A interminável estridulação dos grilos preenchia o ar, naquele silêncio perturbador, quase palpável.
O vento do outono soprava levemente as folhas das árvores, que farfalhavam uma melodia inquietante, ao mesmo tempo revigorante para os amantes da solidão.
Depois de se despedir de Caleb, Mayck imediatamente correu de volta ao hospital, para atender o chamado urgente de Fuka e a encontrou em um parque próximo.
Ela contou-lhe o que aconteceu, e logo os dois se viram em um impasse. Haruki desapareceu sem deixar pistas. Onde ele seria encontrado? Parecia uma questão impossível de responder.
“Você disse que saiu do quarto, mas por quê? Você devia ter ficado junto a ele, não?”
Mayck perguntou, percebendo que Fuka havia omitido algumas informações. Ela disse que saiu do quarto quando a enfermeira ia medicar Miyuki, e quando voltou, já não havia mais ninguém lá.
Era óbvio que havia algo errado na dita enfermeira, e Fuka não era uma agente da GSN por nada. Não sentir o perigo tão perto era algo inconcebível para ela.
“Eu só saí porque quis dar espaço a ele. Nada mais—”
“Está mentindo. Você se prontificou a ficar lá. O que foi que aconteceu, Fuka?”
Mayck se aproximou dela e a encarou firmemente nos olhos. Porém, a garota desviou o olhar, bufando e se levantou, fazendo o garoto se afastar.
“Eu já disse que não foi nada. Se vamos procurar Haruki, então devemos começar logo. Não dá pra saber o que vai acontecer com ele.”
“Mas deve ser impossível se você não me disser a verdade. Não tem como analisar os fatos com clareza. Ei, Fuka, tem algo que te assusta tanto assim?”
A garota parou. O capuz escondia seus olhos e sua respiração cessou por alguns segundos.
“Não é da sua conta”, disse ela, por fim, mantendo sua indiferença de sempre na voz. Porém, claramente tinha algo de diferente. Hesitação, talvez.
Se continuassem daquele jeito, eles apenas brigariam e não chegariam a lugar algum. O tempo se passaria e nenhuma solução seria encontrada. Então, Mayck suspirou, dando de ombros.
“Já entendi. Se você não quiser me contar, vai ter que investigar sozinha. Eu tenho certeza de que você sabe alguma coisa.”
“…”
“Certo. Vá em frente. Eu vou estar aqui para ajudar, afinal, Haruki é meu amigo. Mas lembre-se que eu também tenho minhas próprias tarefas. Se, por acaso, você encontrar Hachishakusama, dê uma forma de descobrir de onde ela veio. Até mais.”
Mayck se despediu e seguiu caminhando para fora do parque. Já que Fuka não queria lhe contar, não havia nada que ele pudesse fazer. Essa era a dolorosa verdade.
Mesmo que Haruki tenha se perdido, ele deve conseguir voltar uma hora ou outra… Eu espero.
Além disso, Fuka tinha outras pessoas para contar em situações extremas.
Deixando isso de lado, Mayck seguiu para o seu próximo destino, deixando uma mensagem de antemão.
****
Mayck se aproximou da porta familiar. Era a mesma de sempre. Ele sabia que ao abri-la, encontraria Michio dormindo, provavelmente. Franzindo a testa, se questionou quanto a garota cooperava para os avanços tecnológicos da organização de zero a dez.
Bom… ela tem aquela obsessão, então talvez seja algo bem significativo.
Seus olhos subiram para o painel luminoso acima da porta. O que antes estava escrito ‘Sala de montagem’ estava escrito ‘Departamento de Tecnologia’.
“Ein? Estou no lugar errado?”
“Não está não.” Como um fantasma, a garota de cabelos cinzentos se esgueirou até ele e explicou que ele estava no lugar certo.
“Você está passeando?”
“Ué… Eu passo uma impressão tão errada assim?”
Mayck não a via muito fora de sua sala, então a primeira coisa que veio à mente dele foi que ela estivesse fugindo do trabalho.
Michio fechou os olhos, negando isso.
“Depois de tanto tempo, Zero-san e Nikkie-san aprovaram a renomeação para Departamento de Tecnologia. Ela tinha aquele nome porque foi o primeiro objetivo dela.”
Michio passou por Mayck, abriu a porta da sala com sua biometria e entrou, convidando o garoto para dentro.
“Hm… Entendi. Mas qual o motivo disso?”
“Ora, é óbvio. Eu faço pesquisas sobre avanços tecnológicos, que é a minha área de especialização. Chamar esse lugar de ‘Sala de montagem’ é um insulto.”
Mayck fez um som de compreensão.
“É raro você me visitar. Precisa de algo? Quer que eu restaure sua arma? Ou então veio buscar uma nova?”
“Não. Não tem relação com as minhas armas. Estão tudo em ordem.”
“Então veio só me ver?” Ela inclinou a cabeça para o lado, fazendo um pouco de charme.
O que ela tem hoje?
“Bem, pode pensar assim se você quiser. Na realidade, eu vim pedir sua ajuda em algo.”
“Minha ajuda?”
Perguntando-se o que seria, Michio observou Mayck tirar uma ampola de seu bolso, cujo conteúdo roxo translúcido balançava levemente.
“O que é isso?”, indagou.
“É o que eu quero descobrir. Encontrei nas mãos de umas pessoas suspeitas, mas não sei o que faz. Acho que é um tipo de arma ou algo assim. Armas são sua especialidade, não?”
“Olha aqui, não é porque eu desenho e crio armas com tecnologia que eu vou saber sobre qualquer coisa que possa ser usada como arma. É a mesma coisa de perguntar a um cozinheiro se ele sabe quais remédios têm as mesmas vitaminas que sua comida.”
“Tem razão… Desculpe. Eu não pensei por esse lado. Só imaginei que você fosse a única capaz de me ajudar a descobrir. Obrigado pela atenção, Michio.”
Mayck estava prestes a guardar a ampola e sair da sala, quando Michio o interrompeu.
“Espere, espere. Eu não disse que não ia ajudar.”
“Mas você disse…”
“É, eu sei. Eu não me dou bem com essas coisas complicadas da química, mas conheço alguém que sabe lidar com isso.”
Mayck olhou Michio com os olhos brilhando.
“Sério?”
“Uhum. Nossa divisão da Black Room tem a mim, que é especializada em tecnologia bélica, entre outras. A divisão de Hokkaido, porém, tem Hina, que é especializada em química. Ela pode ajudar com isso.”
“É mesmo? E onde podemos encontrá-la?”
Michio se sentou em frente ao seu computador e levantou o polegar esquerdo para Mayck.
“Por sorte, ela veio nos visitar hoje. Eu tinha ido vê-la e voltei aqui para pegar uns arquivos que vamos discutir. Posso apresentar você a ela.”
O brilho nos olhos de Mayck ficaram mais fortes, pareciam até que iriam ofuscar toda a sala. Michio é um anjo, pensou. Porém, voltando a si, ele olhou para a realidade mais uma vez.
“Mas se ela é alguém importante, então Zero e Nikkie devem estar presentes também, não? Eu gostaria que eles não ficassem sabendo disso.”
“É confidencial?”
“De certa forma.”
“Entendi. Vou falar com ela e trazê-la até aqui. Me espere, está bem?”
Ela fez sinal para ele, enquanto pegava um tablet e saía eufórica da sala, exceto por sua reação fria, que não condizia com seus sentimentos reais.
“Você é realmente um anjo, Michio.”
Mayck decidiu esperar pacientemente, e enquanto isso, começou a olhar as coisas ao redor. No grande monitor hologramático, havia um projeto de uma arma parecida com um fuzil de assalto, intitulada de “UM-01”. O garoto não compreendia muito das diversas informações que tinham ali — a maioria em códigos —, mas era fascinante, de certa forma.
Ele podia imaginar como seria atirar em dezenas de Ninkais com uma arma daquelas.
Deixando o projeto de lado, ele viu que Michio talvez não fosse uma preguiçosa que fugia do trabalho sempre que possível apenas por diversão ou por não gostar de trabalhar, mas porque ela trabalhava muito. O caderno de anotações na mesa estava cheio de cálculos feitos a mão e rabiscos que ele sequer poderia compreender.
Acho que ela merece um crédito.
Tendo tanta tecnologia naquele lugar, ele nem cogitaria escrever algo com uma caneta. Na verdade, ele não tinha nem como fazer cálculos tão complexos. Michio é realmente um gênio, pensou.
O restante do tempo se passou enquanto ele olhava para as diferentes armas posicionadas em uma espécie de prateleira protegida por uma parede de vidro blindado. Pensar que Michio tinha criado tudo aquilo era admirável.
Minutos depois, a porta da sala se abriu. Michio estava de volta e, com ela, uma garota usando uma camisa social rosa, saia preta na altura dos joelhos e um jaleco branco, entrou. Seus passos lentos eram extravagantes e ela transmitia uma aura de nobreza.
Mayck se levantou prontamente.
“M-san, voltamos. Essa é a Hina”, disse Michio, gesticulando para a garota ao seu lado, que deu um passo à frente com as mãos juntas à frente do corpo. Assim como os outros, ela estava com uma máscara branca que lembrava um gato.
“Então você é o M-san, né? Fico lisonjeada em conhecê-lo. Michio me falou que você precisava conversar comigo…”
“O prazer é meu. Sim, eu quero falar com você sobre algo. Desculpe te incomodar com isso, mas eu acabei me envolvendo em algo urgente. Se não se importa, podemos falar sobre?”
Hina assentiu, sem problemas por parte dela.
“Claro. Eu vou fazer o que puder para ajudar.”
“Certo. Enquanto vocês conversam, eu vou tirar um cochilo”, afirmou Michio já com uma máscara de dormir e um lençol em mãos, cujas estampas eram de bichinhos fofos.
“Você não vai participar? Pensei que ficaria curiosa.”
“Coisas desconhecidas só dão mais trabalho e eu já tenho muitos. Até logo.”
Dito isso, ela se dirigiu para outro cômodo, fechando a porta atrás dela.
É a cara dela, pensou Mayck, percebendo que fora deixado sozinho com Hina.
Bem, não era lá uma das piores situações, e mesmo que ele tivesse um lado um tanto quanto tímido, já havia passado por diversas situações parecidas, então tinha adquirido experiência o bastante para prosseguir com uma conversa natural.
Ele respirou fundo antes de dizer qualquer coisa. Por sorte, Hina não deixou o silêncio desconfortável imperar.
“E então, o que nós temos em mãos?” Hina se apoiou na mesa, inclinando-se para frente, as mechas de seus cabelos castanhos ao lado do rosto balançaram.
“Hm. É isso aqui.”
Mayck colocou a ampola na mesa. Hina não demorou em analisar de perto. Embora a máscara cobrisse suas expressões, não dava para mascarar que ela estava olhando com um rosto curioso. Ela pegou e balançou a ampola algumas vezes.
“Hum… que coisa curiosa… parece um líquido, mas é bastante espesso… é como se fosse mel, mas tem um brilho admirável também…”
“Você já viu algo parecido antes?”
“Na realidade, não. Dá para comparar com muitas substâncias que eu conheço, mas nenhuma em específico. Eu teria que fazer alguns testes primeiro. Você tem mais dessas?”
“Não. Essa é a única, pelo menos no momento. Talvez eu consiga encontrar quem forneceu isso em breve.”
“Entendi, entendi. Hmm… Não posso negar que quero muito saber sobre essa substância… Infelizmente, para saber mais, eu tenho que usar meus equipamentos, e eles estão em Hokkaido…”
Seu tom de voz diminuiu drasticamente.
“É mesmo? Isso é uma pena. Eu também gostaria de ter mais informações o mais breve possível… Se não se importar, poderia levá-lo com você?”
“Claro. Não vejo problemas nisso. Eu posso fazer uma análise e estudá-lo com calma quando voltar para a minha base. Vou te contatar assim que obtiver um resultado.”
Apesar do tom de voz sério e que transmitia confiança, Hina, na verdade, estava quase saltando de alegria por ter uma substância tão intrigante nas mãos. Se Michio era obcecada por desenvolvimentos tecnológicos, então Hina era obcecada com qualquer coisa relacionada à química. Sua inquietação ao ver a ampola era visível.
Antes de sair, ambos trocaram informações de contato. Mayck esperava ter informações em breve, enquanto isso, continuaria buscando por Takeru, tentando entender seus motivos para usar aquela substância duvidosa.
<—Da·Si—>
Depois de retornar para seu dormitório designado pela GSN, Fuka imediatamente contatou alguns companheiros da organização — Kaito, Yuno e Rikki — e lhes passou parte da situação.
Ela queria a cooperação deles para investigar a Tengoku no Mon, que deveria ter desaparecido anos atrás.
Embora os garotos tenham ficado abismados com o sumiço de Haruki a princípio, aceitaram ajudar sem muitas ressalvas, então iniciaram a investigação logo. Se reuniram e começaram a procurar velhos arquivos sobre o incidente que levou a seita à extinção.
Por conta de todas essas circunstâncias, é melhor não envolver a Black Room, Fuka pensou. No pior dos casos, eu vou ter que questionar os superiores.
Sua suspeita principal era que a seita Tengoku no Mon não tivesse sido exterminada completamente, mas havia membros escondidos por aí. Também existia a possibilidade de haver outros grupos espalhados no país, até mesmo fora.
Em algumas horas, os garotos entraram em contato, por meio de um chat em grupo.
Yuno foi quem começou a discussão, dizendo que não havia muitas informações sobre o grupo nos arquivos disponíveis para os agentes.
Kaito concordou. Aparentemente, só havia informações básicas, como os tipos de atividades que a seita realizava e quais locais eram vistos frequentemente.
Por fim, os documentos mais recentes, de alguns anos atrás, marcavam o fim da seita, que encontrou seu destino nas mãos da GSN; o fatídico dia em que suas atividades malévolas e doentias cessaram de forma trágica.
Fuka lembrava desse dia, como a memória dolorosa que era. O calor do fogo queimando sua pele por todos os lados ainda estava vívido em sua mente. Os gritos dos membros sendo queimados, cortados brutalmente não cessaram em seus ouvidos até aquele dia, apenas esperando para atormentá-la antes de dormir.
[Yuno: Mas tenho que perguntar. Qual a relação desse grupo com o desaparecimento de Haruki?]
[Kaito: Será que ele estava investigando esse mesmo caso e foi pego?]
[Rikki: Há! Que idiota.]
Kaito e Rikki não pensaram duas vezes antes de darem seus julgamentos.
[Fuka: Algo assim. Mas essas informações não são úteis. Nós já sabemos que eles foram exterminados anos atrás. O que quero saber é o que aconteceu realmente.]
Se eles estavam por aí, queria dizer que não foram totalmente exterminados e isso atiçava a curiosidade da garota.
[Rikki: Então ou a gente sai pra investigar por aí ou a gente pergunta para os superiores.]
[Kaito: É. Mas quem aí tem coragem de falar com aqueles caras? No máximo, eu consigo falar com Tobias, mas duvido que ele ajude. Aquele cara, além de assustador, não tá nem aí pra ninguém.]
[Yuno: Eu não quero nem pensar em chegar perto dele. Quando ele era instrutor não tinha um que levantava a voz. Agora que é diretor deve estar virado no capeta.]
[Fuka: Deixando isso de lado, o que Rikki disse faz sentido. Nossa única opção é a investigação de campo. Quanto menos os superiores souberem desse problema, melhor. Vamos começar com os lugares que sabemos que eles já foram avistados. Deve haver pistas.]
[Yuno: Não sei… Se a Strike Down agiu naquela época, então não deve ter sobrado uma pedra deles.]
Usando a equipe de Reparação de Danos, a Strike Down já devia ter feito milagres na área destruída na caçada. Especialmente quando já se faziam muitos anos desde o ocorrido.
Independente disso, Fuka decidiu prosseguir com a investigação de campo e logo marcou alguns lugares do mapa, os quais cada um deles visitaria, e enviou para os três.
Ao todo, havia cerca de cinco lugares em Tóquio que já serviram de base para a Tengoku no Mon. Três em áreas florestais e duas em templos, os quais estavam abandonados. Não seria surpresa se os remanescentes da seita estivessem se reunindo ali.
Fuka e os três garotos decidiram ir até esses lugares no dia seguinte. Como os templos ficavam próximos, a garota ficou de visitar os dois e investigou minuciosamente.
Quando chegou ao primeiro, viu que realmente o lugar estava em ruínas, tendo sido abandonado completamente pelos encarregados de lá. Parecia que depois de todo o incidente, ninguém mais quis tomar conta do lugar.
Os portões de madeira estavam caídos sobre a imensa escada, que se estendia por aquela floresta silenciosa.
Podia-se ver musgos nas paredes, mato espalhado desde as escadas até o pátio. Sem falar nas rachaduras por todos os lados.
A Strike Down trouxe esse lugar de volta ao que ele era no dia antes do extermínio, mas parece que foi sendo destruído pelo tempo e ninguém ligou.
O templo então, se tornou um local turístico, ficando no meio da paisagem para aqueles que trilhavam por ali em direção ao topo da montanha.
Fuka adentrou cuidadosamente o interior do templo. O entulho estava espalhado por todos os lados, havia partes do teto no chão e nada que pudesse ser considerado útil. Era admirável como aquelas paredes rachadas e arruinadas podiam suportar aquele telhado igualmente acabado.
Não havia nada que valesse a pena procurar. Fuka sabia que deveria ir embora, mas as memórias que tinha daquele lugar a prendiam fortemente.
Quando fechava os olhos, ela podia ver claramente o fogo e todas aquelas pessoas correndo de forma desesperada. Uma criatura bizarra a sanguinária trucidando uma a uma.
Um calafrio percorreu o corpo de Fuka.
“É melhor eu sair daqui.”
Ela virou-se, pronta para ir embora, mas seus pés pisaram em alguma coisa. Era uma espécie de pingente de metal em um formato familiar para a garota. Ela pegou aquele símbolo odioso. Sua superfície estava corroída pelo tempo e levemente derretida.
“Por que isso está aqui?”
Nesse momento, ela recebeu uma mensagem.
[Kaito: Eu já olhei tudo por aqui. Não tem nada.]
O garoto estava designado para um das áreas florestais, mas não tinha encontrado nenhum vestígio da seita. O mesmo aconteceu com Yuno e Rikki.
Era uma situação péssima. Fazer uma investigação de campo e não encontrar nada era frustrante.
[Yuno: A Strike Down fez o trabalho direito. A única coisa que eu achei no caminho foi uma cruz de madeira no chão. Alguém deve ter enterrado um animal ou coisa assim.]
Fuka pensou se deveria falar sobre o pingente. Não era uma informação tão útil, já que todos sabiam sobre a existência deles, então ela deixou de lado.
[Kaito: Eu não falei nada porque só lembrei agora. Mas tem um cara que talvez saiba de alguma coisa.]
[Fuka: E quem é?]
[Kaito: Chamam ele de Garçom. Eu vou tentar falar com ele agora, já que estou mais perto. Se tiver sorte, eu falo com vocês.]
Então o garoto se prontificou a buscar informações de terceiros. Não havia muito o que pudessem fazer, então Fuka se agarrou a essa esperança e não tentou impedi-lo.
Colocou o pingente no bolso e começou a descer as escadas do templo. Porém…
“Huh?”
Um leve farfalhar das folhas ao redor, mas diferente dos outros, que eram balançados pelo vento. Fuka parou, atraída pelo som chamativo, e então observou.
Tem alguma coisa aqui?
Instintivamente, a garota entrou em uma pose de luta e esperou. Foi quando a coisa se revelou: era um gato preto. A garota ficou confusa, mas baixou sua guarda, enquanto o felino a encarava sem nenhuma emoção.
“O que um gatinho está fazendo por aqui?” Ela se agachou e fez sinal para o gato ir até ela, o que não foi difícil. “Foi abandonado? Onde está sua família, pequeno?”
O gato ronronou, aproveitando o carinho que estava recebendo, mas Fuka notou algo estranho naquele pequenino. Seu pêlo preto era diferente dos gatos comuns. Ele tinha certo brilho que lembrava as estrelas no céu noturno. Seus olhos de cores diferentes também chamavam muita atenção, como duas galáxias. Fuka não pôde não se impressionar.
“Que lindo…”
O gato, porém, parou por um segundo e logo correu floresta adentro, deixando Fuka confusa.
“Ei!”
A garota não sabia o que aconteceu. Iria deixar de lado, mas algo dentro dela a mandava perseguir o animal, então, sem pensar duas vezes, ela saltou para dentro da mata, correndo entre as árvores.
Seguindo o felino que ficava cada vez mais distante, ela acabou chegando numa área onde as árvores eram muito altas, porém distantes umas das outras, o que formava uma espécie de clareira.
“Para onde ele foi?” Ela olhou ao redor, mas não conseguia dizer qual direção seguir. Respirou fundo, o ar estava estranhamente gelado. Talvez devido ao fato de que ela estava numa área mais alta, mas não estava assim momentos atrás.
Sem que ela percebesse, uma névoa começou a surgir e envolver aquela parte da floresta e mesmo sendo dia acabou ficando mais escuro.
“O que está havendo aqui?”
Seu corpo entrou em posição de batalha. Seus anos como agente da GSN não foram brincadeira. Ela sabia que uma névoa não era formada assim em questão de segundos e tão visivelmente.
A temperatura caiu ainda mais. Ainda bem que ela estava de agasalho.
Repentinamente o gato apareceu em sua frente, sentado, encarando ela com aqueles olhos brilhantes e hipnotizantes.
Po… po… po…
Fuka, porém, não teve tempo para brincar com ele mais uma vez, porque outra coisa apareceu junto dele. Atrás dela, uma sombra de dois metros se projetava na névoa. O vestido branco quase camuflado, o chapéu de palha e a pele pálida.
Os batimentos cardíacos da garota aumentaram. Hachishakusama estava ali, bem à sua frente.
Fuka saltou para trás e sacou sua adaga. Suas mãos tremeram levemente, seu coração estremeceu. O ar pareceu ficar mais rarefeito e o vento gelado pareciam mãos acariciando-a.
Isso é hora de aparecer, assombração? Que droga! O que ela vai fazer?
A garota manteve seus olhos fixos no youkai, que levantou a cabeça com seu sorriso macabro e olhos tão negros quanto o abismo.
Fuka sentiu náuseas de repente e teve que mudar sua posição para equilibrar o corpo novamente. Sua cabeça começou a doer. Era uma dor tão forte que parecia que iria explodir.
Sua visão ficou embaçada, provavelmente coisa daquela névoa criada pela presença de Hachishakusama. Os segundos pareciam horas e Fuka sentia-se cada vez mais longe de si mesma.
Gritos irromperam no ar como um rasgo de pura dor e sofrimento. O tom avermelhado das chamas devorando tudo ao redor coloriram a paisagem.
Alguém passou correndo por ela, segurando a própria cabeça, depois de mais alguns passos, sua cabeça foi esmagada por trás por algo invisível e seu sangue jorrou enquanto o corpo caía sem vida.
Outra corria enquanto queimava até a morte, porém, a morte veio com a desconexão de sua cabeça.
Fuka arregalou os olhos. O ar de seus pulmões foi embora. Ela olhava ao redor com o corpo travado, vendo tantas pessoas caindo uma após a outra, sendo destruídas por algo que ela não podia ver.
O mar de fogo engolia tudo impiedosamente.
A garota segurou a cabeça, seu corpo empalideceu e tudo o que ela conseguiu fazer foi cair de joelhos e encarar aquele chão sujo de sangue. Enquanto os gritos dolorosos explodiam em sua mente.
“Não… não…!”
Logo as lágrimas começaram a cair. Aquela visão a torturava sem clemência. Aquele ângulo era ainda mais doloroso de se ver.
Mas então, vindo com um anjo para salvá-la, a pata de um animal tocou seu joelho e o miado do gato preto a tirou daquela ilusão. Quando Fuka levantou os olhos, estava de volta à floresta. Hachishakusama não estava mais lá, apenas aquele gatinho com seus olhos brilhantes.
“Uma… ilusão?”
A garota se levantou e bateu a poeira de suas roupas. Seu olhar ainda estava desolado, mas ela já estava mais calma.
“Obrigada.” Ela acariciou o gato mais uma vez. “Eu preciso ir agora.”
Como se entendesse o que ela disse, o gato saltou para mais fundo na floresta. Fuka também saiu e foi para o segundo templo, não encontrando nada, como o esperado.