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Capítulo 100 – Um passo para trás

No Kantei, em uma sala de reuniões fortemente guardada, os principais líderes do governo japonês estavam reunidos, junto a mais três pessoas que poderiam ser consideradas de fora — mas sua posição era mais elevada que isso. 

A sala, ampla e austera, era iluminada pela luz do enorme monitor acoplado na parede oposta à saída. Janelas altas, cobertas por persianas opacas garantiam a total privacidade do encontro. No centro, uma longa mesa de conferências cercada por cadeiras de couro, que estavam sendo ocupadas por pessoas de grande relevância para o país. 

O primeiro ministro, sentado à cabeceira da mesa, tinha uma expressão séria no rosto, enquanto escutava o burburinho formado na sala, os quais questionavam a integridade dos três visitantes. 

“Já sabemos que a situação não está nada boa”, disse ele. Todos os sons cessaram imediatamente. “Já demos a ordem de trancar todos os casos policiais que podem chegar ao cerne da questão. O que vocês esperam fazer?”

Ele lançou um olhar duro sobre os três. 

Alguns dias atrás, uma ordem foi dada para todos os departamentos policiais do Japão, ordenando que todos os casos relacionados a desaparecimentos e eventos misteriosos fossem interrompidos. A intenção era evitar que mais escândalos se propagassem pelo país.

John, um dos líderes da Strike Down, da divisão japonesa, foi o primeiro a responder. 

“Estamos cientes. O departamento policial vai duvidar dessa ordem, mas não há muito a ser feito. Não é só o Japão que temos que observar. Ainda temos muitos outros países—”

Cortando sua fala, um homem de aparência robusta falou com um tom rude. 

“Vocês dizem isso, mas a organização de vocês não deveria cuidar apenas do Japão? Eu pensei que fosse o trabalho de vocês garantir a segurança do país.”

“Senhor Ministro da Defesa, se me permite dizer, ainda que estamos numa divisão japonesa, nós ainda temos muitos assuntos para lidar fora do país”, Amélie deu uma resposta. “Infelizmente, não há uma base sediada em todos os países do mundo, como é no caso da Índia. É por isso que nós precisamos confiar em organizações locais.”

“Hmpf. Os americanos não podem cuidar disso? Já que a sede principal está lá.”

“Podem. Mas, com o nosso apoio, as coisas devem fluir mais rapidamente. Entenda, nós não podemos ignorar o que está acontecendo agora”, John respondeu, fazendo o Ministro da Defesa estalar a língua com uma carranca. 

O clima na sala tinha ficado tenso mesmo antes da reunião começar. Com uma saída apressada do Japão, a Strike Down acabou cedendo o controle do país à Black Room, o que gerou um conflito com o governo japonês. 

Não era tão surpreendente que houvesse esse resultado. Afinal de contas, o governo apoiava as operações sigilosas da organização e garantia uma certa liberdade a eles no país, como o controle da mídia e de áreas potencialmente perigosas. 

Apesar disso, eles estavam largando o país, como o Ministro da Defesa mencionou. 

“Não estamos largando. Nosso trabalho está centrado, principalmente, nos Estados Unidos. O Japão possui uma organização não reconhecida oficialmente, mas que tem um grande poder para proteger. É por isso que estamos deixando nas mãos deles.”

John manteve sua calma enquanto tentava explicar a situação. Ele acenou para Park, que se levantou e foi até o monitor. Os olhos de todos se dirigiram a ele, e ele começou a falar:

“Como podem ver, esses sinais foram detectados recentemente.” Operou o tablet em suas mãos e um mapa apareceu, com vários pontos que variavam de amarelo a vermelho espalhados pelo mapa mundial. “Nós ainda não conseguimos descobrir o que eles são, porém, não são algo que vemos todo dia.”

“E o que tem de mais?” O Ministro de Relações Exteriores olhou com curiosidade. 

“Portadores emanam uma energia estranha comparado às energias conhecidas atualmente. E isso, definitivamente não vem de um portador, por mais parecido que seja.” Ele tocou em um dos pontos no tablet e o ampliou. Outros parâmetros e gráficos apareceram. 

Pontos como nível de radioatividade e fluxo de raios gama estavam no pico. Park continuou. 

“Não é incomum esse tipo de detecção, o problema é que aumenta a cada dia. É por isso que nós temos que buscar analisar, entender e solucionar o problema. Esses continuam aumentando, inclusive agora, eles devem estar bem mais altos.”

A resposta de Park fez os ouvintes ficarem em silêncio por algum tempo, enquanto outros murmuravam coisas como “até faz sentido” e “isso não é só invenção?”

Quem deu voz à última questão, portanto, foi o Ministro da Defesa, que ainda se mostrava insatisfeito. Ele realmente era um homem difícil de agradar. 

“Mas a América não pode cuidar disso? Além do mais, eu também vejo um desses pontos no Japão. Se o que disse for verdade, então por que não explorar ele?”

O Primeiro Ministro também mostrou a mesma dúvida. 

“Senhor, como pode ver, esses pontos coloridos representam o nível de urgência de cada um. Os vermelhos são os mais graves, enquanto os amarelos são os mais leves. Creio que a resposta seja óbvia, não é?”

John falou com um tom sério, como quem dissesse para não continuar reclamando e apenas aceitar a situação. 

“Não só isso, como alguns desses países não têm a proteção da Strike Down. Portanto, nossa prioridade é evitar que eles sejam afetados negativamente por algum perigo iminente.”

“Se estão preocupados com os portadores, então ofereçam seu apoio à Black Room. Até que nós possamos resolver esse problema, creio que eles serão os melhores aliados. Lembrem-se que nada vai parar de repente.”

As ameaças só aumentavam. A Strike Down tinha um palpite, e se estivessem corretos, o mundo inteiro estava correndo outro risco além do The Fake Human que a Ascension buscava reviver. 

Portanto, como o problema era uma questão mundial, a Strike Down precisava lutar com toda a força que poderiam reunir. Não era hora para intrigas locais. Ainda mais com o governo. 

“Nós já retiramos alguns serviços do Brasil, Coreia do Sul e China. Todos esses países contém poderosas organizações que estão dispostas a cooperar. Não se preocupe, senhor Tetsu. Estamos todos no mesmo barco. A Strike Down vai estar sempre de olho em qualquer mudança.”

O homem de cabelos pretos e aparência irritada bufou, mas não perdeu sua compostura. 

“Muito bem. Se é assim, então vamos proceder com isso. Não é como se fossemos totalmente dependentes da organização. Senhor Tetsu, vou deixar os planejamentos relacionados aos monstros em suas mãos.”

“Sim, senhor Primeiro Ministro, Takahashi.” Ele se inclinou levemente. 

“Vamos encerrar esse assunto aqui, por ora. Senhor John, Park e senhorita Amélie, desejo sorte a vocês.”

Às palavras finais, todos se curvaram em respeito e a reunião foi finalizada.

Enquanto saiam, o trio de líderes da Strike Down foi parado por Tetsu que, solenemente, se desculpou por seu comportamento agressivo. 

“Eu estava preocupado com o futuro do país. Ainda estou, na verdade. Desde que o trato foi formado, o Ministério da Defesa tem se apoiado em vocês, então eu acabei me exaltando.”

“Não se preocupe, senhor Tetsu. O fornecimento de equipamentos e apoio não irão parar por completo. Nós ainda iremos dar suporte a vocês, através da Black Room, claro. Vocês podem confiar neles.” John sorriu. 

Tetsu retribuiu o sorriso, mas seus olhos expressavam um certo receio. Em voz baixa, ele disse:

“Espero que sim…”

Agradeceu e se retirou. Então o trio também saiu, retornando para a base da Strike Down. 

“Espero que todos esses sinais sejam apenas coincidência. Mas não consigo deixar de imaginar a Ascension no meio”, Amélie, sentada perto da janela traseira esquerda, comentou. 

“As chances são muito baixas. Nem mesmo um acidente radioativo deixa as leituras tão altas. Isso só pode significar que aquelas coisas estão perto de voltarem à ativa”, respondeu John. 

“Eu me pergunto se as ordens de esconder que nós sabemos a causa sejam corretas. Os governos podem acabar reagindo mal.”

Park mostrou sua preocupação. Era justificável, no entanto. Afinal de contas, se aquelas criaturas estivessem ressurgindo, então não só Yang teria sucesso em revelar os portadores ao mundo, como o processo de ressurreição do THF iria acelerar drasticamente. 

“Bom, não há muito a ser feito. Nós só podemos fazer o possível para lidar com as ameaças. Vamos acreditar um pouco nos nossos companheiros.”

Vendo que John tinha razão, Amélie e Park assentiram com a cabeça. Era difícil de engolir, mas era a realidade. Eles só precisavam fazer o que sempre fizeram para evitar que tudo se tornasse um pesadelo. 

“Agora que parei para pensar, Olívia tem estado meio distante nos últimos dias, não é?” 

“Realmente. Eu me pergunto o que ela está fazendo…”

“Ela disse que estava cuidando daquele garoto, Mayck Mizuki, não é? Alguém contou a ela sobre ele?”

“Não, até onde eu sei. Bom, ambos são brasileiros, então talvez tenham alguma ligação. Vamos ficar de olho.”

Não que eles estivessem desconfiando das ações de Olívia, antiga líder da Lótus, mas porque estavam curiosos. Afinal de contas, eles não sabiam que Sophia foi a mulher que selou o The Fake Human, muito menos que ela era a mãe de Mayck — esta informação foi ocultada pela Lótus. 

<—Da·Si—>

Nakata encarou Mayck friamente. Seu trabalho lhe obrigava a ser imparcial com tudo o que o garoto lhe dissesse. 

“Então vamos resumir. Você saiu para a casa de uma amiga e quando voltou, encontrou um homem em seu quintal, então o atacou com uma pá.”

“Na verdade o homem veio depois. Eu voltei e fui para o meu quarto quando ouvi uns sons do lado de fora. Ele estava armado, então eu me defendi com a pá”, o garoto corrigiu. 

Nakata o encarou por alguns segundos. Tinha feito uma narração diferente de propósito, mas Mayck contou o que havia dito mais cedo para outro policial. Ele ficou tranquilo por ser a verdade. 

Um suspiro escapou de sua boca e ele relaxou os braços em cima da mesa de madeira. 

“Bom, eu me surpreendi. Conhecendo você, achei que ia imobilizá-lo usando alguma técnica de autodefesa.”

“Bom, ele estava com uma faca.”

Depois que a polícia chegou, fazendo barulho, Suzune também despertou, indo até Haruna e Mayck desesperada depois de ver o corpo no chão. Piorou quando ela reconheceu Haruo e quase teve um surto devido ao passado. 

Mayck e Haruna foram levados para a delegacia, para prestar seus depoimentos. 

Segundo o que os policiais disseram, os vizinhos estavam ouvindo barulho assustadores, mas não viram ninguém, então acionaram a polícia. 

“Mas foi uma bela batida na têmpora. Queria matá-lo?”

“Não brinque com isso, foi apenas um reflexo.”

“Sim, sim. Legítima defesa, não é? Bem, eu vou relatar a nossa conversa. Seu pai deve querer falar com você.” Nakata se levantou e foi até a porta, guardada por dois policiais. “Nós vamos verificar a vítima e lhe diremos as novidades.”

Mayck assentiu e foi liberado. Ao sair da sala, se encontrou com Haruna e Suzune, sentadas, em uma espécie de sala de espera, que não estava muito cheia naquela hora da madrugada. Ambas se levantaram ao vê-lo.

“Mayck, você está bem?” Com uma preocupação evidente, ela segurou-o pelos braços com um olhar preocupado. 

“Sim, eu estou bem. Não se preocupe.” Sorriu para acalmá-la. 

Haruna também enviou-lhe um olhar de alívio, também sorrindo. Ela já havia dado seu depoimento. Disse que ouviu uns barulhos altos e quando saiu, encontrou Mayck com uma pá na mão nos fundos do quintal e Haruo no chão. 

Essa foi a história que combinaram. 

“Eu fui descuidada. Não pensei que ele nos encontraria aqui. Me desculpem, vocês dois.”

Suzune estava abatida. Ela não havia falado sobre seu ex-marido para ninguém além de Takashi, então o choque de ver Haruo tão perto de sua filha foi muito maior do que se podia imaginar. 

Ele era a manifestação de um passado que ela queria esquecer totalmente. 

“Vocês estão bem?” Takashi se aproximou. 

“Sim, estamos bem.”

“Que bom. Então aquela pessoa era Haruo?”

“Era… O que vai acontecer com ele?”

“Ele está inconsciente no hospital. Foi uma pancada forte, então, até ele acordar, não dá pra saber o que vai acontecer. Se ele ficar bem, vai ser interrogado e mandado para o tribunal. Vocês vão ter que estar lá também. Se bem que…”

Takashi interrompeu sua fala e olhou ao redor. 

O que ele queria falar poderia gerar escândalo desnecessário, então ele disse, em voz baixa, que Haruo tinha muitos crimes em seu histórico, então ele devia estar preso. 

“Quer dizer que ele fugiu? Mas como?”

“Shh. Não sabemos ainda, mas ele estava em uma penitenciária em Saitama. Entramos em contato com o departamento de lá e eles disseram que Haruo está sendo procurado há mais de um mês.”

“Sério?” Mayck fingiu surpresa. “Então ele vai ser deportado para lá quando acordar, correto?”

“Sim, mas não muda o fato de que ele vai para julgamento. A pena dele só deve aumentar, no entanto. Enfim, é bom que nada tenha acontecido. Fico feliz por isso.”

Takashi abraçou Suzune e afagou a cabeça de Haruna. 

“Vamos. É melhor vocês irem para casa. Devem estar cansados depois de tudo isso.”

“Ehh? Você não vai agora?” Suzune fez bico. 

“Não, não. Eu tenho mais algumas coisas a serem feitas, mas irei em breve. Tomem cuidado na volta.”

“Está bem. Tenha um bom trabalho.” Ela aceitou com um sorriso. 

Eles se despediram com um beijo, o que deixou Mayck e Haruna levemente constrangidos. 

As duas se despediram de Takashi e seguiram para a saída, Mayck, porém, foi detido por Takashi quando ia seguí-las. 

“Espere um momento.”

“Hum? O que foi? Guardou a bronca pra mim?”

Mayck falou com um tom de piada, mas, devido a estranheza na relação deles nos últimos dias, tinha um pouco de verdade. 

“Não, não. Embora eu queira falar algumas coisas, vou me abster disso.”

“É? Er… Que bom.”

Takashi olhou firmemente para o garoto. Seu olhar indiferente ainda estava lá. Ele se perguntava como seu filho conseguia manter a calma mesmo em momentos como aquele. 

Francamente, eu devia aprender com ele a ter um melhor controle emocional. 

“Vou te dizer uma coisa: você devia ter batido mais forte.”

“Hein?” Mayck franziu o cenho, surpreendido pelas palavras. 

“Do jeito que ele ficou, aposto que só vai ter algumas náuseas quando acordar e depois vai ficar bem. No máximo, ele deve ter perda de memória.”

“Ei, ei, senhor policial. Você não devia ser contra a violência?”

Mayck e Takashi eram parecidos. Ambos não gostavam de demonstrar sentimentos diferentes de felicidade. Mesmo que o policial tentasse se conter, ele não podia esconder a raiva que queimava em seu coração. 

As poucas pessoas na recepção e nas outras cadeiras não podiam ouvi-los, então ele não se importou em mudar as palavras. 

“Se você tivesse matado ele, eu faria de tudo para você sair ileso.”

Mayck ficou boquiaberto. Quem era aquele na sua frente?

“Eu acho melhor você ir pra casa dormir. Não deve estar pensando direito.”

“Estou falando sério. Pensar que alguém tentou matar minha esposa e minha afilhada me deixa puto.” Ele cerrou os punhos fortemente. “Desculpe. Eu estou perdendo a cabeça. Esqueça isso.” Suspirou. 

Mesmo que você diga isso, é impossível…

Não era tão simples ignorar aquelas palavras logo do seu pai, que era um policial ainda mais. 

“Bem, eu vou indo também. Não se esforce demais.” Ele se virou para sair, até que Takashi lhe deu um soquinho nas costas, fazendo cessar os seus passos. Ele olhou de relance para o homem. 

“De verdade, Mayck, obrigado por proteger aquelas duas. Obrigado mesmo.”

Mayck não viu seu rosto, mas podia apostar que veria algumas lágrimas em seus olhos. 

No fundo ele é bem molenga. 

Um sorriso fraco surgiu em seu rosto. 

“Não há de que. Somos uma família, afinal.”

Deixando essas palavras, ele seguiu atrás de Haruna e Suzune. 

****

Só tinha uma coisa que Mayck estranhou. Com toda aquela bagunça, ele não ficaria surpreso se sua identidade fosse revelada. O que tinha acontecido com seu perseguidor? Ele não sabia. Não tinha como perguntar para alguém sobre isso. Só restava deixar de lado e tomar mais cuidado, além de agradecer o golpe de sorte. 

Seu plano seria inútil na frente de seu pai se seu perseguidor os tivesse visto. Mas como não foi o caso, então ele apostou que tudo tinha corrido bem. 

Alguns dias depois, enquanto voltava da escola depois do sol se pôr, Mayck se viu em outra situação inesperada. 

As férias de inverno estavam mais próximas do que nunca e, ainda assim, a vida não deixava de o surpreender. 

Talvez eu nunca mais faça desvios quando estiver voltando… que droga. E o que há com essa garota?

Ela era pequena, mas estava o pressionando de forma incrível, enquanto a ponta da sua foice riscava a lâmina do garoto, fazendo um som estridente e soltando faíscas. 

“Ei, ei, ei! Yui! Pare já com isso! O que pensa que está fazendo?!”

Uma mulher não muito alta, corpo esbelto e de cabelos esverdeados se aproximou rapidamente, repreendendo a garota de cabelos rosa, presos em marias-chiquinhas. 

“É! O que pensa que está fazendo?” 

Mayck repetiu a pergunta de Airi. 

Frustrada e com as bochechas infladas, Yui cessou seu ataque e se afastou, resmungando. 

“Eu só queria saber se ele era o menino que a Hana-nee gosta. Se ele fosse fraco eu ia dar uma surra nele.”

“Isso é sério?” 

Yui respondeu mostrando a língua e cruzando os braços. Mayck realmente não sabia o que tinha feito para deixá-la tão brava. 

“Me desculpe por isso, haha. Ela é bem emotiva, e também é muito apegada à Hana-chan.” Airi lançou um olhar de repreensão para a garotinha, mas foi ignorada. 

Mayck lembrou-se dessa dupla. Já havia a encontrado antes, mas não daquele jeito. 

Quer dizer, já, mas faz muito tempo. 

“Pelo jeito, parece que fingir não vai ser muito útil, não é?”

E não era. O sorriso da moça determinou isso. 

“Nós temos um assunto urgente a tratar, M-san… ou melhor, Mayck Mizuki-kun.”

“Falou meu nome e meu apelido de propósito…”

Tudo para deixar claro que ela sabia muito bem quem ele era. 

Sem outra escolha, o garoto só pôde aceitar. 

“Certo. Vamos procurar outro lugar para conversarmos. Aqui não é um dos melhores.”

“Okay~.” 

Definitivamente, aquela rua residencial não era uma bom lugar para discutir tópicos que teriam relação com organizações secretas e pessoas com poderes. Qualquer movimento descuidado e pelo menos dez civis iriam testemunhar o que não deviam. 

Com isso em mente, eles foram para um parque mais longe dali, que ficava vazio durante a noite. De vez em quando apareciam algumas pessoas bêbadas ou fumantes que se distraiam por ali, mas era algo raro de se ver naquela região. 

Então uma calmaria tomava o lugar, e era por isso que Mayck gostava tanto dali. 

“Então, vieram falar sobre Hana, não é?”

Mayck trouxe o assunto que julgou ser sobre assim que entraram na área do parque. 

“Na mosca. Nós precisamos falar dela um pouco. Você se importa se mais pessoas se juntarem a nós?”

“Não…”

“Perfeito.” Airi pegou o celular e mandou algumas mensagens. Minutos depois, dois homens chegaram ao local. 

Era um homem robusto, mais alto que Mayck, parecia ter cerca de 1,80, cabelos escuros e uma feição alegre. O tipo de amigo confiável, que lhe daria suporte em momentos de fraqueza. 

O outro, porém, era menor, cerca de 1,65. Também tinha cabelos pretos penteados de forma simples. Seus olhos eram verdes escuros e os óculos quadrados em seu rosto estavam sempre sendo ajustados de forma desnecessária. 

“Hm, você é Mayck Mizuki, não é? Muito prazer em conhecê-lo. Sou Ryuunosuke. E esse aqui é Asahi.”

“Olá…” Diferente de Ryuunosuke, Asahi não parecia muito à vontade. 

“Sim. Prazer em conhecê-los, embora nós já tenhamos nos conhecido há bastante tempo…”

“Hahaha. Você tem uma boa memória. Nunca imaginei que um garoto aleatório se tornaria tão importante assim para o grupo.”

“Ryuunosuke, é desnecessário chamá-lo de importante.”

“Ah, vamos. Ele não parece ser uma pessoa ruim. Vocês estão com a guarda alta demais.”

“Hmpf.”

“Deixem disso, vocês três.”

Observando o grupo interagir amigavelmente, ou não, Mayck só queria entender o que se passava ali. 

“Enfim”, disse Airi. “Nós temos algo muito importante a falar… Mayck-kun, posso te chamar assim?”

O garoto assentiu. 

“Estou ouvindo.”

“Nós últimos dias, o desempenho da equipe em missões tem caído drasticamente. Nós conseguimos estragar tudo em tarefas simples por um único motivo—”

“Hana-san não tem se concentrado nos objetivos e acaba cometendo erros que não cometeria de jeito nenhum. Sem falar que ela tem estado cada vez menos presente na organização.”

Asahi cortou Airi violentamente. Seus olhos semicerrados mostravam hostilidade à Mayck. 

“Ei — Asahi!”

“Hana-san é sua amiga de infância e nós sabemos que ela te preza muito, então pensamos que isso pode ser culpa sua.”

“Ah, deixa eu ver se entendi. Resumindo, Hana ficou estranha e vocês acham que eu fiz alguma coisa ruim com ela, correto?

“Não é bem assim…”

“É assim mesmo.” Yui deu um ponto final. 

Pelo visto, Airi era a única que estava tentando suavizar a situação, enquanto Yui e Asahi não estavam se importando nem um pouco com os sentimentos do garoto. 

Percebendo isso, Mayck pensou que era bom colocá-los em seus devidos lugares… mas Ryuunosuke interviu. 

“Ei! Se acalmem vocês dois. Desculpe, Mayck-san. Peço que ignore essas atitudes. Eles gostam bastante de Hana, então acabaram perdendo a cabeça.”

“Sim, sim. Claro. Eu entendo. Hana é minha amiga de infância, é como uma irmã pra mim. Sei como ela é e não me surpreende que ela tenha conquistado alguns corações por aí”, ele falou de forma provocativa, olhando para Asahi. 

Asahi deu um passo para trás, engasgando com suas próprias palavras e mostrando-se constrangido. 

Mayck suspirou. 

“Dito isso, eu não diria que vocês erraram feio.”

“Maldito! Então você realmente fez algo a ela—”

“Porém, o que aconteceu não tem nada a ver com vocês. Peço que não se metam. E não se preocupem, não é nada como problemas amorosos ou algo do tipo.”

“Então o que é?! Se você tiver machucado ela, eu vou bater em você até seu ossos quebrarem!”

“Yui! Nós viemos aqui para conversar, não arrumar briga! Mayck-san, contenha-se, por favor.”

Airi tentou mediar a situação. Um gatilho e uma luta complicada seria desencadeada. 

“Me desculpem. Eu me deixei levar. É meio irritante quando alguém vem jogar problemas nas suas costas quando nem imaginam o que pode estar acontecendo. Eu recomendo que vocês dois aprendam a ser mais racionais.”

O garoto deu as costas e caminhou mais para o centro do parque. 

Muita coisa tinha acontecido com ele, então era difícil manter seu autocontrole intacto. Uma hora ou outra ele acabaria cedendo a uma provocação. 

“Sei que Hana está com problemas e não pretendo deixar ela de lado. Eu só preciso organizar as coisas para poder fazer alguma coisa…”

“Mayck-kun, se Hana está passando por problemas, nós gostaríamos de saber.” Ryuunosuke deu um passo à frente. 

“Nos conte, por favor. Queremos ajudá-la como pudermos. Ela é um membro importante do grupo, afinal.”

“Eu não sei se ela iria gostar se vocês soubessem…”

“Tanto faz, só conta logo.” 

Se Asahi continuasse com aquela atitude, ele arrumaria uma grande inimizade com Mayck, ele pensou nisso seriamente. 

Em rápidas e poucas palavras, ele contou o que se passou com Hana naqueles dias. Não deu todos os detalhes, mas os fez entender o cerne da questão. 

Hana descobriu algo chocante em sua família e isso impactou sua vida. 

“E foi isso. Se forem me culpar, fiquem à vontade, afinal foi eu que levei ela até o centro dos problemas”, concluiu. 

“Entendi… não esperava que algo assim estivesse acontecendo.”

“Quem poderia imaginar? Foi algo totalmente por baixo dos panos. Eu consigo compreender o que ela está sentindo. Hana-chan não é do tipo que sai falando sobre seus sentimentos, então não havia como prever.”

Ryuunosuke e Airi demonstraram sua empatia e Yui também ficou em silêncio, pensando sobre o que acabara de ouvir. Ela, com certeza, era quem mais estava sentindo os impactos daquela revelação naquele momento.

Apesar disso, alguém não se mostrou satisfeito com a resposta. Asahi deu um passo à frente e agarrou o colarinho de Mayck. 

“Você sabia de tudo?! Então porque contou a ela sabendo que a machucaria?! Seu idiota!”

Os nervos à flor da pele. Mayck entendia que quando se gostava de alguém, qualquer coisa relacionado a ela era um assunto sensível. No entanto, quem era Asahi para se dirigir a ele com tanta ousadia?

Mayck o olhou de cima, e não se conteve em liberar um pouco de sua energia. 

“O moleque, coloque-se no seu lugar. Você não entende nada, então mantenha-se em silêncio.”

Asahi estremeceu. Suor escorreu pelo seu rosto e ele se afastou lentamente, com os dentes cerrados. 

“Como você pôde fazer isso com ela…?! Você ao menos se importa com os sentimentos dela?”

“Asahi, pare já! Nós nunca perguntamos se ela estava bem de verdade, não é? Parte da culpa é nossa por não perceber…”

“Eu sei muito mais que você”, Mayck respondeu. “Eu não tenho obrigação nenhuma de dizer minhas circunstâncias a vocês, então, se quiserem ajudá-la, vão em frente com essas informações. Só não façam besteiras.”

Ele deu as costas novamente. Não era sua intenção ser tão rude, mas se a Equipe de Ataque número oito pudesse ajudar Hana a se reerguer, então seria uma ajuda e tanto. 

Porém, as coisas não pareciam tão simples. 

“Nesse caso…” Airi o parou. “Eu quero te pedir um favor.”

“Huh?”

“Ajude Hana. Do jeito que ela está, o time vai perder força nas missões e nossa equipe pode acabar sendo desfeita.”

Uma equipe era formada por cinco membros. Se ao menos um saísse, o grupo ficava incompleto e mesmo que fosse um grupo forte não seria o suficiente para fechar a equipe, já que os requisitos não seriam cumpridos. 

Mayck levantou uma sobrancelha e olhou para Airi. 

“Vocês vieram buscar ajuda, não é? Por que essa mudança?”

“É uma informação confidencial. Não podemos contar—”

“Vocês me fizeram falar sobre a situação pessoal de Hana. Não acha justo me dizer o que se passa?”

“É um problema da Strike Down, então…”

“Um problema que depende da Hana? Que estranho. Não pensei que a Strike Down fosse tão pequena.”

Mayck os provocou levemente, esperando conseguir uma resposta, não de Airi ou Ryuunosuke, mas, sim, de Asahi, o qual mordeu a isca perfeitamente. 

“Não é uma missão dada pela organização, idiota!”

“Ei — Asahi?!”

“Oh…? Eu gostaria de ouvir mais sobre isso.”

O grupo engoliu a seco e fizeram uma pequena pausa. Não teria mais como esconder. 

“Tá bom, tá bom. Eu vou dizer. A verdade é que nós encontramos algo inédito, ou melhor, incrivelmente problemático.”

“É mesmo?”

“Sim”, Ryuunosuke continuou. “Alguns dias atrás, enquanto procurávamos alguns artigos antigos no computador central, acabamos baixando um arquivo de áudio desconhecido. Quando foi descriptografado, nós rodamos. Foi aí que tivemos uma surpresa: ouvimos a voz de Yang.”

“Parte do áudio estava corrompido, então não conseguimos todas as informações com precisão. Tratava-se de uma chamada telefônica entre Yang e outra pessoa que não pudemos identificar.”

Mayck ficou surpreso e ponderou por um momento. 

“Yang, é? Então vocês desconfiam que haja um traidor na organização…”

“Sim. Isso mesmo. Nós queremos ajudar Hana-chan, mas esse assunto também é urgente. É por isso que tivemos que entrar em contato com você.”

“Se você cuidar de Hana, então nós poderemos encontrar o traidor. Você está disposto a nos ajudar?”

O garoto fechou os olhos brevemente e suspirou. 

“Bom, se Yang está envolvido, então é perigoso deixar de lado. Cuidar de Hana já era minha intenção, então não se preocupem. Podem deixar ela comigo.”

“Deixar com você… apenas para machucá-la ainda mais”, Asahi murmurou. “Eu sou contra. Nós podemos lidar com os dois problemas.”

“Asahi, não seja tão egoísta. Nós temos muitas coisas para resolver.”

“Vocês estão mesmo pensando em confiar nesse cara? Ele é da Black Room, esconde sua identidade de todo mundo e ainda tem alguns dos métodos mais sujos que eu já vi. Não posso deixar Hana com ele.”

Enquanto Asahi atacava com unhas e dentes, Yui se mantinha em silêncio, confusa sobre o que fazer ou dizer. Ela sabia que possuía suas obrigações. Queria ajudar Hana, mas não podia negar que Mayck era a melhor pessoa para cuidar do assunto. 

“Hana-nee é muito próxima dele… ela deve ficar feliz se ele estiver perto, não é? Se for assim, então tudo bem…” apesar da expressão tristonha no rosto, ela parecia ter chegado na melhor conclusão, o que era totalmente diferente do seu colega de equipe. 

“Yui! Ah, que seja! Eu não vou fazer isso!”

“Asahi! Pense direito…”

Mayck cortou Ryuunosuke e se dirigiu ao garoto friamente. 

“Você consegue ir até Hana e dizer para ela que está tudo bem? Que a família dela vai voltar como se nada tivesse acontecido? Ignorando toda a dor que ela está sentindo e deixá-la presa ao passado? Desculpe, moleque, mas eu me recuso a iludir ela com palavras bonitas e vê-la se afundar quando as coisas piorarem.”

Se você for fazer isso, então vou te impedir com tudo o que tenho, Mayck acrescentou, deixando claro que não iria tolerar interferências no seu caminho. 

Ouvindo isso, Asahi mordeu a língua. Ele não achou uma resposta, então não teve escolha a não ser ficar calado. 

“Deixem Hana comigo. É melhor vocês cuidarem desse assunto o quanto antes.”

“Você está certo. Obrigado, Mayck-san.”

Ele assentiu. 

“Se isso for tudo, então vou me retirar.”

Mayck desviou do grupo e se encaminhou para a rua, sob os olhares raivosos de Asahi. Ele não tinha mais nada a dizer, então apenas ignorou. 

Parece que seu grupo tem muitas complicações também, Hana. 

Ele não pôde evitar pensar nisso. Apenas aquela interação tinha sido o suficiente para acabar com sua energia mental. 

Assim que chegou em casa, subiu para o quarto e se jogou na cama, prometendo que cuidaria de tudo no dia seguinte.

Picture of Olá, eu sou RxtDarkn!

Olá, eu sou RxtDarkn!

E finalmente estamos oficialmente no 100° capítulo de Dark Side (por mais que tenha mais que cem capítulos). Foi uma jornada até aqui. Muita coisa aconteceu, mas ainda seguimos firmes nessa história.

Agradeço a você que, apesar das minhas falhas, continuou até aqui, lendo a história que eu gosto tanto de escrever.

Um abraço, fiquem bem e continuem acompanhando a webnovel ; )

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