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Ao entrar no Collegium Audacis, imediatamente, sou recebido pela recepcionista do colégio. Uma boina vermelha vinho, bem como um blazer abotoado até o último botão, de mesma cor, que cobre a sua blusa alva. É o traje típico dos funcionários do recinto.

— Boa tarde, marquês de Conflagratus. O que desejas? — de maneira educada e extremamente formal, a recepcionista me atende enquanto se curva para mim.

 — Quero apenas ficar por dentro das notícias que circulam pela capital.

 — Hmmmm…

 Ao ouvir-me ela reage: uma face presunçosa, contudo com um jeito de manha tal como gatos possuem. «Abaixa-te, pois lá vem a bomba!». É isso o que me diz o meu pressentimento…

 — Ora, nossa. Senhor Conflagratus,sabes tu como são as coisas nessa vida… Estava eu, ontem, a trocar arengas com minha querida mamãezinha e ela me contou sobre minha querida e distante, mas bem distante sabe? — a sussurrar essa última parte — Avó de 23.º por parte de pai que está tão doente! — a recepcionista me conta uma história que nada me importa com uma voz chorosa.

 — Coitadinha dela! *Buáááá* Eu adoraria ajudá-la dalguma forma, mas sou uma pobre recepcionista assalariada… Ai de mim! Se eu ao menos fosse um jovem e poderoso marquês como o senhor. Um jovem bonito, atraente, alto, poderoso, rico, galanteador, generoso, bondoso… *pisca pisca* — ela continua.

 Todos os elogios delas são pautados em puro interesse. E mesmo assim eu sorrio em resposta, sei que ela não diz por verdade, mas ouvir a verdade por interesse também é gratificante.

 Verdades são verdadeiras porque são verdades, pouco a importar quem a diz, quando a diz e porque a diz…

 O real significado das suas falas é nítido como cristais de quartzo e facilmente palpável tais como pedras em um travesseiro. Então eu prontamente punço meu bolso e ponho 6 asses sobre sua mesa. É o necessário.

 Ao ver as 6 moedas de cobre sobre o balcão ela olha para mim e então diz:

— Mas, sabe, senhor… É que os remédios hoje em dia estão tão caros… Talvez não dê para comprar os remédios para uma doença tão rara como a dela! *pisca pisca* — com o mesmo tom de outrora ela me confronta.

 Essa garota… É o necessário, eu pensei. Não é o suficiente, ela demonstra.

 — Uma doença tão rara? Saberias tu o nome de tal doença terrível?! — jogo-me frontalmente nos atos chistosos dela.

 — Pior que eu não sei, senhor marquês… É uma doença tão rara que ninguém no país tem! — a recepcionista lamenta ao segurar seus próprios ombros e balançar.

 Se ninguém no país tem tal doença, então a tua avó também não tem, não é? Ah… Deuses. Vou ignorar essa parte para o bem de nós dois… Preciso resolver as cousas ainda hoje.

 Coloco a mão em meu bolso, apalpo e jogo mais 4 moedas. Na cintila da moeda que cai à mesa, os seus escuros olhos castanhos cintilam em resposta.

 É compreensível, 10 moedas de cobre devem ser mais do que essa pobre assalariada recebe por dia. E, para mim, definitivamente, é irrisória tal quantia.

 — Muito obrigada! Depois do expediente irei dar uma boa conferida nas lojas da cidade! — a sorrir de ponta a ponta ele me afirma.

 — Ora? Mas não era para o bem de sua avó? — finjo surpresa.

 — Ah, sim, sim. Minha avozinha com toda certeza ficará feliz com o belo vestido vermelho que comprarei! — ela me responde a desconsiderar completamente os fatos.

 Recepcionistas são realmente… recepcionistas.

— Bom, Senhor Conflagratus, agora que nós já salvamos o futuro da minha prestigiada avozinha, podemos  falar sobre o que tu queres saber.

 Que ótimo! Pensei que teria que jogar mais umas moedas na fonte dos desejos para ouvir o que eu quero ou quem sabe salvar o futuro do teu avozinho agora!

 — Tem duas cousas bem interessantes que eu ouvi ultimamente. Clérigos do colégio estão a dizer que um grande evento está para acontecer em breve. E quando eu digo «Grande» quero dizer ENORME! O herói está para ser revelado! — a recepcionista diz com entusiasmo.

 Herói… herói, em? Herói, o Grandis Heros, o indivíduo dotado de grande poder, mas também encarregado de uma enorme responsabilidade: salvar o mundo de suas enfermidades, acabar com as trevas e instaurar uma nova era próspera para todos os que creem.

 Ele iria sair em uma aventura com seus companheiros, a salvar o mundo com seus companheiros e por fim derrotar o grande mal do mundo: os demônios e seus reis.

 Por que eu digo isso no tempo pretérito? Bom, era isso o que a antiga lenda dizia, mas nunca aconteceu. Hoje em dia muitas pessoas levam como uma crença sem base criada apenas para propor esperanças para os tristes com o mundo.

 Não é nem como se tivéssemos atualmente um domínio dos demônios em plena luz do dia, se é que isso alguma vez já aconteceu.

 Só que toda lenda, toda crença, toda história tem uma origem plausível na maioria das vezes. Não consigo ignorar totalmente por mais tempo que passe, sinto que se eu ignorar estarei a perder uma oportunidade.

 E como eu odeio desperdiçar as oportunidades que aparecem em minha frente…

 — Herói? Isso não era uma lenda boba de criancinhas? — instigo a conversa com uma fala provocante.

 — Lenda, realidade, história ou não é uma questão de gosto. E gosto cada um tem o seu, marquês. O que é realidade é o fato de que minha fonte disse nunca ter visto os clérigos tão agitados antes, é como se estivessem a preparar-se ao fim dos tempos!

 — Eu particularmente acho isso super empolgante! — com os olhos a brilhar, assim como as pérolas mais cândidas, e os punhos cerrados, ela me olha ansiosa. Isso é tão empolgante assim?

 — E a casa real? Elas esboçaram alguma reação sobre isso?

 Ao ouvir o que eu disse a recepcionista joga as mãos para o alto, olha para os lados e começa a articular sua resposta:

 — Se esboçaram eu não sei. Tu sabes como os Primus evitam envolver-se com os homens religiosos fora de eventos nacionais. Não sei se é medo ou desprezo.

 «Medo»? Os Primus, a poderosa e longínqua casa real, a sentir medo de clérigos? Tu podes achar isso algo ridículo, mas em fato é algo real. Muito real, por sinal.

 Não há espanto na forma em que eles conduzem as tarefas com os clérigos. Os clérigos em geral não possuem nenhuma grande proficiência mágica, entretanto são as pessoas mais próximas dos deuses que hão de viver neste mundo.

 Há histórias de que os deuses «amaldiçoaram» garotos travessos que tacaram pedras em seus templos ou histórias de que cidades inteiras foram dizimadas por seus cultos pagãos…

 Comprar brigas com as pessoas mais próximas dos deuses é como contar com a sorte de ir ao jogo do time preto com a camisa do time verde e não ser espancado por seus fanáticos apoiadores. É irreal.

 Não é à toa que o território do Collegium Religiosi é o único lugar no Império livre de impostos e obrigações que todos nós, homens comuns, havemos de cumprir.

 — Agora, Senhor Conflagratus,acho que tu não irás apreciar a outra notícia que as bocas estão a falar por aí… — a fazer beicinho e a olhar para baixo ela me faz o prelúdio.

 — O rito de patriarca da tua família é sem exagero algum um evento nacional, todos nós sabemos que irá acontecer nessa próxima semana.

 — Parece que alguns nobres capitais estão a fomentar uma coalizão com o objetivo de destronar a tua família do posto de marquês. A justificativa seria que a aposentadoria do patriarca dos Conflagratus e a ascensão dum novo jovem em uma posição de tamanho destaque é uma irresponsabilidade e perigo para a ordem no império — a retomar o fôlego ela continua.

 — Cousas de nobres, eu não entendo muito bem — ela me diz isso tudo como se estivesse a lamentar a perda de um parente querido, a morte de um animalzinho de estimação, a fuga dalguns escravos. A olhar para o meu rosto ansiosamente ao aguardo da minha reação.

 E eu… Eu não esboço reação alguma, isso é o esperado. Apenas o esperado. Eu até mesmo já o sabia.

 Os nobres atuais são todos odiosos, odeio perfeitamente todos eles, importam-se somente com o status e a acumulação de poderes.

 Quanto mais pecúlios, melhor, quanto mais escravos, melhor, quanto mais cargos públicos, melhor. A moderna, mas também eterna iconóstase de animais fétidos ornamentados de joias, gorduras e pecados.

 A posição de um Marquês não é a de maior hierarquia no mundo aristocrático, ficamos atrás dos Duques, Príncipes e do próprio CÆSAR,é claro.

 Contudo, mesmo assim, é o nível mais cobiçado depois do título de CÆSAR por todos os nobres, mais do que o de Duque ou o de Príncipe (que é um título por natureza não obtível).

 O motivo? É mais simples do que parece: liberdade. Marqueses são os únicos que podem acumular poder militar e mágico de forma sem precedente, a tornar-se, assim, peças chave para a nação.

 É fruto da história remota onde nós lutávamos pelas fronteiras do Império. De certa forma é possível afirmar que nós somos subordinados apenas a ideia da nossa nação, não à casa real vigente.

 E não é um acaso que temos tamanha liberdade, é uma competência e necessidade óbvia e lógica.

 Se magos duma nação que defendem fronteiras não pudessem acumular de forma irrestrita poder essa nação estaria fadada a ser dominada pelas suas vizinhas.

 A minha casa, a Domus Conflagratus,é atualmente a única casa de marqueses do Império, foi-se possível manutenir esse estado com os trabalhos exemplares e coesos de nossos patriarcas.

 Principalmente porque é dito e redito por nobres de outras casas que devido o Imperium Primarius ser inegavelmente a maior nação do continente de Humanitas, e possivelmente a maior e mais forte nação de todo mundo, não há mais a necessidade da existência de marqueses no Império.

 «Quem ousaria em atacar o grandioso IMPERIVM PRIMARIVS?!», «Somos os governantes do mundo!» e outras frases que são utilizadas em debates públicos contra a minha Domus.

 E, bem, ao tirar a existência duma nação tribal do sul da questão que são de maneira extremamente sortuda protegida pela Cordilheira de Nebula, o Imperium Primarius não possui fronteira com nação alguma, não mais.

 Essas frases prontas, todas elas não passam de dizeres. A verdade é que a vontade de cada um desses nobres é tornar-se marquês.

 Quem não queria ser fortunado por tamanha liberdade de ação e pousar?

 «A liberdade é um bem de valor inestimável.» já dizia Arpini, renomado orador.

— Marquês… Tu estás… bem? — ao colocar a sua mão na minha ela pergunta.

 — Estás parado com cara estática há um bom tempo. Eu sabia que a notícia era ruim, mas achei que era necessário o senhor saber. Eu fiz algo que não devia? — com a cara cheia de preocupação ela me pergunta.

 — Estou bem, não se preocupe. Não fizeste nada de errado. A notícia é um tanto quanto… chocante, mas nada que fuja do meu panorama sobre o futuro.

 Ela me olha meio estranha, como se estivesse arrependida do que acabou dizer. Eu sorrio para ela, sem dizer nada a mais ou a menos.

 Realizado um dos meus objetivos eu me vejo no dever de prosseguir com o outro. É até necessário para mim trocar o assunto…

 — Agora, deixe-me contar algo: nas estradas principais que ligam a província de Conflagratus com a capital está a ser realizado um evento peculiar, verifiquei isso eu mesmo hoje de manhã, havia rastros de monstros de altos níveis pelas redondezas. Quimeras.

 Ela se espanta com o que eu digo, é algo realmente espantoso. Suficientemente ouvir de quimeras seria algo espantoso, mas é mais espantoso ainda porquanto não é compreensível o porquê de Quimeras estarem ali.

 Continuo a descrever os detalhes da minha missão de outrora e sugiro que é fato de urgência a intervenção do Collegium Audacis nessa situação, a criação de uma missão para assegurar a ordem e não dar sorte ao azar. Eventos importantes acontecerão em breve.

 — Senhor Conflagratus! Deixe comigo! Irei assegurar que essa informação seja repassada com urgência para os meus superiores e que uma intervenção nas estradas será requisitada. Direi que foste tu que pediste! — a recepcionista que tanto brinca agora afirma de modo sério.

 Dizer que fui eu, o marquês de Conflagratus, que reportou isso faz o fato ser mais importante do que se fosse por reportado por quaisquer. Tornar-se-á uma necessidade a ação no assunto.

 — Obrigado — solenemente agradeço.

 Com ambos objetivos cumpridos, eu desejo boa saúde a avozinha de 23º grau dela. Ela ri, com vergonha, troco minhas derradeiras palavras e finalmente decido continuar em frente em minha vida.  

Sou um homem ocupado. Tenho cousas a fazer. Um exemplo? Bem, comprar as ilustres joias vermelhas da Beatrix…

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Olá, eu sou o Abner!

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