eu fui derrotado. Perdemos recursos e eu perdi minhas preciosas manoplas. Foi justo, afinal foi um duelo, mas isso não esconde o fato de ter sido uma derrota. Eu fui fraco e como o moleque disse, sem convicção. Gostaria de ouvir o que vocês têm a dizer.
— Isso não tem nada a ver, chefe! Derrotas vem e vão! Podemos nos vingar deles!
— É isso aí! E você surrou um deles, chefe. Foi super maneiro!
— Eu concordo… — Um dos reptilianos se aproximou. Era um crocodilo com duas espadas — Você foi fraco. Nos prometeu a conquista do lixão, mas não fez nada além de enfrentar fracotes. Eu acho que isso é um sinal para mudarmos! Deveríamos ter outro líder. Eu mesmo tenho planos para tomar terras da gangue cachoeira. E você? — Virou-se aos demais que estavam assustados — Estou errado?
— Alguém mais concorda com ele? — Kumo detinha um olhar aborrecido.
Alguns se levantam e se juntam, formando um grupo com oito pessoas. Os demais cochichavam entre si, até que Kumo se aproximou do rebelde. Inesperadamente agarrou pelo pescoço e afundou contra o chão, começando a derrubar todos com sua magia velozmente. Os reptilianos ficavam assustados, então a tartaruga cerrou os punhos declarou:
— Eu perdi, é verdade! Por isso nos vingaremos do ruivo na próxima vez que o vermos! Se mais alguém achar que não dou conta, então avise que botarei abaixo do solo com eles. Tahahaha! Isso foi bom para me acordar. Eu mudei. Preparem-se, colocarei o plano em prática para derrubar a gangue cachoeira!
— É isso ai, chefe!
— Espera, qual o plano?
— O plano? — Kumo cruzou estendeu os braços — Vamos bater tanto neles até desistirem! Dominaremos o lixão!
O pequeno discurso fez eles gritarem de alegria. Pegaram suas armas e equipamentos, juntando-se em grupos para enfrentar uma gangue rival. Kumo tinha decidido usar mais seu espírito, pois precisaria para derrubar o ruivo em um futuro duelo.
Por outro lado, a família de Rek chegava no Vale dos Esquecidos. Percebiam a alteração geológica que era, com um céu limitado por estar abaixo do lixão. As casas estranhas, mas ainda assim as pessoas pareciam tranquilas.
— Esse lugar vai ser a última coisa que veremos? — Miek estava desanimada.
— Não fale assim. O Toru-kun disse que esse lugar é seguro e acolhedor, não temos muitos lugares para ficar, né? — Anek encarou sua cunhada e apontou alguns cantos.
Algumas crianças brincavam com uma bola, enquanto mais a frente dois ferreiros discutiam. Algumas garotas voltavam do bosque com ervas e os idosos continuavam sentados fofocando. Um menino acabou chutando a bola na direção de Rek, mas foi defendida facilmente.
O garoto se aproximou lentamente, encarando-o. Miek suspirou, já imaginando o escândalo. Entregou a bola ao garoto, então o menino pegou e abriu um grande sorriso:
— Valeu aí, tio! Foi mal pelo chute, eu exagerei.
— Sem problemas. Escute, garoto, você conhece uma senhora chamada Meka? Estamos procurando ela.
— A dona Meka? Ela mora na padaria. Fica por ali! — Apontou no rumo direto.
— Viu? Eles não são tão ruins, Miek. — Rek e os demais partiram no rumo. Girek notou algo e então deu alguns passos mais a frente.
— O pessoal daqui não se importa tanto com a gente. Não parece ter gangues ou magos procurados por aqui. Eu gostei!
O grupo então parou frente a padaria. No mesmo momento, a mãe adotiva dos irmãos se aproximou. Usava um avental e roupas firmes, manchada de geleia de cereja e farinha. Seus cabelos estavam amarrados e tinha uma colher de pau na mão:
— Posso ajudar?
— A senhora é a dona da padaria? A senhora Meka? — Anek deu alguns passos próximos.
— Sou sim, querem comprar algo? Ou a Berula fez alguma coisa? Se foi o caso, peço mil desculpas!!
— N-Não, senhora! Não é isso!
— Conhecemos o Toru e o Nero. Eles nos ajudaram! — Miek perdia a timidez e levantava a mão.
— Os meninos? Que bom! E-Eles estão bem? Não vieram falar que morreram, né? — Ela já começava a lacrimejar.
— NÃO FOI ISSO, SENHORA! — Todos acenavam negativamente.
— É uma longa história, mas estamos procurando um lugar para morar. Queríamos ajuda, pois não conhecemos o vale. Um bom terreno e uma boa casa.
— Uma longa história? Bom, se eles estão bem e precisam de ajuda, vamos entrando. Quero ouvir tudo! Vou fazer um café e podem comer bolo. — Meka abriu caminho para todos entrarem — Mas afinal, por quê morar no vale? Uma vila fora não é melhor?
— Bom, somos reptilianos, senhora. Fica difícil — respondeu Anek seguindo-a.
— Não entendo a relação. Sentem-se! — Ela puxa cadeiras para todos e começa a preparar o café ali próximo — Como os meninos estão?
— Muito bem! São garotos bem energéticos. Eles foram para a capital, então nesse ponto já devem estar em Neohazad. Conseguimos chegar antes do frio!
— Disseram que eles te ajudaram, né? Eu gostaria de ouvir a história, se não for incômodo.
— Incomodar a senhora? Jamais! — Anek se afeiçoava a mulher, então deu espaço para seu marido contar com detalhes tudo.
Rek começou a explicar sobre o momento em que os encontrou. Toda a conversa levaria o resto do dia e uma amizade começava a se formar. Futuramente a família se estabeleceria, criando um pequeno negócio ali. Durante a reunião deles, Berula se juntou para ouvir sobre o duelo de Toru contra os reptilianos.
Em um lugar distante do vale, abismo ou o lixão, algo acontecia. Distanciados de qualquer reino ou vila, pequenas ilhotas se formam. No centro delas há um amontoado de terra que abriga uma enorme torre. A estrutura alcançava seus 99 andares, contendo um total de nove janelas visíveis, com diferença de dez andares entre si.
Chamada de Purgatório Negro por todos que sabem de sua fama. Uma prisão linear com salas até mesmo dentro do solo da ilha. Constantemente os quartos mudam de lugar, não mantendo uma sequência fixa.
Em alguns corredores, do andar de número vinte oito, inúmeros prisioneiros se encontravam caídos. Todos usavam marcas runicas cravadas em seus corpos por ferro quente, inibindo totalmente a magia de quem as têm.
Entre os prisioneiros derrubados, havia apenas três em pé. Ofegantes, eram os presos 208, 77 e 839. Respectivamente eram: Yira, Bubble e Taiju. Mesmo sem magia, o trio enfrentava prisioneiros e os derrubavam com facilidade.
Os guardas locais ignoram o embate incessante, assistindo apenas a finalização. Quinze criminosos caídos, com o último sendo sufocado por Yira após ter seu braço quebrado.
Somente então um guarda se aproximou. Ele segurava uma lança, além de uma simples armadura. Pisou nos corpos mortos ou nocauteados, fazendo sinal para o fim do corredor:
— Vocês três, venham.
— Que merda foi essa!? Liberou os presos só para brigarem? — A mulher limpava sua mão vermelha.
— Parece suuuuspeito…
— Yira-chan, tem alguma coisa acontecendo aqui.
— Calem a boca e me sigam!! — Bateu a lança no chão, partindo para uma sala secreta.
A sala era branca e vazia, ficando isenta de qualquer método de vigia. O trio foi colocado ali, encarando a presença misteriosa de duas pessoas.
O primeiro homem era um guarda ou soldado estrangeiro do sul. Era enorme, com seus fáceis dois metros e meio. Seu corpo era robusto e quadrado, mas característica alguma foi notada devido seu manto.
Ao seu lado uma dama. Uma mulher sem rosto, cabelos ou características aparentes. Ela usava um vestido negro, luvas de pano fino e um véu que obscurece sua identidade.
— O que estamos fazendo aqui? Isso aqui é execução, por acaso? — Yira se afastou para mais próxima a porta.
— Fique tranquila, menina. Tudo que fiz não passou de um teste. — A voz da mulher era graciosa e elegante.
— Você tem vestes nobres, mas não consigo imaginar de onde vem. O que quer com a gente? — Taiju analisou-a por completo.
— Um teste? Queria saber quais ratos sobreviveriam?
— Correto. Pelo que estudei, vocês são os caçadores selvagens.
— O que você quer? Seja direta.
— Quero lhes proporcionar liberdade. Tudo que fiz foi um teste de capacidades. Eu estou prestes a realizar um grande objetivo, mas preciso de soldados especiais. Mercenários e magos procurados trabalham para quem pagar mais, o que é um problema contra meus inimigos. Se eu liberar criminosos de nível alto, as pessoas podem fazer perguntas. Criminosos medianos são a solução, afinal meu afiliado aqui vai refinar suas capacidades.
— Liberdaaaaade? Como? O que precisamos fazeeeer?
— Vocês não estão em posição de questionar. — O gigante tomou a fala e encarou os três — Respeitem e aceitem de uma vez.
— Serei breve. Se recusarem, partirei e pegarei outros. Apenas respondem de uma vez! Vocês tem vontade de sair? Ouvi dizer que perderam para um mago e um elfo. Se fizerem o que mando, no fim do serviço podem se vingar. Eu mesma garantirei isso.
— Que interessante. Gostei disso…
— Mesmo se for armadilhaaaa, eu quero saaaaair. Taiju?
— Hum? Eu farei qualquer coisa para destruir aquele elfo. Qual a proposta?
— Aguardava essa resposta. — A mulher ficou aliviada. Retirou o véu para o grupo de criminosos e revelou sua face.
A maioria ficava espantada, ainda mais Taiju. Um arrepio por todo corpo, até que ela começou a descrever seus serviços. O momento não era o correto, então sua feição não passou de uma silhueta aqui. Uma silhueta que sussurra planos bizarros.
Afinal, quem é a mulher de preto? Uma misteriosa figura liberta os caçadores selvagens em prol de trabalho braçal garantido. Uma vingança por vingança. Quem morrerá nas mãos dos caçadores soltos?