Em uma sala grande com uma mesa oval no centro, quatro homens se reuniram. Esses eram os principais responsáveis pelo gerenciamento e proteção do Brasil. A organização era como um fragmento da Strike Down ou uma subsidiária que mantinha o controle dos portadores e cuidavam dos assuntos relacionados a eles no país — ou deveriam estar fazendo isso.
A sala era bem elegante e tinha um ar de seriedade. Sua cor era branca e a luz e a visão da cidade mostravam que ela estava localizada em um prédio bem alto. Seus móveis eram todos marrons, deixando um ótimo equilíbrio entre as cores do ambiente.
Esses quatro homens se juntaram para um tópico que não poderia ser adiado ou deixado de lado em qualquer circunstância. Eles chegaram à sala um pouco mais cedo como formalidade e estavam esperando por seus convidados.
Em alguns minutos, Eugênio, Bruno, Célia e Ronaldo entraram pela porta branca do local e cumprimentaram a todos os presentes com um aceno.
Um dos homens estalou a língua levemente demonstrando desgosto pela presença da família. Este era Alfred. Em seguida, todos se sentaram, ocupando as oito cadeiras disponíveis em volta da mesa.
O clima do ambiente não parecia amigável e todos sentiam uma palpitação em seus corações. Visto que o assunto que seria tratado naquele momento não era algo que poderiam ser discutido na hora do almoço. Era algo que precisava de um tempo dedicado unicamente a ela.
“Muito bem. Agradeço a presença de todos.” Um homem alto com um terno cinza se levantou e anunciou o início da reunião. Era Abner, o presidente, que se aproximava da casa dos 40 anos. Ele fazia parte da operação e estava na liderança dela desde que a primeira falha de Eugênio ocorreu.
Além dele, haviam mais três envolvidos. Louis, o diretor executivo, era um homem com a idade avançada, mas que mantinha sua mente fria e calculista em ótimo estado. Durante sua vida, derrubou e levantou diferentes líderes para as operações de grande escala e parecia que Abner não era diferente de todos os outros para ele. A qualquer sinal de dificuldade, Louis não hesitaria em arrancá-lo do pódio.
Alfred, o gestor. Apesar de ser alguém rígido não só com si mesmo mas com todos a sua volta, ele manteve o seu cargo por muitos anos e era o melhor no que fazia. Muitas vezes suas decisões consistiram na morte de alguém, no entanto, ele nunca foi julgado como errado nessas ações e era muito respeitado entre os seus subordinados.
Por último estava Isaac, o supervisor. Apesar do cargo, entre esses outros três, ele era o que menos tinha direito de fala — talvez por ser o mais novo. Sempre obedecendo suas ordens de cabeça baixa e cumprindo suas responsabilidades com afinco. Embora questionasse os métodos de seus superiores, ele não hesitava em cumpri-los.
“Agora, damos início a esta assembleia.” Abner pronunciou essas palavras e todos os presentes balançaram a cabeça em concordância.
O tópico inicial que seria discutido, era o acontecimento mais recente — o ataque na instalação da qual Eugênio era o responsável. O líder da família Ferreira abriu a boca e entregou tudo. Sem hesitar, ele afirmou que Arthur era o responsável pelo ataque.
O alto escalão escutou com atenção antes de darem suas sentenças.
“Quer dizer que Arthur invadiu a base e destruiu tudo?”
“Sim, isso mesmo.”
“E você sabe o motivo?”
“Não, senhor. Eu não sei qual foi a motivação dele para fazer isso… No entanto, tenho duas teoria”, Eugênio afirmou.
“E qual é?” Abner deu voz ao interesse de todos.
“Quando estávamos punindo Arthur, ele disse algo que foi interessante. Ele sugeriu que Jade estivesse manipulando Mayck e lhe deu ordens para mentir para ele.”
“Oh-ho… E isso é possível?”
“Existe uma chance, senhor.” Bruno respondeu. “Mas é inviável que Jade tente nos trair. Ela sabe das consequências.”
Todos ali sabiam o que eram as consequências. Se Jade os traísse, ela corria o risco de perder Lorena, que ela tentava tanto proteger e ser punida severamente.
“Faz sentido. E existem outras ideias?”
“Sim… embora seja a mais improvável.”
A hesitação de Eugênio aumentou a curiosidade de todos ali. Eles se inclinaram e mantiveram seus olhos no homem, esperando a continuação da teoria. Eugênio disse lentamente, palavra por palavra, uma coisa que não parecia ser possível, mas que era a mais aceita.
“Existe a chance de ser Mayck quem está manipulando Jade, fingindo estar sob o controle dela. É possível que ele tenha arquitetado isso, fazendo com que Arthur destruísse o laboratório.”
Após Eugênio dizer tudo o que tinha para relatar, ele fechou a boca. Todos ficaram pensativos, porque, realmente, aquela era a ideia mais fácil de aceitar e a mais interessante. O que fazia Eugênio e o resto da família duvidar dela, era a lealdade de Jade. Durante todos os anos interagindo com ela, eles puderam notar seu comportamento obediente e podiam garantir que ela fazia qualquer coisa pela segurança de sua irmã mais nova.
Apesar de tudo isso, havia alguém na sala que não estava dando a mínima para uma teoria ou outra. Ele estava preso unicamente nos fatos e não daria chance de deixar passar uma oportunidade de insultar Eugênio e dar ênfase na ideia de tirá-lo da operação imediatamente.
“Há. Que grande idiota. Ser traído pelo próprio neto… você decaiu, Eugênio.” Por pura diversão, Alfred o insultou. “Deveríamos tirar você da operação antes que nos atrapalhe de vez.”
“Se acalme, Alfred. Nós sempre soubemos que as coisas poderiam dar errado e combinamos de suportar durante três vezes.” Abner tentou apaziguar seu companheiro alterado.
“Se nós tivéssemos feito tudo desde o início não estaríamos nessa situação. Vocês são muito molengas.” Alfred estalou a língua, frustrado. Ele foi o único que se opôs até o final à decisão de deixar Eugênio fazer tudo sozinho. Porém, acabou cedendo. Por causa disso, ele teve que silenciar a cidade inteira apenas para que ninguém interferisse nos planos e algo fora dos cálculos acontecesse.
“Já chega. Não é hora de discutirmos isso.” Louis interveio. “Eugênio, nós te demos três chances. Você sabe que a próxima tentativa é a última, certo?”
“Sim. Eu tenho ciência disso.”
Após a primeira falha ao completar um experimento que veio sendo trabalhado por anos e por indivíduos de várias partes do mundo, Eugênio apareceu com uma chama de esperança, afirmando que sabia como completar a invocação com sucesso e sem muito esforço. A organização aceitou isso, mas só haveria três chances para que ele obtivesse sucesso. Porém, por causa de problemas internos, uma grande falha ocorreu — uma peça fundamental para a realização dos planos foi retirada do jogo. Essa foi a primeira falha de Eugênio.
Por conta disso, ele levou anos para recalcular e preparar a segunda tentativa. E, depois de muitos erros de cálculos e teorias sem sentido, eles chegaram à conclusão de que a mesma ferramenta que eles perderam na primeira tentativa de Eugênio estava ativa em seu neto, Mayck Mizuki. Mas, existia um problema, antes do garoto ir embora, eles o desprezaram com o maior desprezo que tinham e isso os afastou da oportunidade — eles precisavam reaver seus laços com o garoto.
A ideia que saiu disso foi manter contato com os avós paternos de Mayck, Takafumi e Tomoko, usando a história de que seus filhos sentiam a falta do garoto e que estavam tristes por não possuírem informações dele. Os idosos, sendo muito bondosos, imaginaram que uma visita de Mayck poderia alegra-los e entraram em contato com ele. Jade e Lorena foram deixadas na casa do casal, para que se aproximasse totalmente deles, para formar um grande laço entre as duas famílias, mesmo após as perdas e isso levou àquela situação.
“Tendo isso em mente, Eugênio, eu te pergunto: você quer mesmo continuar e arriscar sua participação na operação? Eu vou te dar a opção de parar por aqui e se juntar a nós.” Louis sugeriu.
Mas parecia que a ideia de parar naquele ponto nunca havia passado pela cabeça desse velho senhor e isso o fez se levantar e elevar a voz um pouco desesperado.
“Espere, por favor, eu não posso parar agora. Isso tem sido o objetivo da minha vida durante muito tempo. Se eu parar agora tudo vai ser pra nada.”
“Eu falei que parar era uma opção. Eu vou manter a minha palavra. Essa será sua última tentativa. Estamos entendidos?”
“Sim.” Ele se sentou.
Alfred queria que ele desistisse, já que resmungou após a decisão de Louis.
“No entanto, mesmo que você tenha uma chance, você tem que ser rápido. Seu tempo está acabando”, Abner observou.
Os quatro membros da família Ferreira olharam para ele confusos, ou melhor, assustados. Aparentemente eles já tinham uma ideia do que se tratava e apenas não queriam pensar sobre.
“Vocês viram, não é? O pesadelo dos céus.”
Nem uma palavra foi dita. Nem era preciso dizer. O pesadelo dos céus era uma incógnita nos cálculos de todas as tentativas, desde o momento em que a ideia do THF surgiu. Ninguém sabia o que ele era exatamente, mas as teorias sugeriram uma criatura que vivia fora do plano original, um ser que podia se mover livremente entre as dimensões e causar um desastre catastrófico. Se ele se mostrou uma vez, então sabia-se que não havia muito tempo até a ressurreição completa do experimento ‘000 THF’.
Todos estavam cientes do perigo que estavam correndo, então ter o poder de controlar o monstro antes que ele nascesse era uma emergência que não podia ser adiada. Por isso era tão necessário que Eugênio se apressasse e concluísse seu trabalho. Não havia nenhum meio para impedir o nascimento do THF — uma vez iniciado, não poderia ser interrompido.
“Aah… fala sério. Se não fosse aqueles malditos irritantes, não estaríamos aqui tendo essa discussão idiota”, Alfred se queixou.
“Não adianta reclamar agora. Só temos que nos concentrar. A Strike Down e a Ascension não estão sabendo de nada. Isso é uma vantagem para nós. Se pegarmos a chave teremos o controle dele nas nossas mãos.”
“Mas… isso depende de como Eugênio vai agir a partir de agora. Sua neta está mesmo com a chave sob controle?”
“Ah, sim, está. Célia fez com que a ID da garota fizesse efeito em Mayck com sucesso.”
“Mayck, né? E pensar que Sophia seria tão tola ao ponto de passar algo tão importante para seu filho… chega a ser engraçado.”
“Assim é mais conveniente para nós. Poupou o trabalho de sair procurando, caso ela tivesse simplesmente liberado a chave no mundo.”
“Você tem razão”
Se a chave não fosse localizada tão facilmente, então eles teriam que seguir com a ideia de criar uma outra chave, e tal ideia levaria anos para ser completada, levando em consideração a magnitude de energia que eles precisariam utilizar apenas para conseguir replicar a ID de Sophia. Essa ideia ainda estava em desenvolvimento para que pudesse ser o último recurso caso Eugênio falhasse.
“Bom, acho que podemos encerrar esta reunião por aqui. O tópico principal era saber o lado da história de Eugênio. Vocês podem sair agora.” Abner encerrou a primeira reunião envolvendo a família Ferreira.
Ao ouvirem o término, os quatro se retiraram da sala, deixando os superiores a sós.
No entanto, mesmo após ele anunciar que a reunião estava encerrada, nenhum deles deixou a sala. Ao invés disso, a atmosfera entre eles se tornou sombria e passava a impressão de uma verdadeira reunião séria. Dessa vez, o que eles iriam discutir não poderia ser dito enquanto Eugênio estivesse por perto. A ideia era a de: nós não nos envolvemos nos assuntos dele e ele não se envolve no nosso.
“Então, o que vocês sugerem que façamos? Se este garoto, Mayck, for mesmo o filho de Sophia, então temos um problema a mais para lidar.”
“Eugênio afirmou que ele está sob seu controle, mas… não sei não, hein. Tem alguma coisa estranha.”
“Eu acho que devíamos pensar em algo, mantendo a possibilidade de ele estar fingindo, em mente.”
Todos concordaram. Eugênio falhou duas vezes de formas ridículas, não seria estranho se falhasse uma terceira vez. As apostas estavam contra ele. Apesar disso, o que mais lhes causava preocupação era Mayck. Se ele portasse a chave, não tinha como ele ser controlado pelo poder de alguém que nunca se fortaleceu. Era, simplesmente, impensável.
Para fazer a chave, Louis falou, Sophia gastou toda a sua energia e ela era uma bateria ambulante, uma portadora que deveria ser temida caso ficasse mais poderosa. Para suportar tanta energia como a que tinha na chave, um grande poder e capacidades intelectuais eram necessários — se Mayck podia se mover livremente mesmo com isso, então ele era alguém a ser temido.
“Parece que cometemos um erro. Não deveríamos ter dito que nossos olhos estariam fechados para os planos de Eugênio e não iríamos interferir. É possível que nós tenhamos abrigado um monstro sob nossas asas.”
“Então porque nós apenas não atacamos? Não importa se fazemos uma promessa a Eugênio ou não. Já sabemos que ele vai falhar de qualquer forma.”
“Não podemos fazer isso.”
Apesar de tudo, eles tinham uma reputação a manter. Essa era a única coisa que os mantinha na linha, visto que eles possuíam controle sobre todos os portadores do país.
“Só nos resta esperar. Vamos entrar em ação assim que o fracasso dos Ferreira for confirmado”, Louis afirmou com segurança.
“Mas o que faremos exatamente?” Isaac perguntou após levantar a mão.
“Não temos outra escolha a não ser ir com força total. Eugênio já deve ter deixado o garoto ciente de nossa existência e ele já sabe que está sendo mirado. Ele, com certeza, vai ser muito cauteloso.”
Nesse ponto, eles perceberam que cometeram um erro ao se esconderem nos bastidores e não prestarem atenção aos atores. Não sabiam o que Mayck estava fazendo e tudo o que podiam fazer era especular. Bastava que eles simplesmente se movessem e descobrissem tudo, entretanto, eles não queriam quebrar o trato com Eugênio.
“Nós mesmos nos prendemos em uma coleira. Não tem o que fazer agora. Só podemos esperar.”
“Sim. Mas vamos deixar as coisas prontas. Assim que chegar a hora, vamos com tudo. Por enquanto, sugiro que comecemos a vigiá-los.”
“Parece que é a única coisa a se fazer agora. Será bom se pudermos manter esse garoto afastado de nós por ora. Caso Eugênio falhe, é possível que ele venha até nós.”
“Sendo assim, vamos montar uma equipe para capturá-lo. Aí poderemos utilizar a chave sem interferência.”
Eles chegaram a uma conclusão. Iriam vigiar Mayck e quando Eugênio fosse tirado do jogo eles iriam capturar o garoto e utilizar a energia da chave para controlar o monstra que estava perto de nascer. Mas se isso não fosse possível, eles iriam eliminar o garoto e dar continuidade no que estavam trabalhando e ter Mayck com eles aceleraria o processo.
“Agora que chegamos a esse ponto, temos que nos apressar”, Louis afirmou. “Os Ninkais estão coletando as almas cada vez mais rápido e isso diminuiu nosso tempo. Precisamos ser mais rápidos que eles.”
Uma das condições para a criação do The fake human era um grande número de almas. E os Ninkais eram os responsáveis por isso. Eles não estavam apenas se alimentando das pessoas aleatoriamente.
Aparentemente, partir com violência para subjugar Mayck foi tudo o que lhes restou. E, claro, eles não consideraram o diálogo, julgando que eles estavam atrás do garoto para usá-lo na criação de uma criatura que podia, facilmente, dar um fim na humanidade.
Ouvindo isso, Isaac mordeu os lábios. Ele parecia não concordar com os planos nem de Eugênio nem da organização. Porém, ele não tinha a coragem necessária para se impor. Ele só estava ali porque foi obrigado. Se não fizesse isso, morreria. Algo que ele gostaria de evitar.
A ideia de atacar Mayck não era viável para ele. Não, nem mesmo trazer uma aberração era algo que ele queria. As palavras ‘preciso fazer alguma coisa’ o torturavam.
Assim, a reunião foi encerrada.
|×××|
Depois de Alexander mover o corpo do agressor para outro lugar, Mayck continuou andando pelas ruas. A calmaria da noite fazia o barulho de minutos antes parecer uma ilusão. O garoto se via pensando em que tipo de movimento seus inimigos fariam. Ele caminhava sem rumo e não se importava com isso. Sua intuição o mandava ir para um certo lugar.
Quando se deu conta, ele tinha andando por horas e chegou a uma estrada nostálgica, mas não era uma boa nostalgia. Aquela faixa de pedestres, aquele farol queimado. Era o cenário perfeito para a volta de muitas lembranças.
Foi ali, bem ali, o local exato onde Alana teve seu fim. O poste onde o carro bateu havia sido substituído. A faixa de pedestres também tinha sinais de ter sido pintada novamente. Não havia indícios de que a vida de alguém havia sido tirada naquele ponto.
Há quanto tempo, hein. Tirando algumas coisas, não mudou nada.
O ar quente que Mayck exalava se dispersava no ar como uma névoa branca. Apesar de estar agasalhado, ele pôde sentir o frio penetrando por suas roupas e pôs as mãos no bolso, pressionando o próprio corpo. Ele perguntava a si mesmo como tudo aquilo poderia ter começado no passado. Era até engraçado pensar sobre isso.
Apenas aquela pequena chama de que as coisas começaram ali era o suficiente para fazê-lo querer ir mais a fundo nisso tudo. Mas ele precisava manter o controle. Do jeito que as coisas estavam, poderia dizer que esse era o caminho mais fácil. Se ele fosse diretamente na fonte do problema as coisas ficariam mais complicadas.
Colocando seus pensamentos no lugar, Mayck começou a pensar sobre tudo o que estava acontecendo desde a primavera passada. Tudo começou com uma pequena curiosidade, que o levou a usar sua ID pela primeira vez — que não era exatamente a primeira vez. Mas, deixando essa questão de lado, Mayck sabia que ele possuía algo que todos queriam e que, de alguma forma, tinha ligação com o experimento que não só Yang, mas um monte de gente queria realizar. Era inevitável que ele acabasse cruzando o caminho dessas pessoas. E foi esse caminho inevitável que o levou para aquele cenário em que se encontrava.
A chave, que era o que os perseguidores buscavam, fora criada por sua mãe para selar um ‘certo algo’. Não era necessário pensar muito sobre isso. Só precisava ligar os objetivos de Yang, com o que eles buscavam do garoto. O alvo era o The fake human. Com isso, Mayck pôde assumir que, para que sua mãe precisasse selar algo, esse algo precisaria existir nessa realidade.
O THF já havia sido trazido a esse mundo uma vez, mas foi parado por Sophia. Isso, por si só, já não era surpresa. Depois de ter concluído seu objetivo criando a chave, Sophia a selou em Alana e após a morte dela a chave e resíduos da alma da garota foram repassadas para Mayck.
Mas como…? Alana era só uma garota de 9 anos. Como ela saberia sobre tudo isso?
Existia a chance da chave ter contado tudo ou, simplesmente, ter feito tudo por ela. Era uma possibilidade. Mas o garoto sentia que não era a correta — havia algo mais que ele não conseguia imaginar. Contudo, isso era algo que ele poderia cuidar depois. O mais importante no momento era como lidar com a família Ferreira e como escapar das mãos da organização traidora que predominava no país.
Muito bem. O que você vai fazer, Vovô?
Após uma espreguiçada preguiçosa com as mãos ainda no bolso, Mayck tomou o caminho de volta para casa, lamentando por ter andando até tão longe.
Ao chegar em frente a casa dos avós, Mayck foi abordado por Alexander, que lhe disse que o homem que foi capturado um tempo atrás havia acordado. Foi uma pequena surpresa. O garoto havia pensado que ele levaria mais tempo para despertar. Então, os dois seguiram para o local onde ele foi preso.
O lugar era uma barraca velha caindo aos pedaços. Aparentemente foi a chuva que danificou a madeira por tantos anos. Além disso, o sol e o vento também tiveram um papel fundamental nisso. A barraca estava localizada nas matas um pouco mais afastadas da periferia que ficava a poucos metros de distância da grande cidade.
A chuva deixou o caminho lamacento e era horrível e impossível caminhar por lá sem sujar as calças. Um passo em frente e você escorregava e caia na lama. A falta de luz também tinha parte nisso.
Abrindo a barraca, Alexander deu espaço para o garoto entrar e apenas uma lanterna permitia a visibilidade naquela velha e monótona residência.
Alexander afirmou conhecer o indivíduo e o identificou como sendo um arruaceiro bastante conhecido nas redondezas. Era um cara que cresceu sem nome e viveu pelas ruas por muito tempo e isso o levou a se entregar para o mundo do crime, se tornando um traficante violento e temido por todos envolvidos no mesmo mundo. Quando Mayck olhou para ele, mesmo com a pouca luz, viu seus cabelos bagunçados, além dos vários ferimentos em seu corpo que deixavam vazar pequenas quantidades de sangue. O garoto percebeu imediatamente que isso era consequência de sua luta com ele mais cedo.
“O nome dele é…”
“Tá de boa. Eu não me importo com o nome dele.” Mayck interrompeu Alexander instantaneamente. Ele não queria saber sobre a identidade do homem capturado. A única coisa que importava naquele momento era saber sobre os portadores, a organização e qualquer coisa que tivesse relação com isso.
“Então, senhor Ceifador da Clava, eu tenho algumas perguntas, gostaria que você fosse educado e me respondesse com sinceridade.”
Mayck olhou nos olhos dele com a lanterna iluminando o rosto do capturado. Entretanto, o homem bradou em fúria, se chacoalhando na cadeira e tentando se soltar das grossas cordas que o prendiam. Mas em vão. A fita colada em sua boca tornava suas palavras inaudíveis, mas Mayck não precisava pensar muito para saber que estava sendo xingado. O que era justo naquele momento, pois o homem foi aprisionado depois de levar uma surra.
Para ele, aquela era a maior humilhação de sua vida. Desde que entrou para a vida do crime ele se ergueu como alguém inabalável que colocava qualquer marmanjo para correr apenas com seu olhar amedrontador. Quando manifestou sua ID, sua vida ficou mais fácil. Ele saiu por várias cidades, derrubando líderes de facções de tráfico de todos os lugares, ficando no pódio. No entanto, ele não era o único. Haviam outros líderes de outras zonas que se equiparavam a ele em poder e comandavam outras áreas.
“Eu quero que me diga sobre os portadores mais perigosos daqui.” Mayck pediu essa informação já tendo um plano em mente sobre o que fazer. Para que pudesse obter sua resposta, ele arrancou a fita que cobria a boca do Ceifador da Clava, que aproveitou sua ‘liberdade’ para jogar insultos e maldições para todos os lados. Era tão irritante que Mayck temia que acordasse a vizinhança. Como um método para evitar isso, Alexander deu um poderoso chute no rosto do homem — que caiu, consequentemente, e levou a cadeira junto por estar amarrado.
“Se você só queria saber disso, poderia ter me perguntado”, Alexander afirmou com uma certa decepção na voz.
“E quais as chances de você me contar?” Mayck sabia que seria complicado obter mais informações de Alexander. “E também, talvez ele tenha outras informações. Eu quero que você confirme o que ele disser.”
“Vão se ferrar. Acham mesmo que eu vou contar algo pra vocês dois?!” Ele continuou resistindo com sua voz que fazia as fracas paredes de madeira tremerem.
“Bom, eu vou começar a dizer algumas coisas”, Alexander falou. “Se você duvida de mim, então pode fazer esse aí confirmar.”
Mayck deu a palavra para Alexander e ouviu o que ele tinha a dizer. Existiam facções, ele disse, e cada facção possuía um líder que conquistou seu posto com mão de ferro, através de batalhas sangrentas ou pelo poder financeiro que tinha. Esses líderes tinham um pacto de não agressão uns com os outros, o que os permitia fazer o que quisessem desde que não causasse problemas em outros territórios. Miguel, o Ceifador da Clava, havia conquistado um desses territórios após derrotar os líderes da região e dos bairros, garantindo, assim, o seu governo na área. Entretanto, após alguns anos no topo, um homem conhecido como Falcão tomou o poder para si. Após perder tudo o que havia conquistado — respeito, dinheiro e outras coisas — Miguel foi expulso da área que governava, sendo obrigado a viver como um mero arruaceiro.
Mayck ouviu a história atentamente e, depois que Alexander terminou, ele já havia começado a pensar em algumas coisas.
“Você sabe sobre esses outros líderes também?”
“Na verdade, eu sei apenas os seus nomes. Nunca vi eles como uma grande ameaça para mim, de qualquer forma. Então nunca liguei para eles.”
Alexander deu de ombros e falou isso com bastante confiança. Dava a entender que ele subestimava os tais líderes. No entanto, não era só isso, Alexander tinha uma outra explicação. Ele não vivia naquela área, ele era um andarilho que viajava por todo o país, realizando qualquer tipo de trabalho mediante um pagamento justo. Era por isso que ele não se importava em saber todos os problemas de um certo local, já que ele não ficaria lá por muito tempo.
Isso acabava por ser mais um motivo para alimentar a teoria de que alguém estava vigiando os passos de todos que viviam no país. Se Alexander não ficava parado em um único lugar, então menos pessoas saberiam sua localização. No entanto, a organização o encontrou e o fez firmar um trato com Eugênio. Apenas alguém que possuía olhos pelo país inteiro poderia saber onde e quando alguém estaria em um certo lugar.
“Bom, Miguel, eu quero fazer um acordo com você”, Mayck falou e se abaixou próximo a Miguel, sem tirar a lanterna dos olhos dele.
“Vai se fuder” ele gritou. “Quando eu sair daqui, eu vou te matar.”
O garoto conseguia entender o motivo pelo qual Miguel, o Ceifador da Clava, queria tanto matar os outros. Ele havia sido completamente humilhado uma vez e, aparentemente, ser humilhado duas vezes acabou sendo demais para ele. Irritado, Miguel cuspiu na direção do garoto que se esquivou movimentando a cabeça para o lado. Em seguida, Mayck fechou os olhos e deu um pequeno sorriso.
“O que garante que você vai sair daqui? Eu posso muito bem te manter preso aqui e te deixar morrer de fome e desidratação. Isso se você não for picado por algum inseto problemático”, Mayck declarou e abriu os olhos. “Se você fizer um acordo comigo, eu vou restaurar o seu antigo poder. O que acha?”
“Ei, você tá falando sério?” Alexander parecia um pouco perturbado. Ele estava pensando que Mayck estava louco ao prometer algo assim. “Você pretende derrubar todo o sistema que eles criaram?”
“Hm? E daí? Tem algum problema com isso?”
“Ei, ei, você só pode estar louco mesmo.” Alexander não podia acreditar no que estava ouvindo. Ele sabia que Mayck estava desesperado, mas querer fazer algo daquela magnitude ultrapassava o estado de loucura. Restaurar o antigo poder de Miguel significava derrubar o líder, Falcão, e tomar o controle sobre a região. Algo assim, era difícil imaginar que os outros líderes ficariam quietos.
“Alexander, amigo, você deve estar me entendendo errado. Eu não disse que ia derrubar o tal do Falcão”, Mayck afirmou com tranquilidade. Essas palavras tranquilizaram Alexander, que respirou fundo acreditando na sanidade do garoto.
“Ah, é? Que bom. Então… o que você está planejando?”
“Eu vou controlar todos os líderes.”
Aquele breve momento de alívio… foi embora com um sopro. Alexander arregalou os olhos e segurou os ombros de Mayck. A lanterna que ele estava segurando iluminou apenas a parte de baixo de seus rosto e deu um leve destaque em seus olhos.
“Você…” Alexander pretendia dizer alguma coisa, mas ele se calou ao ver a expressão do garoto, que demonstrava que ele não estava brincando com suas palavras. “Isso é sério?”
Tal declaração não fazia sentido na cabeça de Alexander. Derrubar um dos líderes era loucura, mas declarar a derrota de todos eles… não havia palavras para descrever tamanha insanidade. Era como um rato enfrentar um grande bando de gatos sozinho, ou até algo mais louco que isso.
“Pense comigo, Alexander. Se Eugênio está atrás de mim, então isso quer dizer que quem quer que esteja o ajudando tem o mesmo objetivo. E se é uma organização inteira, então eles têm um grande número de subordinados ao seus serviços.”
Mayck queria dizer que eles precisavam de um grande grupo para enfrentar outro grande grupo. Sua conclusão foi a de que eles teriam uma chance maior de derrubar não só Eugênio e a organização, como poderiam até ter uma chance contra o Ninkai gigante. Alexander se afastou e ponderou sobre isso. De fato, era um plano que fazia sentido. Porém, o problema não era o plano em si, mas como ele seria executado. Seguindo a lógica, ele e Jade eram os únicos aliados de Mayck e se excluir Jade que não podia lutar, então era ele e Mayck contra centenas de portadores.
“É por isso que nós vamos ir contra eles um por um. Não deve ser tão difícil.”
“Cara…” Alexander acariciou o próprio rosto, ainda cético do que ouviu. “Eu ainda acho isso uma loucura sem sentido. Depois você fala que eu subestimo meus adversários.”
“Vamos. Você pode fazer isso, não pode? Se você for contra essa ideia, eu não vou reclamar se você pular fora.” Mayck falou solenemente. “Mas caso você saia disso, não entre no meu caminho e nem se envolva de maneira alguma.”
Embora ainda não tivesse engolido totalmente a ideia, Alexander não podia negar que sentia um pouco de curiosidade sobre como isso iria caminhar. É a primeira vez, ele pensou, que eu encontro alguém tão louco assim. No entanto, ele também pensou que poderia ter algum mérito nisso tudo, como pegar uma bela quantia em dinheiro e poder se afastar de toda essa bagunça — pelo menos por um tempo. Se tudo corresse como Mayck estava planejando, seria uma incrível carga de trabalho que custaria ao menos cinco anos da jornada de trabalho de Alexander.
“Beleza, eu tô dentro. Mas vou querer minha parte disso tudo”, ele determinou.
“Ótimo. Não se preocupe, depois de tudo, você pode fazer o que quiser. Eu só preciso de um apoio e de alguém que conheça bem a área.”
Miguel, que ainda se debatia furioso, foi indo do ódio para o desespero a cada troca de palavras que Mayck e Alexander tinham. Ele sentia que estava presenciando uma conspiração enorme e não podia fazer nada para impedir. Tudo o que podia fazer era presenciar a trama e raciocinar junto com eles — mesmo ele sendo um bodybuilder, ele ainda conseguia pensar um pouco sobre a grandeza do plano que estava sendo formado em sua presença.
“Vocês são doentes. Acham que conseguem derrotar todos eles? Eu não sei sobre os outros líderes, mas o Falcão é um maníaco. Vocês não têm nenhuma chance.” Ele pensou em fazê-los desistir disso. Mesmo não sabendo o motivo que tinha para tal.
“Você ainda tá latindo?” Alexander reclamou. “Fique quieto no seu canto. Se quiser cooperar, nós te soltamos. Mas se não quiser…” Ele tomou a lanterna de Mayck e iluminou o próprio rosto por baixo. “vamos ter que dar um jeito em você para que o plano não vaze.”
Não precisava ser um gênio para entender o que dar um jeito significava e Miguel tinha plena ciência disso. Apesar de tudo, ele também era um humano e tinha medo da morte. Mesmo cultivando ódio pelos dois por estarem esmagando seu orgulho, ele também sentia o medo de ser riscado da lista de inimigos — e não por ter se tornado um aliado. Esse medo fez sua mente girar e procurar meios de escapar do que o aguardava, mas ele não encontrava outra resposta que não fosse desistir e se aliar a eles. Em sua visão, aqueles dois, Mayck e Alexander, que não passavam de duas presas que logo seriam destruídas, começaram a parecer mais altos para ele, chegando ao nível de se tornarem monstros perto dele. Miguel não tinha essa impressão de inferioridade desde que foi derrubado e humilhado por Falcão.
Novamente, Mayck encarregou Alexander de buscar informações sobre os líderes e deu a ele a tarefa de conseguir um carro para o dia seguinte. Eles poderiam só ir com tudo e derrubar todo mundo, mas uma abordagem dessas seria um pouco contraproducente. O que Mayck queria era uma aliança com eles, porém, uma aliança de igualdade nunca existiria, então eles teriam que montar uma hierarquia em que Mayck estivesse no topo e para isso eles iriam ter que derrubar cada líder e tomar o controle da região. O segundo passo viria logo em seguida.
Miguel foi ordenado a ficar de bico fechado sob uma grande ameaça. O que provou que o medo era uma grande forma de obter controle sobre os outros — talvez a melhor. Contudo, mesmo que fosse o modo mais fácil de se manipular alguém, Mayck não gostava muito de utilizá-lo. Além disso, Miguel, inconscientemente, se agarrou à esperança de ter seu poder como líder de volta, se apoiando no plano dos dois maníacos, na visão de Miguel, e torcendo para que desse certo.
|×××|
Após o fim da reunião, Eugênio pensou que era melhor provar novamente o controle de Jade sobre Mayck e todos concordaram. Eles precisavam de um plano concreto para que não restassem dúvidas e pudessem prosseguir com o plano original. O futuro da família Ferreira seria decidido com Mayck sob controle ou não.
Depois de uma longa discussão, Manuela pediu para que fosse encarregada de descobrir a lealdade de sua irmã mais velha. Ninguém teve objeções. Para entender o que se passava na cabeça de Jade, não havia coisa melhor que deixar Manuela no controle da situação.
A garota possuía bastante confiança em si mesma e não conseguia se ver falhando uma única vez. Ela sabia como pôr sua irmã mais velha na palma de sua mão e não via isso como uma tarefa difícil.
No dia seguinte, pela tarde, Manuela chegou na casa da família Mizuki e, antes que pudesse iniciar alguma coisa, foi convidada por Jade para dar um passeio.
“Hã? Um passeio?”
“Sim. Só nós duas. O que acha?”
Mediante o convite entusiasmado de sua irmã, Manuela ficou hesitante por um momento. Vendo isso, Mayck pensou que seria bom encorajar a garota.
“Por que não? Seria uma ótima oportunidade de aproveitar as férias fazendo algo interessante. Além do mais, vocês duas têm quase a mesma idade. É uma chance perfeita de fazerem coisas de adolescentes.”
“Você falando assim parece até que estaríamos fazendo algo de errado”, Jade observou, mas logo voltou sua atenção para sua irmã de novo. Seus olhos imploravam para ela aceitar.
“Ah, tá bom. Vamos logo então. Mas não vamos demorar muito tempo.”
“Isso!” Jade pulou de alegria e entusiasmo.
A garota precisava manter o disfarce então não recusou. Após Jade se arrumar, cerca de 1h depois da chegada de Manuela, as duas se colocaram a caminho. Jade não havia dito para onde iriam e pediu por um motorista em um aplicativo. O veículo chegou em menos de meia hora e Mayck se despediu delas no portão, observando, até que o carro sumiu no horizonte.
Depois de confirmar que elas já haviam sumido de sua vista, Mayck abriu a boca.
“Pronto. Agora, conto com vocês.” Ele entrou e fechou o portão atrás de si.
Estando na estrada, mais de vinte minutos depois de terem saído de casa, Manuela observava pela janela as casas e estabelecimentos por onde passava com tanta velocidade, mas que ainda era capaz de ler as palavras das placas e cartazes das lojas.
Só haviam três pessoas no veículo. Ela, Jade e o motorista. Era uma situação normal até então. Mas Manuela não tinha ideia de para onde estavam indo. Isso fez com que ela cogitasse perguntar. Ela se virou para Jade que mantinha os olhos para a janela ao seu lado e, depois de olhar para o motorista, decidiu perguntar.
“Para onde a gente tá indo?”
Mas não houve resposta. Então Manuela perguntou uma segunda vez, mas, novamente, não houve uma resposta que ela esperava receber. Jade apenas olhou para ela e deu um belo sorriso adorável como se estivesse dizendo que era surpresa.
O carro mudou de direção e acelerou ao máximo até saírem da cidade. Manuela começou a sentir uma palpitação em seu coração, enquanto mantinha seus olhos fixos nos longos cabelos do motorista. Durante o tempo em que o olhava, o motorista pôs a mão no banco do passageiro e puxou para si um chapéu de côco. Ele olhou pelo retrovisor interno e moveu os lábios.
“Chegamos.”
Manuela olhou para fora e não via nada além de árvores, um caminho de terra e um matagal que se estendia até onde os olhos podiam ver.
“Ei, Jade, que lugar é esse?” Seu coração parecia que estava tentando dar um jeito de escapar por seu peito. Ela queria acreditar que Jade não era uma pessoa ruim, mas ela já sabia o que estava acontecendo ali.
“Me desculpe, minha irmãzinha”, Jade falou docemente.
Uma fita e uma corda foram jogadas na garota por Jade e Alexander que a prenderam e a levaram para um galpão subterrâneo.