Eu dou um forte piso no chão, brado em alto e claro som:
— PROVECTUS-IGNIS: [AVERNO]!
Chamas em um perfeito tom de vermelho saem debaixo de meus pés e correm por todo o ambiente.
As paredes feitas dos mármores mais caros são chamuscadas no instante, flores e plantas penduradas viram pó, bem como os adornos de madeiras.
O bronze que utilizaram para as escritas da parede derrete e gotas escorrem como água. O jeito que as gotas metálicas mancham a parede é macabro, aterrorizante.
— MEU BRAÇO! — A BARRA DO MEU VESTIDO CARO! — MINHA PERUCA! — homens e mulheres gritam ao sentir pequenas labaredas voarem em suas direções. Também é gritado xingamentos, direcionados a mim por obviedade, e choros.
A temperatura amena da sala é imediatamente tomada por um calor intenso incomodante. Um clima de mormaço invejável para qualquer floresta no verão.
Este é o meu único e pessoal inferno. Assim como uma caixa que utilizamos para pegar aves prende as mesmas, todos que aqui presenciam o momento estão presos em volta de chamas agressivas.
A única maneira de tornar pessoas diferentes iguais?
É pô-las em estado de medo.
Eles me olham com uma feição dum cachorrinho assustado. Eu sorrio a observar com suas imagens ao fogo enquanto ajeito o meu cabelo. Devo estar belo na frente de todos em um momento tão especial.
Ó vós que a cá entrais, em meu intimo círculo, abandonai toda a vossa esperança!
Neste momento serei gótico e macabro o quanto eu precisar ser, é o meu último ato e não posso poupar emoções. Vejam em minha feição a verossimilhança de seus piores pesadelos, senhoras e senhores.
— SENHORITAS, SENHORAS E SENHORES! VELHOS E JOVENS! TODOS QUE AGORA ME ESCUTAM ATÉ QUANDO?! — inicio o meu discurso em voz alta sem nenhum aviso. Realizo um círculo com o dedo anelar e o dedão da minha mão direita.
Assustados os ouvintes começam a olhar para mim, desta vez não me ignoram, huh? Por que será…
— Até quando seremos humilhados e escorraçados por formalidades que não nos convém? Até quando iremos aguentar todo este sofrimento que parece não ter fim?
Conjugar os verbos na primeira pessoal do plural cria o efeito de empatia e pertencimento a um só grupo. Não sou eu que sofro, não são vós, mas sim todos nós. Eu preciso tornar um só com todos, torná-los iguais e empáticos.
— Ó, IMPÉRIO! Ó, DEUSES! Não nos observam? Teus filhos sofrem com os desafios da vida, possuem suas essências desperdiçadas por banalidades. Dinheiro, glória, fama? Isso realmente importa? — levanto meus braços para o céu com as minhas mãos abertas.
Reparo neste momento que a Flavia me olha aterrorizada enquanto chora. Ignoro isso por enquanto.
Não é apenas a sua boca que realiza um discurso. Suas mãos, seus gestos, seu olhar, seu andar e pisar no campo. Tudo isso faz parte da arte de oratória.
E é por isso que consigo dizer que neste momento todos me escutam atenciosamente, ansiosos pelo o que eu direi, amedrontados pelo o que sentem. Seja bem ou por mal, por bem ou por mal.
— E eu vos digo, sim, importa e não há mal algum nisso, mas por mais importante que sejam não é válido tornar-se inimigo de si mesmo! — aponto para mim mesmo.
— Contudo, é só para isso que somos? É só para isso que valemos? Não, não é! Muito menos é para isso que devemos sacrificar tudo e todo, de maneira pérfida. Só que devemos nomear neste momento tão tocante: aqueles que os fazem, sim, eles, nossos inimigos ainda continuar-se-ão a deleitar-se em pura estapafúrdia.
— E quantas vezes não choramos por conta disso? Quantas vezes não lamentamos a nossa realidade? Todas essas vezes por tentar agradar uma ideia fajuta, um ideal fajuto — coloco emoção em minha voz.
— HAHAHAHA! Pois já não bastam nossos inimigos externos, sim, aqueles! Aqueles que todos os dias tratam de fazer pactos, aqueles que fazem coalizões maléficas com o objetivo de derrubar-nos de nosso posto! Aqueles que querem apenas o nosso mal!
— Odeiam-nos, odeiam-nos, odeiam-nos! A alegria de nossos inimigos é ver-nos desprovidos dos fatos que conquistamos através de suor e sangue, justíssimos suores e sangues! — mostro a palma da minha mão direita para todos, eu não minto neste momento.
A ideia de um inimigo externo é prática. Conceber a minha desgraça na personificação dalguém sempre será útil.
E este momento também é de importância. Pois ao prestar atenção na reação de todos após a minha palavra, consigo visualizar o meu objetivo, o que eu tinha em mente: aqueles que mais se incomodarem com tais palavras devem ser os que conjecturam a guerra.
Claro, isso é um palpite e não uma certeza. Mas consigo ver alguns rostos desviam o olhar do meu, envergonhados estão. Alguns outros se viram, cochicham entre si.
— POIS EU PERGUNTO: NÃO SABEIS A VERDADE!? NÃO SABEIS QUE TODAS AS SUAS TRAMAS NOS SÃO CONHECIDAS?! ATÉ QUANDO?! Até quando teremos que aguentar seus planos loucos e suicidas?
— O QUE É QUE ELES QUEREM ALÉM DE SANGUE INJUSTO?! O QUE É QUE ELES QUEREM ALÉM DE GUERRA INJUSTA?! O QUE É QUE ELES QUEREM ALÉM DE NOSSO MAL?! E, nós, sabemos que isso não é o correto.
— E eu vos trago, portanto, uma verdade, boa gente que me escuta, eu trago a verdade: não desistais do que é correto, não desistais do que tu amas! Guerra e nobreza são sinônimas de outrora, mas peço para que lembreis vossos antepassados neste momento.
— NÃO DESISTAIS! BOA GENTE. SE OS INIMIGOS EXTERNOS PROCURAM GUERRA, A SER, POIS, A NECESSIDADE DE SER UM NOBRE: DÊ-OS GUERRA, MAS GUERRA JUSTA! DERRAME O QUANTO DE SANGUE FOR NECESSÁRIO, MAS SANGUE JUSTO! — digo a olhar especificamente para alguns nobres inquietos do recinto, também levanto meu dedo indicador da mão direita para cima.
Se eu cheguei até aqui, não terei medo do sangue. Se quiserdes guerra eu vos darei guerras.
— A ser assim não vos odiais assim como eles vos odeiam, pois de inimigos o mundo é cheio…
— AMEIS-VOS! Ameis-vos assim como antigamente os nobres se amavam. Esse o meu maior desejo. Não devemos tornar-se inimigos de nós mesmos.
— Tenha o domínio de si e das vossas vontades para lograr nesta vida tão árdua! — realizo um círculo novamente com a minha mão direita, mas a usar o dedo anelar em conjunto do dedo do meio agora.
Sinto que neste momento estamos todos em uma só página. Hora de revelar a verdade. Apesar de que neste momento acredito que todos já compreenderam.
— Esse é o meu desejo como o patriarca dos Conflagratus, trazer de volta o amor que sentíamos por nós mesmos.
A reação me convém. Não há protestos em vozes ou olhares, todos no recinto apenas vidram seus olhares em mim. Eles aceitaram quem eu sou e o que quero.
Só que não acaba por aqui, pois eu desejo viver em eterno estado de guerra. Eterno estado de movimento e evolução.
— E é por isso que eu afirmo…
Faço uma breve pausa, a respirar um pouco e a alinhar o meu pensamento para o grande final.
— Eu sou o princípio. Eu sou a revolução. Eu criarei e destruirei, eu amarei e odiarei, eu renovarei a nossa existência, renovarei a minha essência. Farei de tudo para trazer de volta o amor, nosso amor — eu levanto o meu dedo indicador e do meio para cima.
— Se para isso for necessário derramar sangue, derramá-lo-ei. Se for necessário mastigar a carne de meu semelhante, mastigá-la-ei. Se for necessário extirpar do mundo a minha raça, extirpá-la-ei. Pois eu sei quem eu sou, sei o que eu devo. Sei de minha nobreza, como sabes tu de tua nobreza.
— Todavia… amor também é necessário. Se for necessário amar-vos, se eu conseguir amar-vos… Amá-los-ei.
— E assim eu termino. Ad Patria ego sensi dolor. Amen — com uma voz forte eu digo, flexiono os músculos de meus antebraços e cerro meus punhos.
Com o fim do meu discurso eu finalmente disperso o meu feitiço. Foi cansativo manter o ambiente por tanto tempo assim, realmente não sei como consegui manter-me de pé e andar por aí discursando. Força de vontade?
Há silêncio, mas pouco após eu escuto aplausos e gritos:
— BRAVO! BRAVO! — MAS QUE DISCURSO! — EU SEMPRE SOUBE QUE ERA ISSO O QUE SIGNIFICA SER UM NOBRE!
A origem desse apoio será a admiração ou o medo? Tanto faz, sinceramente. Eu consegui, tenho apoio neste momento.
Meu pai sorri infinitamente, Flavia chora desesperada por algum motivo, o resto das garotas também sorri e aplaude. Beatrix e Milan, um pouco mais atrás, parecem não entender muito bem o que acabou de acontecer, mas aplaudem em conjunto.
A Princesa me olha sem reagir com seu leque preto em repouso em seu colo.
Ainda assim eu vejo alguns nobres, os que eu observei e conversei com os meus olhos mais cedo, calados em seus lugares.
Com o que aconteceu hoje eu duvido que eles tentem continuar com o plano deles de revolta. Fiz questão de acentuar a postura correta, a postura que teremos em caso de guerra.
Eu os mostrei o que irá acontecer caso eles desafiem um Conflagratus.