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A viagem na estrada está a ser mais demorada do que eu esperava. E olha que eu já esperava demora.

 Isso é porque algumas quimeras, sim, aquelas mesmas que eu havia reportado ao colégio mais cedo, resolveram dar as caras na noturnidade das estradas. O homem que dirigia minha carroça se chafurdou em medo, é compreensível.

 Confesso que foi uma surpresa vê-las aqui, acho que elas se deslocaram donde estavam.

 O homem, que tinha como missão governar a carroça, perguntava se eu não podia dar um jeito nesses «monstros terríveis». E eu ignorava os seus apelos, não valia o esforço naquele momento.

 Eu preciso chegar ontem no palácio e discutir com o meu irmão tudo o que ouvi e vi hoje, não posso dar-me o luxo de gastar tempo em missões adicionais.

 Faz sentido, consequentemente, dizer que ele nutriu um ódio por mim durante a viagem inteira, principalmente quando ele tinha que parar a carroça e torcer para que nenhuns desses monstros notassem a nossa existência.

 Sou errado por isso, eu sei, mas internamente eu ria ininterruptamente da figura dum homem adulto a esconder-se duns «cachorrinhos» um pouco mais agressivos que o normal.

 Não era nem para nós estarmos nessas estradas, afinal, só que a interdição ainda demorará a ser feita. Órgãos públicos em seu estado mais natural: a incompetência!

 Espero que o colégio realmente interdite essas estradas ao menos pelo tempo da realização do rito de minha casa. É necessário, é imprescindível para mim.

 Chega de conversa boba, enfim chegamos à portada do palácio. Eu lhe entrego as outras 8 moedas que faltavam e mais uma como consolação por ele ter sentido tamanha adrenalina em nosso percurso.

 Eu me sinto no dever de dar um bônus para ele, uma pequena misericórdia por minha parte. É o mínimo que posso fazer, certo?

 — Muito obrigado, senhor! — ao ver que tinha mais uma moeda que o combinado ele sorri de orelha a orelha. Parece ter esquecido que diversas vezes poderia ter morrido em nosso percurso.

 Plebeus e seus amores por moedas…

 Ele me deseja uma boa noite, apesar de eu achar que agora já seja madrugada, sobe em sua carroça e começa a conduzir-se de volta à capital.

 —Agora…— suspiro enquanto me escoro no portão.

 Eu podia simplesmente entrar e ir direto para o meu destino, mas quero pensar. Refletir.

 Qual é o meu objetivo em fazer o que estou para fazer? Parar a guerra? A possível guerra? Certo, mas como exatamente?

 Ao falar para o Lucius que devido à incompetência dele os nobres da capital irão desencadear uma guerra, logo ele não pode virar o patriarca da família me parece uma ação de conto de fadas.

 Ainda mais quando tal cousa é dita pelo o único outro homem da família… O óbvio nessa situação é pensar que eu estou a querer usurpar o lugar dele dalguma forma.

 — Haha… Que maravilha seria se ele soubesse que eu não ligo para esse título que irá deixar-me preso à terra tal como um servo.

 Então, o que eu faço? Ele precisa compreender os perigos do futuro dalguma forma. Eu preciso que ele compreenda. Simplesmente contar o fato e deixá-lo a resolver o imbróglio por conta própria é irreal.

 Lucius definitivamente não é o tipo de pessoa que consegue solucionar problemas por conta própria. Ainda mais sob pressão.

 —E eu não irei sacrificar-me por ele…

 Ainda mais porque ele nunca se importou em ouvir o que eu falo.

 — Dialectica funcionaria, não funcionaria? — debaixo da luz prateada da Lua eu começo a teorizar.

 «Dialectica» é uma palavra da língua anciã, o latim, que demonstra um processo de diálogos que se relacionam para conhecer a verdade.

 Devido a sua propriedade e importância em relações formais, a dialectica é feita matéria essencial como parte do esquema de ensino de todos os nobres. Saber dialogar é necessário para saber vencer embates.

 Quantos acontecimentos neste mundo só aconteceram por conta do discurso dum único homem? Saiba bem que nós homens somos seres simples movidos e motivados por emoções.

 Se tu conseguires emocionar alguém com palavras tu irás conseguir fazê-la agir. Emocionar para agir, é exatamente isso o que eu desejo.

 — Só isso não é suficiente, eu também preciso de…

 «Tese, Antítese, Síntese». Uma ideia inicial, a negação dessa ideia inicial e o que de fato é possível categorizar como verossímil da afirmação e da negação dessa afirmação.

 Contudo, eu vejo um erro crasso nesse cenário todo, não no ensinamento, mas naqueles que estão por trás do ensinamento, permita-me explanar para não cometer tal erro. Realmente não quero cometê-lo.

 Um engessamento do cérebro, do indivíduo como ser. As artes liberais foram teorizadas para parir a ascensão individual e completude do que é um «Ser», ao menos isso era para ser quando foram propostas.

 Nos sóis que nascem hoje todo esse esquema de ensino, toda a existência de técnicas é reduzida a um simples histórico.

 «Qual foi sua nota nesse assunto?», «Ah, eu tirei 70!», «Eu fui melhor, tirei 80.». Uma comparação que visa o status das relações social, resume-se a isso.

 Não há o uso efetivo, muito menos entendimento da essência das artes. Saber e compreender, nesse contexto, não são palavras sinônimas.

 Principalmente quando o assunto é sobre seres vivos racionais. Pois a maneira de convencer um humano também é a mesma maneira de convencer um elfo ou um anão, adaptado em clara instância das suas peculiaridades.

 Eu não quero essa aplicação estupida que só funcionam em livros e exemplos hipotéticos. Eu quero algo genuíno.

 Se não me é permitido, se não me é fato, se não me é viável, se não me é real, se não me é eficiente tentar convencer alguém através da retórica e lógica, eu preciso apenas fazer diálogos.

 Por intermédio da palavra eu irei fazê-lo parir ideias, ideias essas que me terão como pai.

 Eu não preciso que tu sigas meu conselho, eu não preciso que tu me obedeças, eu nem sequer preciso que tu me consideres. Desde que os teus atos me sejam favoráveis.

 Mesmo que nesse processo ele desista ou adote uma postura sanguinária para proteger-se, ainda assim será válido para mim.

 Não possuo problema em ser odiado, ainda mais pelo meu irmão, nunca tive. Se for necessário, odeia-me. Fortemente, odeia-me.

 Essa será a minha precaução contra o futuro ruim. Mas o que é o futuro ruim? Aquilo que não desejo, oras, o sangue que eu não quero derramar.

 —Tudo bem, tudo bem. Vamos lá — animo-me para o futuro.

 Com a reflexão feita podemos dizer que a teoria foi criada para o meu problema, todavia ainda há a necessidade de pô-la em prática. Não sou um filósofo que apenas cria a ideologia, muito menos um guerreiro que apenas a executa.

 —«Eu sou apenas eu.» não é? Serena.

 Levanto-me do chão e me coloco em pé, o vento noturno rasga fortemente em minha direção. É frio, mas é ao mesmo tempo confortante.

 Abro o postigo utilizado para o fácil acesso ao palácio e começo a andar em um pátio totalmente vazio.

 Um passo, dois passos, três passos. E mesmo assim ninguém aparece, não há motivos para um bom patrício viver e agir na calada da noite.

 Esse é o horário onde apenas aqueles que possuem medo da luz divina escolhem viver. A habitar as sombras, a consumi-los nas sombras.

 —Será que isso é sinal divino de que eu estou errado?— a trajar meu queixo com a minha mão eu pondero ao adentrar o lar.

 Dentro do rol não há sequer uma luz acesa. Pleno breu. Diria que é uma visão assustadora até para um adulto, pois é assaz escuro semelhante ao término duma grota.

 —Será que eu deveria ir apenas ao meu quarto e esperar o dia nascer?—novamente pondero enquanto subo as escadas para o andar de cima.

 —Mas por que fazer amanhã o que eu posso fazer hoje?— eu mesmo me refuto.

 Bom, talvez porque eu irei acordar alguém de seu sono profundo apenas para colocá-lo a pressão mental, dúvidas e medos a fim de atingir um objetivo? Isso é um bom motivo, creio eu.

 Deuses, eu sou um homem muito irritante…

 Depois de subir completamente a escada eu me viro à direita, lá fica o quarto do meu irmão. Não preciso andar muito, pois o quarto dele é o primeiro por motivos óbvios.

 Ponho-me em frente à sua porta e me preparo para batê-la, mas antes disso fazer eu sinto um súbito frio em meu abdômen.

 A origem desse frio não é o gélido vento noturno de outrora, ou a temperatura mais baixa típica de madrugada, mas advém da tensão do momento. Anseio do que eu irei fazer neste momento.

 Anseio do que eu quero e espero sobre o futuro.

 É um evento que pode mudar o mundo. O meu mundo, o mundo dele. Um erro que eu possa cometer a cá irá condenar a todos nós.

 Respiro e expiro, acalmo-me. Bato então em sua porta com uma força moderada para que apenas ele ouça o som, não preciso que ninguém mais ouça. Faço isso dum jeito melódico, toco uma conhecida sequência de 7 notas.

 Consigo ouvir um barulho dentro do quarto, aparentemente ele acordou.  

Inicia-se o segundo ato de meu teatro humanista.

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