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Uma caneca de café, uma mochila relativamente leve e o ar puro da Selva de Concreto. Fazia tempo que Huan Shen não saía das regiões frígidas e molhadas do Palácio Congelado. Estar viajando pelo mundo após sua dispensa parecia as tão sonhadas férias que desejou.

Foram sete anos de duro, doloroso e complicado serviço. Porém, houveram muitos momentos recompensadores. Ele não era mais o estrangeiro patético com pena de si mesmo que chegou naquelas terras há sete anos, agora Huan Shen era um novo homem. Alguém que finalmente estava retornando  para a sua terra natal depois de muito tempo.

“Trocar o frio pelo calor nunca, mas nunca será uma boa ideia.”

A Selva de Concreto não era um dos lugares mais favoráveis para se viajar e Huan Shen sabia muito bem disso. A mata era fechada e densa, o calor poderia ficar rapidamente insuportável e os insetos eram pestes ansiosas para te infectar com as piores doenças que a humanidade já viu. 

Havia cerca de dois dias que Huan Shen estava procurando o rastro do grupo de bandidos liderados por uma mulher de cabelos vermelhos. Obviamente, haviam muitas mulheres de cabelos vermelhos, porém apenas uma andava rodeada de homens com fichas criminais extensas.

Os últimos relatos indicaram que ela estaria dentro da região da Selva de Concreto. Era uma aposta arriscada, mas ao mesmo tempo bem aceitável. Se você seguisse a trilha, conseguiria se manter seguro na maioria das vezes. Porém, estar dentro da área densa da selva, era pedir para ser estripado e engolido vivo pelos monstros que a habitam.

Com o seu facão, ele abria caminho através daquele lugar abandonado pelos deuses e reclamado pelos demônios. Após caminhar um pouco, ele parou e retirou da bolsa um caderninho velho.

“Deixa eu ver aqui…Bartholomew Michar, conde na cidade de Magna Crux, quer que eu resgate a sua neta que foi sequestrada pelo bando dos Capa-Verde. Adicionalmente, deseja que a sua líder e todo o seu grupo sejam eliminados. Por que não levados à justiça? Isso é um pouco demais!”

Matar não era um problema para Huan Shen, é só que aquilo era muito arriscado e poderia haver perda de informação sobre o que eles faziam. Se ele pensava que essa missão seria realizada por um grupo, seria perda de tempo, pois os Capa-Verde já tinham histórico de despistar grupos maiores.

 “Garota, dezesseis anos, cabelos e olhos castanhos, atende pelo nome de Lily. Desapareceu junto com diversos moradores na cidade de Polimnia em um arrastão realizado por um grupo de bandidos usando capa verde…Fascinante.”

Ele sabia que não poderia entrar sem um plano. Qualquer erro e a vida dos reféns, incluindo a garota, poderia ficar em perigo.

“Acho que ouvi alguma coisa…”

Se apoiando na árvore mais próxima, ele marcou um “X” nela e rapidamente a escalou para ganhar terreno alto, onde conseguiu ter um panorama melhor do lugar. A poucos quilômetros, viu um acampamento montado em uma área descoberta da selva. 

Homens com arco e flecha, lanças e espadas faziam uma ronda constante, enquanto outros vigiavam a parte interna. Era possível ver um grupo de pessoas amarradas e bastante cansadas sentadas próximas a uma fogueira apagada. Havia uma tenda maior um pouco mais para trás, na qual ele presumia pertencer a possível líder do bando.

“Contei quinze daqui de cima, todos pesadamente armados…difícil… nah, eu vou vencer!”

Huan Shen alongou os braços e pernas, fez alguns polichinelos, estalou os dedos e seguiu em linha reta em direção ao acampamento. Olhou para cima, viu o sol quase se pondo entre as copas das enormes árvores e resolveu apertar o passo. Confronto noturno era algo muito arriscado.

Como forma de precaução, ele colocou  sua mochila amarrada em um cipó no topo da árvore onde estava. Havia algo muito importante ali que não poderia ficar em risco estando próximo dos bandidos.

Ao se aproximar mais um pouco, já percebeu que estava sendo observado. Seu facão estava devidamente guardado na bainha e seu corpo estava devidamente relaxado. Sabia que um movimento errado poderia colocar tudo a perder, ainda mais que estava se tratando de outras pessoas.

“Contei dois arqueiros, cada um me flanqueando por um lado diferente.”

Não demorou muito até chegar no portão principal, onde dois vigias rapidamente apontaram as suas lanças. Era possível ver uma lâmpada com um fogo prateado pendurado em cima da entrada.

“Uma lâmpada sagrada? Então é por isso que não são atacados por monstros. Eles devem ganhar muito bem para terem conseguido uma coisa dessas.”

— Olha só, Marcos! Parece que temos alguém perdido por aqui! O que a gente faz com ele?

O outro vigia deu um sorriso.

— Não faço ideia, Waid. Ei, você! O que está fazendo aqui? Não sabe que é perigoso andar por aí pela Selva de Concreto?

— Eu sou um negociador — disse Huan Shen. — Preciso falar com o seu líder, meu benfeitor irá pagá-lo bem caso tudo dê certo.

Ambos os bandidos se entreolharam. Não importava se ele estava dizendo a verdade ou não, ele seria capturado e vendido com todas as pessoas ali junto. Mas se houvesse um cenário em que eles pudessem lucrar um pouco mais, eles aceitariam de bom grado. 

Waid foi até o jovem na sua frente e começou a revista-lo, procurando qualquer arma oculta ou similar. Vendo que não tinha nada de relevante, removeu o seu facão e deu um tapão nas costas de Huan Shen, este que se inclinou um pouco para a frente, se contendo para não revidar a porrada.

— Vamos! E é bom que você não desperdice o nosso tempo, ou então arrancaremos seus braços e um dos seus olhos, depois te deixaremos vagando pela selva à mercê dos monstros.

Waid começou a guiar Huan Shen acampamento adentro, com a sua espada apontada para as costas dele. À medida que entrava, o jovem analisava o local interno. O local era cercado por estacas de madeira grossa, provavelmente para servir como uma espécie de pseudo-fortaleza. 

Ali, era possível ver o desânimo na cara dos prisioneiros, uma conversa descontraída entre os bandidos e o som dos cavalos relinchando. As correntes que prendiam aquelas pessoas pareciam ser farpadas, como se fosse uma punição para caso tentassem se mexer ou fugir.

“Isso é doentio, na moral!”

Os dois adentraram a maior tenda daquele lugar. Huan Shen fez uma rápida análise do local: uma mesa de madeira desmontável, com uma lâmpada, diversos sacos de moedas e joias, um papel com informações de contabilidade, um papel com uma imagem de “Procurado”, um jarro cheio de dedos e um punhal ensanguentado cravado na mesa.

“Esse lugar deve ter coisas interessantes para se investigar.”

Havia um baú com três trancas no canto da tenda, com algumas marcas em seus cadeados com segredos, indicando tentativas de arrombamentos e algumas manchas de sangue avulsas sobre ele.

— Senhora, eu trouxe um mensageiro que afirma ser um negociador.

Huan Shen encarou a mulher sentada do outro lado da mesa. Cabelo longos avermelhados na altura dos seios, várias marcas de cicatrizes ao longo de um corpo acostumado com os mais diversos confrontos. 

Ela usava um jacque vermelho e tinha um cajado de madeira bem entalhado com um crânio de corvo na ponta. Seus olhos castanhos escuros alcançaram os olhos azuis vítreos do jovem, como um predador encara a sua próxima refeição.

— Um negociador? Normalmente eles costumam mandar um bando de mercenários — disse ela, se levantando enquanto retirava a adaga sobre a mesa.

Huan Shen estava com a resposta na ponta da língua, porém não poderia quebrar o disfarce naquele momento. Era melhor parecer um nobre negociador, para garantir o bem-estar do negócio.

— O meu contratante prezou pela discrição e segurança. Ele pode pagar generosamente pela vida da sua sobrinha.

Se movendo cautelosamente, ele abriu o bolso do seu manto e retirou uma pequena bolsa de couro. Ao abri-la, foi possível ver um punhado de pequenos diamantes. Sem hesitar, a ladra rapidamente tomou a bolsa da mão de Huan Shen e começou a contá-los.

— Hehe! É disso que estou falando! Por que eles estão gelados?

— É…por causa do encantamento que foram submetidos. É para preservar o brilho e a densidade.

A mulher achou estranho, mas isso pouco importava, já que estava muito mais rica. Se vendesse aos seus compradores certos, ela finalmente poderia sair dessa vida desgraçada de bandida e finalmente comprar um terreno em alguma cidade do Santo Império. Era só pagar uma nova identidade, uma reforma visual e que se foda o resto.

— Então, temos um acordo? — perguntou Huan Shen, vendo a clara ganância da moça a sua frente.

Colocando os diamantes dentro da bolsa novamente, ela os colocou dentro do seu sutiã.

— Claro que temos! Vamos ver essa tal pessoa privilegiada que você veio resgatar! A propósito, meu nome é Farizah — disse ela, com um sorriso completamente suspeito no rosto.

— Nome de guerra?

Ela deu um sorriso.

— Temos que saber dividir a vida profissional da vida pessoal, não concorda?

“Parece verídico, mas tenho minhas dúvidas.”

Ainda escoltado pelo Waid, Huan Shen e Farizah seguiram até onde os prisioneiros estavam sendo mantidos. De perto, a situação era ainda mais revoltante. 

As feridas em seus pés indicavam que eles estavam andando descalços por bastante tempo. Eles estavam bem magros, não deveriam tomar banho ou se alimentar de forma decente há vários dias. Eram poucas pessoas, mas claramente havia rastros de que outros prisioneiros já haviam habitado aquele lugar.

“Cara, isso é deprimente.”

— Então, quem é a pessoa privilegiada? — perguntou Farizah.

Huan Shen se esforçava ao máximo para não olhar nos olhos das pessoas, isso comprometeria o seu raciocínio e julgamento. Não demorou muito até achar a garota da descrição em seu caderno. 

Lily residia retraída no canto. Seus cabelos castanhos estavam sujos e seus olhos estavam sem nenhum brilho. Havia uma tigela velha do seu lado com restos de pão que aparentavam estar mofados. Aquela garota poderia estar até doente e não ter condições de completar a viagem se não fosse tratada apropriadamente.

— Aquela garota ali no canto. Vamos partir imediatamente.

Ele se agachou perto da garota, que rapidamente cobriu seu rosto e se afastou. Era uma reação aceitável, dada a sua natureza desconhecida.

— Ei, fica tranquila, tá? Seu avô me enviou aqui. Vamos sair desse lugar muito em breve.

Retirando uma calêndula de um dos bolsos, Huan Shen de um sorriso e a ofereceu, esta que com certo receio, retirou a mão dos seus olhos e a moveu para pegar a planta. Os olhos dela indicavam que havia muito tempo desde que alguém tinha sido gentil com ela. De repente, uma mão tocou no ombro dele.

— Acho que houve um pequeno engano, querido — Farizah colocou a mão no seu ombro. — Dissemos que iríamos libertar a garota, mas isso não se aplica a você. Leve-o para a minha tenda!

Nem um pouco surpreso, Huan Shen seguiu Waid para dentro da tenda sem resistir. Eram traficantes de pessoas, claramente eles não iriam perder a oportunidade de adicionar uma pessoa a mais na lista. Ao chegar lá, Waid deu um tapa nas costas do jovem e saiu andando enquanto ria.

“Esse cara tá muito fudido na minha mão.”

— Achei que tínhamos um acordo — disse Huan Shen, claramente indignado.

Farizah se apoiou na mesa, retirando os diamantes do seu sutiã.

— Oh, querido! Mas eu tô cumprindo meu acordo! Vou pedir para um dos meus homens levá-la até a cidade mais próxima e largá-la por lá. Agora, se algo acontecer com ela no meio do caminho…um monstro, alguém mal-intencionado, vai saber? É a Selva de Concreto, só tem maus presságios para esse lugar.

Huan Shen respirou fundo. Aquela situação era esperada, mas era estressante de qualquer jeito.

— Provavelmente já devem ter te dito isso, mas você sabe que o que está fazendo será cobrado por alguém um dia, né? E as pessoas não costumam ter pena de traficantes de pessoas. Tem noção de quantas vidas está arruinando? Isso terá consequências graves para você!
— Mas é claro! — disse ela, admirando os diamantes. — E eu tô pouco me fodendo para isso! Graças a você, eu estou muito rica e com dinheiro o suficiente para sumir do mapa. Se essa tal consequência existe, cadê ela que ainda não me achou?

Ela já tinha escutado baboseiras morais daquele tipo dezenas de vezes e quase sempre acabava com o seu punhal no pescoço deles. Toda a sua vida tem sido pela lei do mais forte e ela sempre dava um jeito de garantir sua presença no topo. 

Com aquele dinheiro, compraria uma casa, uma lojinha, quem sabe até mesmo um bordel? As possibilidades eram várias. Farizah mordeu um dos diamantes para saber se eles eram tão duros quanto imaginava.

— O que é isso? — disse ela, completamente confusa.

Tudo que ela conseguiu escutar foi um “crek”. De repente, um líquido começou a escorrer até sua língua. Ela torcia para que fosse seu dente quebrado, mas o pior dos cenários aconteceu: era água. Tinha acabado de mastigar um pedaço de gelo.

— Os diamantes…são falsos!

Como se não fosse o bastante, sua boca começou a ficar dormente e uma onda congelante tomou conta do seu corpo. Ao olhar para as mãos, camadas de gelo começaram a se formar rapidamente.

— Desgraçado! Quem é você?

Huan Shen retirou o manto que cobria o seu corpo, permitindo a ela ver quem realmente estava ali. A armadura tática leve e azulada, o dragão cerúleo tatuado no braço e o colar de identificação azul-cobalto. Ele era um mercenário do Palácio Congelado.

— Eu sou a sua consequência!

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Olá, eu sou Kuai Liang!

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