Fazem mais ou menos 10 minutos desde que eu ordenei para que reunissem os nobres em frente ao palanque. Posso ouvir suas vozes embaralhadas e curiosas mesmo daqui da sala aos fundos.
Valentina há pouco me trouxe as 3 poções que eu pedi. Ela trouxe poções básicas. Não é o ideal, mas irão servir. Conseguir poções de níveis maiores exige mais tempo de preparo e não podemos perder tempo assim.
Cecilia, Alma, Quinta e Lucia também vieram e disseram que reuniram todos os que elas conseguiram encontrar por aí. Os assentos em frente ao palanque estavam em sua maioria completos segundo elas.
Dito isso, eu poderia agora mesmo começar a fase final do rito, e bom, a única fase que acontecerá hoje, contudo não. Não ainda, não agora.
Eu sei que todos os nobres já estão aqui e eu sei que eles esperaram demais. Mas eu quero que eles esperem mais um pouco, cutucar a curiosidade deles e os fazerem teorizar o que está acontecer será algo benéfico.
Eles vão criar expectativas para um espetáculo e eu dá-los-ei tal espetáculo.
Não me é permitido a facilidade dum discurso pronto que apenas finaliza a formalidade do ritual. Eu preciso dalgo que seja estrondoso, impactante, pois o meu discurso será uma negociata com todos.
Eles aceitaram, ou não se considerarmos a possibilidade de guerra, Lucius como patriarca. Lucius poderia fazer um simples discurso. Mas não eu. Eu preciso convencê-los do meu papel, ou tudo que planejei até agora terá sido em vão.
Eu preciso que eles me aceitem como o patriarca.
Sabias? Um discurso não começa no momento em que alguém se põe a falar. Um discurso começa na escolha do lugar, na data, na hora e nas pessoas que estarão lá.
Humanos possuem emoções, logo humanos são animais emotivos. E se são animais emotivos, logo as emoções ditam muito a vida dos humanos.
Parece um fato de irrisão o que eu acabei de dizer, não? Apesar disso, é algo extremamente importante para compreender o animal chamado de «humano».
A mesma frase dita em duas situações têm impactos diferentes a depender dos contextos.
Eu defender a existência de políticas que distribuam água de forma gratuita para um deserto tem um impacto. Essa mesma defesa, mas em uma floresta tropical abundosa em chuvas terá outro impacto.
Claro, é um exemplo bobo o que eu digo. Mas quero que compreendas a essência.
Se tu me deres a oportunidade de preencher o teu coração, eu serei capaz de preencher também a tua mente. O teu corpo. Damas fatais atuam assim, afinal.
Mas a situação em que me encontro é diferente. São muitas pessoas diferentes de contextos diferentes com pensamentos diferentes com desejos diferentes com expectativas diferentes. Diferentemente eles se diferem.
Neste contexto, só há uma maneira de torná-las iguais…
De modo repentino Cecilia entra na minha sala.
— Irmão! Tu não irás começar? Todos já estão aqui, ou ao menos todos que conseguimos encontrar! E O MAIS IMPORTANTE, DISSERAM QUE A PRINCESA DA DOMUS PRIMUS IRÁ VIR MESMO. OH, CÉUS! — Cecilia relata em uma escalada de emoções.
Aparentemente a minha cartinha foi certeira. Espero realmente que ela venha, eu preciso que ela venha.
— Pode ir, Cecilia. Eu já estarei a ir logo atrás de ti — eu confirmo.
— CERTO! BOA SORTE! TCHAU! — mais animada que uma criança em um parque, Cecilia me anima ao fazer um sinal positivo com ambas as mãos e se despede.
Eu pego as 3 poções de quintessência em cima da mesa e as observo contra a luz. Um líquido com um tom branco leve e brilhante em um frasco cilíndrico.
Magias de fortalecimento não duram por muito tempo e ainda possuem seu efeito decaído progressivamente com o tempo. Se fosse possível burlar tal conjuntura dalguma forma isso revolucionaria o mundo mágico…
É por isso que eu terei que conjurar os encantamentos brevemente antes do meu objetivo.
Além disso, repetir um encantamento de fortalecimento em seguida é algo extremamente prejudicial. Até mesmo fatal em certos casos.
Já li em estudos que isso acontece porque o coração, que produz a quintessência, dilata a fim de produzir e liberar mais para o uso do fortalecimento. E caso haja o uso de vários fortalecimentos ao mesmo, a dilatação é maior ainda.
Para exemplificar isso, com números inventados de minha cabeça se me permites, seria como se o coração dilatasse 25% no uso do primeiro fortalecimento.
Ao usar outro fortalecimento ele dilata mais 25% em cima do que já se encontra dilatado 25%, ou seja, aproximadamente 31% em relação ao estado inicial. Outra vez seria 39% em relação e assim iria…
Isso supondo que tu uses a mesma magia de fortalecimento no mesmo nível. Quando tu usas magias de fortalecimento de graus maiores a cousa é até mesmo mais prejudicial.
É o risco que eu tomarei hoje. Espero que eu não morra por uma bobeira dessas.
Certo, vamos lá. Saio de minha cadeira e começo a minha jornada que se parece impossível. Evitar uma guerra? Eu sou algum tipo de herói? Não consigo deixar de condenar-me e rir internamente.
Só que para o que eu quero, na hora em que eu chegar o palanque, preciso estar o mais fortificado o possível. Então farei o processo já no corredor antes de subir ao palanque.
No corredor eu observo o meu arredor: que corredor escuro. Um breu.
— Basic-Ignis: [INTRALUME I] — eu recito o primeiro feitiço de fortalecimento. Sinto meu corpo aumentar de temperatura e brilhar avermelhado por um instante.
Mas isso não é o suficiente.
Tomo a primeira poção de quintessência, ela irá ajudar-me nessa loucura que estou a fazer, e me preparo para recitar o feitiço novamente.
— Medius-Ignis: [INTRALUME II] — ao recitar o segundo feitiço eu sinto um pouco de tontura, a minha temperatura aumenta ainda mais e eu hiperventilo um pouco.
Ainda não. Pego as duas últimas poções de quintessência e as tomo duma vez sem nenhuma cerimônia.
Diligentia. Dai-me forças neste momento.
— PROVECTUS-IGNIS: [INTRALUME III]!— brado o último encantamento.
— BLUARGH! — eu vomito sangue na hora. Não consigo respirar. Merda. Merda. Merda. Merda.
A tontura piora e meu peito começa a doer muito. Meu coração está a bater para um cacete, desgraça. Hahaha. Eu sinto que ele poderia até mesmo explodir neste momento.
Minha consciência começa a esvair…
Desmaiar e morrer aqui no escuro, sem ninguém ao meu lado, eu mereço isso não mereço? Seria justo… Alguém nojento e asqueroso como eu morrer pateticamente longe dos olhos de todos. Minha culpa, minha culpa, minha culpa.
Mas, queres saber? Dane-se o que eu mereço ou não. Quero apenas atingir os meus objetivos e farei absolutamente tudo para atingi-los.
— Não, seus mal… ditos. Eu não vou perder agora. Eu não cheguei até aqui para perder agora — eu me escoro na parede.
— Tudo nessa mer-DA de mundo serve para mim, é para mim… Eu não aceito perder agora. Não assim. Não agora. HAHAHAHA! — eu rio na tentativa de manter-me consciente.
Os degraus para o palanque estão em minha frente. Eu junto todas as minhas forças para não ter uma síncope no local e subo os degraus. A minha visão no escuro começa a adaptar-se a luz forte do ambiente em minha frente.
Eu finalmente chego ao púlpito, o local onde farei acontecer desejos e esperanças, e olho para todos os nobres abaixo de mim. Observo o brasão de nossa família e a bandeira do Império em cima de mim, são admiráveis de perto.
Muitos não me perceberam e ainda estão a conversar entre si. Outros me perceberam, mas escolheram ignorar-me mesmo assim. Poucos me olham com espanto, talvez a começar a pegar o nuance da situação. A perguntar-se do porque eu estar aqui e não Lucius.
Fico parado por alguns segundos a observá-los. Há uma mulher que me chama a atenção. Cabelos longos e lisos de cor negra, olhos amarelados atraentes. Ela me observa de perto na primeira fila, perto de meus pais.
É a princesa. Isto é bom, que bom que ela veio…
Sim, vê-los ignorar-me é irritante. Contudo, neste momento, irá servir, confirma a minha razão de nunca abaixar a cabeça para seres nojentos como eles.
Observem, pois, neste momento, irá começar o espetáculo.
Inicia-se o quarto e último ato de meu teatro humanista.
