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Capítulo 21 – Mulheres e flores são sinônimos. Detêm texturas, visuais e cheiros diferentes, algumas desagradáveis – parte 4

Ao final do corredor do lado esquerdo da escada, no segundo andar, fica o quarto de meus pais.

 A porta já se encontra aberta, consigo ver a Flavia pelo vão da porta e do batente, então sem cerimônia alguma eu entro.

 Flavia se assusta por um instante, mas logo esboça um sorriso tímido para mim. Ela está sentada em uma cadeira de madeira na sombra em qual o raio do Sol faz no quarto, contudo, mesmo assim, o brilho de seus louros cabelos atormenta os meus olhos.

 Ela dá uns tapinhas na cama, a convidar-me a sentar perto dela, e eu recuso sem dizer nada. Não pretendo demorar muito aqui, então me sento na cadeira próxima à porta.

 — Bom dia, filho, estás bem? — Flavia começa o contato.

 — Sente-se, por favor, queres chá? Bolachas?

 — Quero conversar sobre o que tu me chamaste para conversar.

 — O-Oh? S-Sim, sim… — em tom decepcionado ela concorda.

 Um silêncio reina, Flavia aparenta estar desconfortável com a situação. E, eu, pouco me importo.

 — O que aconteceu entre ti e Lucius? Filho — Flavia realiza novamente uma tentativa de contato, desta vez a citar Lucius.

 — O que eu escrevi no bilhete.

 — Mas… mas tu apenas escreveste «Usou muitos feitiços. Não morreu». O que isso significa? O que aconteceu entre vós? A tua irmã Lucia disse que conseguiu ouvir alguns murmúrios do quarto dela, só que não deu importância e voltou a dormir.

 Lucia ouviu…? Não que seja uma surpresa, o quarto dela é ao lado do quarto do Lucius. Contudo, eu não falei alto para acordar alguém em nenhum momento, não era minha intenção.

 — Eu conversei com Lucius e ele ficou bravo com o que eu disse, então me atacou.

 — E-Ele te atacou?! Ó deuses! — Flavia coloca ambas as mãos em sua boca.

 — Estás tu machucado severamente? Ferido?

 — Eu aparento estar?

 — Felizmente não… — ela esboçava sair da cadeira e vir até mim, mas desiste ao ouvir minhas palavras.

 Bom, severamente ferido eu não estou. A pequena ferida que eu tinha a Valeria gentilmente curou, devo agradecê-la por isso depois.

 — Essa «conversa» que tiveste com teu irmão, ela precisava ser necessariamente assim? Tão agressiva. Tu não podias falar comigo ou com teu pai sobre isso?

 — Contigo não, mas meu pai poderia ter feito algo com isso. Mas ele não faria, não quer. O que ele se preocupa mais no momento é achar as amantes certas para repousar com ele quando ele se aposentar, afinal.

 O que eu disse agora pode parecer meio insensível, celerado. E, de todas as veras, foi totalmente insensível e celerado, foi intencional, sei que isso é incomodante e é justamente por isso que eu disse. Deste modo, o que Flavia fará agora?

 Ao ouvir minhas palavras Flavia se entristece, a baixar a sua cabeça. E nada fala. Uma atitude surrealmente passiva, assim como eu esperava…

 Devo dizer que o meu pai está doente, sim, de fato. Mas uma mera doença não o impediria de atuar como o patriarca da família, ao menos no papel.

 Por mais, meu pai simplesmente nunca especificou que doença é. Não seria uma surpresa se essa doença dele fosse curável com algum tratamento especial mágico.

 Assim como a maioria absoluta dos conubia realizado por nobres, nos quais apenas interesses externos detêm importância, Lucius Conflagratus Avitus e Flavia Conflagratus Avitus, antiga Flavia Caballinus, baronesa da Domus Caballinus,não são exceções a tal estatística.

 «Prometo estar contigo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença…» esse tipo de cousa é só uma grande fachada feita para enganar e agraciar os visitantes que passam pela rua.

 Meu pai nunca amou Flavia, não sei dizer o que ela sente ou sentia por ele. O casamento entre os dois foi apenas uma formalidade, uma junção de objetivos e comodidades.

 Talvez ela também nunca o tenha amado? Indiferente aos «pulos pelas cercas» dele. Adultério é um crime severo condenado pelos deuses e isso é refletido nas leis humanas.

 Contudo, devido ao fato de que alguma relação só é considerada «adultério» quando realizado por um homem e mulher nobre, é comum saber da existência de amantes, de origem plebeia, por parte de homens nobres.

 Homens são bichos, ou a maioria deles é. Buscam incansavelmente satisfazer os desejos da carne ou em menor escala o que chamam de «amor». Putrefato amor que apenas gera discórdia e desavença, enoja-me profundamente…

 O atual patriarca dos Conflagratus não é diferente, possui o mesmo comportamento patético e repulsivo.

 Eu descobri a existência duma das amantes do meu pai quando ainda era novo, 9 anos ou por aí se me recordo corretamente.

 Ver uma mulher que não apresentava classe nenhuma em seu andar, em seu agir, em seu cheiro, sair, com trapos velhos e um novo anel no dedo, dum quarto que hóspedes usam comumente me marcou para sempre. Quiçá seja até um trauma particular meu.

 A partir daquele momento eu comecei a desprezar a existência de amantes ou rameiras bem como a de homens que são permissivos a tal comportamento.

 Afinal, se uma mulher realiza um comportamento repulsivo é porque um homem demandou por isso. Mulheres e crianças são reflexos do estado dos homens duma época, duma sociedade.

 E apesar disso eu nunca vi Flavia esboçar uma preocupação com isso, novamente eu ajuízo: será que é por que ela nunca o amou?

 Mesmo que ela não tenha, isso não é uma questão de amar ou não, é uma questão de orgulho. Imagem. Um nobre, não a importar sua nobreza, precisa defender a sua imagem.

 Deixe-me contar uma breve história: as primeiras gerações de escravos são todas revoltosas, frequentemente eles tentarão dalguma forma causar uma revolta ou caos social. Digo isso por conhecimento formal e empírico.

 Eles experimentaram o conceito de «liberdade», não querem viver em servidão. É por isso que confrontos entre seus donos e os respectivos escravos são comuns.

 A solução disso é a represália total dessas revoltas, ao mostrar que quaisquer alternativas se mostrarão fúteis e dolorosas. Contudo, o controle não para por aí.

 O controle vai ao ponto de que novas gerações de escravos vão a ser criadas, geradas, feitas a partir da primeira geração e o controle permanece, mas com uma peculiaridade: por nunca terem experimentado a liberdade, essas novas gerações não possuem um objetivo definido do porque lutar.

 «Liberdade?», «O que é isso?», «Nunca ouvi falar».

 Ainda mais porque o estado atual é confortável, o que um ser sempre busca, apesar de serem escravos eles podem receber alguns trocados, comidas, entretenimentos. Por que revoltar-se? São domesticados como raposas.

 Aceitar a humilhação imposta dia a dia sem revolta é um sinal da morte da anima. A anima da Flavia está morta. E isso é grotescamente repulsivo.

 — Aurelius… — Flavia suspira ao falar.

 — Escute-me, por favor, filho. Eu sei que tudo o que está a acontecer está a ser difícil e confuso, principalmente para ti. Eu sei que o teu pai parece meio alheio a tudo o que acontece. Eu sei que eu não sou muito confiável ou útil, mas eu gostaria muito de vê-lo bem, de vê-los bem.

 A banda rotineira da cidade rotineira com suas músicas rotineiras neste momento canta como a rotina demanda. É um arquétipo que eu já conheço muito bem.

 — Mas, por favor, tu não poderias ajudar teu irmão neste momento tão crucial? Somos família — a mulher da voz chorosa diz.

 — No primeiro momento, depois de ver Lucius desmaiado eu comecei a imaginar cousas ruins, pensamentos tristes.

 — Não sobre o teu irmão, pois era visível que o corpo dele ainda respirava normalmente. E, bem, o bilhete que tu deixaste também dizia sobre a condição dele. Mas e sobre tu? O que poderia ter acontecido? — Flavia muda levemente a velocidade de sua respiração.

 — Se ele estava desmaiado em sua cama, o que poderia ter acontecido contigo? O caçula.

 Para a minha surpresa o que Flavia descrevia neste instante é o que chamamos de «Sentir dó», contudo… de mim? Sério?

 — Eu comecei desesperadamente a procurá-lo, em todos os lugares possíveis. No teu quarto, nas salas de estudos, salas de banho e finalmente o encontrei na biblioteca, a dormir profundamente.

 — Vê-lo me acalmou. Apesar da ferida em seu antebraço, eu pensei que tu e teu irmão haviam saído em alguma caça ou algo do tipo…

 Ferida no meu antebraço…? Então…

 Agora faz sentido, afinal, não consigo imaginar que a Valeria consiga realizar um feitiço de cura, mesmo duma ferida simples.

 E muito menos que ela teria uma brega almofada cor-de-rosa como as que eu vejo neste quarto agora mesmo…

 Argh. Que cafife.

 É por isso que odeio dialogar com pessoas emotivas, elas acabam dalguma forma a envolvê-lo numa teia sentimental que o menor do seu movimento gera uma vibração inimaginável que é traduzida em alguma emoção sentida.

 — E o que tu queres que eu faça? — desisto da minha postura inicial e cedo ao capricho dela.

 — ! — surpreende-se Flavia, ela me fita e me encara por um breve momento, estás deslumbrada com o quê?

 — Será que tu não poderias ajudá-lo? Filho.

 — Ajudar exatamente como?

 — Ao mostrar que tu estás a apoiá-lo, junto com ele…

 — Eu não sou tu, muito menos a Cecilia, para demonstrar gentileza de tal forma.

 — Eu sei! Mas… — a voz de Flavia lentamente decai.

 Flavia se aproxima da cadeira onde estou sentado. Ela se agacha, coloca ambas as mãos em meu braço e diz «Por favor!» com os olhos, sua face é mais chorosa do que uma criança que se perdeu de seus pais. Isto é um pedido de clemência altruísta.

 Essa situação é cansativa. Mentalmente exaustiva.

 — Quiçá eu faça algo a respeito — digo para ela em resposta ao seu olhar.

 Seus olhos reluzem ao meu dizer, contudo pouco após sua expressão se torna triste novamente.

 — «Quiçá»? Por favor, Aurelius, prometa-me.

 Prometer? Huh. Não há motivo para eu fazer uma promessa, mas para poupar-me de futuras conversas repetitivas como esta é melhor eu prometer algo…

 — Está bem, eu prometo. Quando for a hora…

 Após respondê-la eu me levanto para sair de seu quarto. Flavia tem uma cara apreensiva, como se não soubesse o que está para acontecer. E acho que ela realmente não sabe. Sequer idealiza que uma guerra pode acontecer mesmo eu a ter feito tudo o que eu fiz…

 Não há mais nada para ouvir ou falar, portanto eu saio de seu quarto. Que essa seja a última amolação do dia.

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