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Henry enchia sua caneca favorita com café pela primeira vez no dia. O cheiro dos grãos torrados, o som da bebida quente atingindo o fundo do copo e o silêncio dentro do escritório do capitão o davam uma profunda paz. Duas colheres de chá de açúcar, dois dedos de leite fresco, um dedo de chocolate líquido e um pouco de chantili na superfície.

— Caralho! Eu mandei bem demais agora! — disse Henry, sussurrando.

Com duas canecas em mãos, o jovem loiro saiu do escritório do seu chefe e foi direto para o pátio da guarda imperial de Santa Marília. O dia tinha acabado de raiar, mas era dever de um tenente estar ativo o mais cedo possível para manter a paz na cidade tão estimada pelo imperador.

“Já são seis e meia, é estranho que o capitão ainda não tenha aparecido…”

Durante seu percurso, ele conseguiu ver vários dos seus colegas guardas realizando suas rotinas diárias, como ajustar os uniformes, trocar suas armas, comer um pãozinho e jogar conversa fora antes dos seus turnos começarem plenamente. Apesar de tudo isso, sua atenção estava direcionada a outra pessoa.

“Deuses, ela não pega leve nem um único dia!”

Com movimentos rápidos, ritmados e constante, Mira treinava sua esgrima com uma concentração e força de vontade assustadora para qualquer um que passasse perto. Sua espada era do modelo imperial de cavalaria, sendo necessário o uso de duas mãos para maximizar a potência dos seus golpes. Henry se sentou em uma sacada relativamente próxima, assistindo o treinamento da sua parceira com profunda admiração.

“Se ela continuar desse jeito, vai ser promovida a cavaleira imperial muito em breve.”

A cada golpe que Mira realizava, era possível ver os fragmentos de chi sendo formados no ar. Eles se manifestavam como pequenos cristais flutuantes alaranjados, que desapareciam logo em seguida, como uma suave chama. Desde os seus dez anos de idade, seu pai, um cavaleiro imperial, colocou uma espada em sua mão e a ensinou as artes marciais da Esgrima da Ventania Flamejante. Por causa disso, toda vez que usava sua esgrima, o ambiente começava a esquentar.

— Treinando desse jeito, vão até te confundir com um homem, Mara! — disse Henry, com uma pitada de sarcasmo.

A garota desferiu um último golpe no ar, deixando uma pequena trilha de fumaça. Então, respirou fundo e se apoiou em sua espada, encarando seu parceiro de trabalho.

— Se você treinasse desse jeito, quem sabe não te confundiam com um também? — respondeu ela.

Era possível escutar algumas risadas vinda dos guardas nas proximidades, o que dificultou Henry de esconder seu sorriso amarelo. A mulher se escorou junto ao mesmo, pegando uma das canecas que o mesmo tinha trazido.

— Nada melhor que um café puro e forte pela manhã! — disse Mira, contemplando o sabor.

— Sua masoquista do caralho! Como alguém bebe isso sem sequer botar um pingo de açúcar?

Mira ergueu uma das sobrancelhas.

— Henry, você já tá entrando na casa dos trinta. Se alguém souber que meu parceiro toma café colocando chocolate, leite, bombom, pirulito, algodão-doce e toda a confeitaria, como vai ficar a minha reputação? Seria triste dizer que meu melhor amigo se aposentou por ser diabético.

— Eu já estou no cultivo do Refinamento Corporal tem uns três anos, eu consigo lidar facilmente com algo tão besta quanto açúcar. Você que deveria comer alguma coisa! Tá treinando aqui tem quanto tempo? Duas horas?

Mira soltou seus longos cabelos e continuou tomando seu café.

— Três. O capitão já está aí?

— Da última vez que estive na sala dele, o dito cujo ainda não tinha chegado. O que é estranho, ele sempre tá aqui as seis em ponto. Do jeito que ele é todo chato com atrasos, você acha que deve ter acontecido alguma coisa?

— Deve ter sido algum problema em casa então, porque não deve ter ninguém em Santa Marília que possua o nível do capitão. Cara! Eu tô toda suada, vou tomar um banho e me apresentar pro serviço. Te vejo mais tarde?

Henry deu um pequeno aceno com a cabeça. Mesmo que tenham se conhecido a apenas dois anos, ele e a Mira tinham uma química única quando trabalhavam juntos. Como ela era filha de um dos seus amigos mais próximos, ele a tinha como protegida. Apesar da sua postura descontraída e meio frívola, Henry poderia encarnar um demônio caso algo acontecesse com ela.

Enquanto terminava o seu café, o mesmo viu o pessoal do turno anterior retornando para guardar suas coisas e finalizar o expediente. Mas algo chamou sua atenção: um dos guardas estava com uma compressa gelada na cabeça e estava com o nariz quebrado. Outro possuía uma marca de sujeira no rosto e também sofreu danos em seu nariz. Porém, o pior deles estava com um enorme inchado no rosto e seus olhos estavam repletos de medo.

“O que caralhos aconteceu com eles?”

Com a xícara em mãos, ele se dirigiu até onde os guardas estavam residindo. Seus colegas os ajudavam a enfaixar os ferimentos e com as compressas geladas. Quando observaram o Henry se aproximando, imediatamente prestaram continência.

“Calma aí, pessoal! Sou só um tenente.”

— Caramba, vocês estão horríveis! O que aconteceu? Um grupo de bandidos ousou atacar o portão principal?

Havia um pouco de receio entre os guardas, algo que Henry captou imediatamente. Qual era o motivo de todo aquele mistério?

— Não foi um grupo, senhor! — disse Alfred, segurando a compressa na boca. — Foi apenas um bandido usando artes marciais, que nos pegou desprevenidos e atacou com profunda brutalidade. Se não fosse o capitão, estaríamos mortos.

Aquilo acendeu a ira do tenente. Se havia algo que acreditava de todo coração, era que as artes marciais deveriam ser usadas apenas para duelos justos e atingir a iluminação através da prática. Usá-las para ferir as pessoas inocentes que estavam apenas cumprindo seu dever era uma coisa hedionda e que deveria ser punida com toda a extensão legal.

— Desgraçado! Alguém conseguiu alguma informação sobre ele? Aparência, forma de falar, qualquer coisa?

Alfred se sentou novamente. A martelada ainda ecoava na sua cabeça, deixando-o levemente desorientado.

— Infelizmente não, senhor. Ele estava usando artes furtivas e seu rosto estava coberto. Se eu fosse um pouco mais forte…me perdoe, senhor.

Compassivo, Henry colocou uma mão no ombro do guarda, enquanto mostrava um sorriso gentil no rosto.

— Descanse e trate suas feridas, Alfred. Vou garantir que esse bandido seja encontrado e arrastado até um tribunal. Agora, vou encontrar o capitão para ver o que podemos fazer, beleza? Se cuida.

Mesmo que aquelas palavras tenham trazido conforto ao coração de Alfred, ele sabia que tudo aquilo estava acontecendo por causa das suas ações corruptas. Não conseguia deixar de sentir o peso na sua consciência, mas também sabia que se alguém tivesse que ser culpado por tudo, era melhor aquele cara estrangeiro do que um dos seus.

Após conversar com outros guardas no caminho, Henry entrou novamente dentro do escritório do capitão. O cheiro de charuto preenchia o ar, apesar da janela estar aberta. Mira já estava presente, completamente pronta para agir.

— Bom dia, Capitão! Soube que já começou o dia em atividade — disse Henry, puxando uma cadeira.

Havia dois comprimidos analgésicos do lado de uma pequena xícara de café. O charuto entre seus dedos queimava continuamente, enquanto Fincher parecia perdido nos seus pensamentos. Era perceptível que havia uma faixa em seus braços embaixo da longa manga do uniforme. Como um cultivador, Henry notou que havia energia residual do corpo celestial do capitão sendo emitida.

“O Capitão usou o Corpo Celestial dele? Porra, eu queria ter visto essa luta!”

Após uns segundos em silêncio, Fincher retornou ao seu estado de consciência. Vendo seus subordinados ali, percebeu que não poderia vacilar daquela forma ou então perderia a confiança deles.

— Não estou com o melhor dos humores, então serei rápido. Hoje, quando resolvi chegar mais cedo no portão principal da cidade, presenciei um ataque realizado por um único homem aos nossos guardas. Mesmo que ele não seja tão forte quanto eu, ele é veloz, brutal e com uma capacidade impressionante de se adaptar. Até cheguei a subjugar o elemento, mas aparentemente tem alguém cobrindo as costas dele. Sua arte marcial é bem peculiar, pautada no uso de gelo para criar armas e criar oportunidades.

Mesmo sem demonstrar, era perceptível que Mira tinha se interessado pelo caso. Afinal, era o extremo yin dele contra o extremo yang dela. É intrínseca a rivalidade inata nessa situação. Apesar de não se conhecerem, estavam destinados a se combaterem.

— Ok, então quais são as nossas ordens? — perguntou Henry.

Fincher tomou um gole de café e engoliu um comprimido no seco, o que causou um certo desconforto nos tenentes.

— Irei pedir para o nosso ilustrador fazer um retrato falado baseado no que eu me lembro das feições dele. Além disso, eu consegui decorar a assinatura do chi dele, então posso encontrá-lo assim que estiver perto dele. Vocês dois, em que caso estão trabalhando?

— Estamos seguindo os rastros dos Capas-Verdes, capitão! — disse Mira, dando um passo à frente. — Porém, sempre que estamos chegando perto de algo pra trabalhar em cima, alguma coisa atrapalha. Estávamos seguindo supostos rastros de tráfico humano, mas não temos a menor noção das suas rotas ou como estão operando. É como se alguma coisa os protegesse.

Fincher entendia a frustração da sua subordinada, porque ele sabia que era verdade. Não havia como uma organização criminosa conseguir operar tão bem nas cidades imperiais sem apoio de gente com poder financeiro. Em Santa Marília, as ações criminosas creditadas aos Capas-Verdes “indiretamente” estavam beneficiando os Caraveche com aumento de verba imperial e os Bakir com um monopólio dos territórios.

— Entendo. Conseguimos efetuar alguma prisão? Algum informante ou qualquer coisa do tipo?

— Infelizmente não, capitão. As pessoas na rua têm bastante medo do que os Capas-Verdes podem fazer e não temos pessoal qualificado o bastante para garantir que eles ficarão seguros. E também, nunca conseguimos pegá-los em flagrante ou fugindo, apenas temos relatos de suas ações — respondeu Mira.

Henry possuía um enorme senso de frustração. Era como se eles estivessem brincando na cara da autoridade imperial e saíssem ilesos. Até onde ele sabia, era capaz de estarem rindo impunes nesse exato momento em algum lugar. Isso o enfurecia bastante. Vendo isso, Fincher percebeu que poderia matar dois coelhos com uma cajadada só.

— Abandonem as investigações por enquanto. Nosso foco vai ser descobrir quem é esse cara que eu confrontei mais cedo. Eu tenho a sensação de que ele possa saber alguma coisa sobre isso. Irei dar a ordem para todos os guardas revistarem qualquer pessoa que entrar ou sair pelos portões da cidade, só pra garantir que ele não fuja. Depois, vamos passar um pente-fino em todos os lugares. Ele deve estar bastante machucado, então vamos nos aproveitar disso. Nossa prioridade é capturá-lo vivo, mas ele é um sujeito de alta periculosidade, não se esqueçam.

Mira deu um sorriso. Finalmente poderia colocar suas habilidades a prova novamente em campo. Vendo essa animação, Henry ficou levemente preocupado com sua amiga. Era a primeira vez que estariam enfrentando alguém que deu trabalho até mesmo para o Capitão. Mesmo que a força dela fosse algo reconhecível, sua falta de experiência poderia ser fatal.

“Que tipo de pessoa esse cara deve ser? Melhor achar ele depressa e jogá-lo na prisão.”

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Olá, eu sou Kuai Liang!

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