Certo dia, durante a madrugada.
Uma van foi explodida numa estrada isolada longe da cidade grande, fazendo um estrondo e deixando fumaça e odores mistos subirem ao céu. Ela transportava uma quantidade considerável de munições e armas brancas, pertencentes à facção Yamada.
Obviamente, o acontecido foi relatado para o líder, que não perdeu tempo em despachar uma equipe especial para investigar o que havia acontecido.
O resultado mostrou que não foram usados explosivos externos e nem foi sabotagem do veículo, mas os aparelhos de detecção registraram um certo nível de radiação na área, deixando claro que fora obra de um portador.
Quem foi o responsável? Essa era a principal questão, mas também não havia dúvidas de que poderia ter sido alguma das outras facções — esse era o pensamento mais conveniente dadas as circunstâncias.
Yamada, o líder, estava impaciente, embora seus olhos frios de um tom azul-gelo e semblante enigmático ainda estivessem intactos. Ele era um homem de aparência astuta, com uma estatura mediana de cerca de 1,75 metros. Seu cabelo era curto, de um castanho escuro com mechas mais claras, penteados cuidadosamente.
“Aqueles bastardos imundos. Então já fizeram seus movimentos tão cedo?”
Os rumores da disputa haviam corrido por todo o submundo rapidamente, mas até então nenhuma das facções tinha feito qualquer jogada além da negociação do soro disponibilizado pelos cientistas misteriosos.
Ele, porém, não era o único carregando aquelas questões em mente. Ao contrário do que pensava, as outras facções sofreram ataques semelhantes num intervalo de três dias consecutivos. Na realidade, além da facção Yamada, apenas a facção Akagi sofreu um ataque desses.
A facção Kurokawa, por outro lado, recebeu e-mails, cartas e mensagens que ameaçavam sua sigilosidade e poder entre os poderosos do país.
Tais sementes foram plantadas por ninguém mais que a facção Takeru, que planejava, junto a Caleb, semear a discórdia entre os três, para conseguirem a pequena chance de fazê-los se destruírem.
Eles até começaram bem. Após darem um fim na vida de um empresário envolvido no submundo, que, além de financiar o tráfico realizado pela facção Akagi, agia em segredo com a facção Yamada, financiando projetos de armas de fogo e equipamentos roubados de portadores.
Ele era um empresário famoso no seu ramo e seu desaparecimentos geraria um escândalo tanto para a mídia quanto para seus parceiros no submundo.
Obviamente, como era envolvido com duas organizações rivais e perigosas, ele tinha medidas preventivas para não ser descoberto, porém, em uma noite, seu reinado teve um fim nas mãos de assassinos de elite enviados por Takeru, comandados pelo homem de cabelos grisalhos.
Como eles obtiveram tal informação se o empresário era tão esperto em relação a sua segurança? Simplesmente porque Caleb tinha conseguido um contato precioso para todos os bem informados no submundo: o Garçom.
Além disso, essa informação não sairia de graça por nada no mundo, então Caleb teve que prometer contar todo o desenrolar do que poderia ser uma grande reviravolta no submundo de Tóquio.
O líder da facção Akagi, após uma reunião de negociações com um representante chinês, foi alvejado por homens armados no meio da noite enquanto retornava em seu carro blindado, o que o deixou furioso. Escapou por pouco, mas perdeu, além de seu motorista, três homens de confiança.
Isso o fez perceber que o objetivo de seus agressores não era o fim de sua vida, mas algo mais, algo que ele não conseguia dizer o que era.
A disputa era pelo controle do submundo. Com todos esses incidentes acontecendo um após o outro, era justificável que os que não eram filiados às facções se mantivessem em silêncio, como espectadores. Portanto, durante as noites, se tornou mais comum ver homens em uniformes diferentes que representavam suas facções.
O primeiro passo do plano que Mayck contou a Caleb e foi passado para Takeru havia obtido sucesso.
Por conta dos ataques aleatórios, não dava para saber quem estava atacando quem, e embora nem mesmo a facção Takeru tenha escapado de se tornar um alvo, eles tinham em posse o controle da situação, então não foram muito afetados de um modo geral.
Tudo estava correndo bem até aquele ponto.
“Takeru-san, temos más notícias.” Um homem invadiu a sala. Não estava ofegante, mas seu tom de voz implicava que algo ruim havia acontecido.
“O que é?”
“Perdemos contato com o grupo que mandamos para espionar a facção Kurokawa. Acreditamos que tenham sido pegos.”
Para reter informações diárias sobre os movimentos de cada uma das facções, Takeru despachou equipes de espiões para os lugares em que cada uma das facções mais atuavam. No entanto, uma delas foi eliminada.
“Quais as chances de termos sido descobertos?”
“Eu acredito que são mínimas. Os homens que enviamos não estavam carregando absolutamente nada que denunciasse suas origens”, respondeu o homem, prontamente.
“Então não importa. Continuem monitorando as outras equipes.”
Ante a fria resposta do líder, o homem só pôde obedecer e ir embora, fechando a porta com hesitação.
“Já atacamos os principais postos de entregas dos Yamada, derrubamos quatro peões poderosos dos Akagi, além de termos enviado continuamente ameaças para os Kurokawa. Acha que isso é o bastante?”
“Hum… Vai ser um pouco lerdinho, mas eles vão continuar tentando descobrir quem é o responsável por tantos ataques aleatórios. Não vai ser fácil, já que são três possibilidades para cada um.”
Caleb enviou um olhar analítico para o monitor com relatórios de danos causados às outras facções.
“Hum! Seu plano está funcionando melhor que o esperado, moleque. Mas eu ainda quero saber o que você está planejando de verdade.”
Takeru estava feliz com o desenvolvimento que conseguiram até aquele momento, principalmente quando ficava cada vez mais perto de sua jogada fatal. Não restaria ninguém em seu caminho de liderar a economia e poder do submundo.
“Não fique duvidando de mim. Eu consigo fazer muita coisa. Enfim, vou deixar os detalhes com você, e se decidir fazer alguma coisa, me avise, por favor.”
“Eu prezo pelos meus aliados. Não vou fazer nada que quebre nosso acordo.” Ele tinha um sorriso insidioso em seu rosto.
“Hmm… Então, até logo.”
Caleb deu uma última olhada em Takeru antes de sair da sala sem preocupações. Ou era o que parecia na superfície. Já fazia mais de cinco dias que aqueles ataques começaram.
Era para ser apenas uma missão de espionagem, então como chegou a um nível tão absurdo?
Seu objetivo era tão simples quanto respirar: descobrir o que era aquele soro e quem estava por trás da distribuição dele, nada demais.
Porém, em algum momento, ele não sabia quando ao certo, aquele objetivo se tornou uma confusão generalizada entre quatro das facções dominantes no submundo de Tóquio.
Caleb pensava amargamente que não devia ter deixado de vigiar Mayck para se envolver em um problema tão grande. Sua mãe com certeza não aprovaria isso de jeito nenhum, e se descobrisse, iria puni-lo impiedosamente.
Como acompanhante de Olívia e também convidado da Strike Down, ele acabou sabendo de terceiros acerca do problema com as facções.
A Strike Down só não havia se envolvido ainda pelo simples fato dos líderes não estarem presentes quando tudo começou e o Departamento Investigativo da organização não estava em boas condições sem seus líderes.
Então eles eram um bando de incompetentes? Não. A resposta era outra. Simplesmente porque não havia apenas Tóquio sob seus olhares cautelosos. Naquele ritmo, isso tudo se tornaria bem mais que um conflito entre facções criminosas.
Caleb se sentia cada vez mais arrependido de ter formado um trato com Takeru; isso poderia manchar sua reputação como membro da Nova Lótus, embora ele tentasse se manter otimista sobre o quanto isso faria bem ao seu histórico se caso ele conseguisse dar um basta na situação.
Por outro lado, ele tinha um membro da Black Room ao seu lado. Não poderia responder se confiava plenamente nele, mas a julgar pelas histórias contadas sobre ele e seu modo de agir — ajudando-o mesmo se não houvesse nenhum benefício — ele podia afirmar que era a melhor opção para contar.
“Só me preocupa o fato da Black Room não ter se envolvido até agora também. Será que o Olhos azuis está escondendo?” Ele pensou que Mayck poderia estar acobertando todo o conflito, mas logo sorriu e balançou levemente a cabeça. “Não, não. Não tem como.”
Até onde ele sabia, a Black Room estava atenta aos movimentos das facções há muito tempo. Se fosse chutar o porquê deles não terem se metido ainda, seria porque as facções estavam disputando numa pequena bolha que não causava dano às pessoas comuns diretamente, mas não dava para saber até quando isso duraria.
Eles estavam brigando sob uma corda bamba.
“Eu vou falar com aquele cara. É melhor saber o que mais ele está planejando. Se for algo ruim ou desnecessário, vou tomar providências por mim mesmo.”
O conflito estava se agravando cada vez mais e Caleb só queria terminar isso logo, certo de que essa situação lhe causaria um peso moral absurdo se fosse longe demais.
<—Da·Si—>
Em meio a todas as circunstâncias que a levaram a se afastar da Strike Down, Hana se resolveu com parte de seus sentimentos. Não podia dizer que estava totalmente bem, mas pelo menos conseguia afastar os sentimentos ruins que a corroíam por dentro.
Depois de sair sozinha durante a noite e rever as sensações de ser uma caçadora, ela se lembrou que não estava ali apenas por si mesma. Depois de salvar um grupo de portadores que estavam em apuros nas mãos de um Ninkai de classe Pesadelo, percebeu que o que a mantinha naquele mundo era prezar pela justiça e proteção das pessoas.
Ela era uma garota que não gostava de ver sangue derramado.
Mayck estava lutando sua própria batalha. Ela já havia aceitado isso. Não podia ficar apenas correndo atrás dele dizendo que iria protegê-lo. Apesar de doloroso, ele sabia se virar muito melhor que ela.
Então, depois de um suspiro e uma rápida consulta em sua própria determinação, ela abriu a porta do vestiário feminino. Airi e Yui estavam lá.
“Hana-nee!!” Yui saltou sobre ela com um sorriso gigante nos lábios, abraçando-a fortemente.
Era inegável que elas se davam bem e pareciam até irmãs quando juntas.
“Bem-vinda de volta”, disse Airi, um olhar gentil e acolhedor em seu rosto, junto a um doce sorriso.
“Yui-chan, Airi-san… Me desculpem pelos problemas que causei.”
“Uh-uh. Isso não é importante. Sabemos que você tem enfrentado muitas coisas. É bom te ter de volta.”
As palavras de sua companheira soavam como melodias aconchegantes em seus ouvidos. Havia se preocupado à toa quando pensou que levaria um sermão por ter se afastado sem justificativa. Mas a realidade era bem diferente.
Depois de se trocarem, enquanto colocavam o papo em dia, elas se apresentaram aos garotos da equipe, que também ficaram felizes em ver Hana presente. Ênfase na reação de Asahi, que ficou totalmente sem jeito ao ver a garota, tropeçando em suas palavras e ficando com o rosto vermelho.
A Equipe de Ataque número oito estava reunida novamente. Após uma breve confraternização, Hana cumprimentou seus outros amigos da organização e ficou a par de todos os últimos acontecimentos.
“Olha, Hana, eu sei que você está com a cabeça cheia de problemas para resolver, mas nós estamos com algo que precisamos investigar o mais rápido possível.”
Depois de se afastarem para um lugar mais reservado, Ryuunosuke abordou o assunto. De repente, o clima ficou meio pesado.
“O que aconteceu?”
“Basicamente”, Airi prosseguiu. “Nós encontramos registros de contatos e até mensagens codificadas nos arquivos sigilosos da organização.”
“Certo?”
“O problema é que em uma dessas ligações, ouvimos a voz de Yang.”
Hana, naturalmente, quase deu um grito surpreso, mas se conteve.
“Yang? Como isso é possível? Tem certeza? Não é apenas uma pista de alguma investigação paralela?”
A garota tinha muitas perguntas que apareceram de repente.
“É, também pensamos nisso. Realmente, nós temos arquivos de voz de Yang que foram obtidos por meio de rastreamento, mas o que ouvimos era parte de uma conversa ‘perigosa’, por assim dizer.”
E por já terem visto e falado com Yang antes, não restava dúvidas de sua identidade.
“Encontramos por acidente em uma pasta secreta quando Asahi estava fuçando arquivos sem permissão.” Ryuunosuke tinha um tom de voz meio duro e Asahi se encolheu. “Por que estava guardado daquele jeito? Só há uma resposta.”
“Tem alguém na organização mantendo contato com Yang…” Hana deduziu.
“E é alguém do alto escalão”, Asahi complementou de forma dramática.
“Nós poderíamos questionar os líderes da base, mas, além de ser perigoso, eles não estão presentes, exceto o presidente Katagiri, que ficou responsável por observar a Black Room.”
“Entendi. Então como vamos procurar quem é?”
“Não sabemos, mas é bom começarmos a coletar informações. É melhor a gente evitar que os outros saibam sobre isso.”
A discrição era uma prioridade máxima naquela situação. Um pouco de alarde e a organização sairia dos eixos facilmente.
“Então vamos fazer assim: vamos nos dividir e coletar informações com todos os chefes de cada departamento. Também devemos consultar os monitores. Lembrem-se de manter sigilo sobre o que estamos fazendo. Não queremos criar confusão.” Ryuunosuke tomou a frente e criou um caminho.
Todos assentiram sem exceção. E para a pequena Yui, que estava extremamente animada com a situação, foi dito que ela ficaria com Airi para evitar problemas.
Afinal, situações sérias não eram, nem de longe, as melhores amigas da enérgica garota de cabelos rosa.
<—Da·Si—>
Três homens entraram na sala, um após o outro, e se colocaram de pé diante do líder da facção Yamada. Era este o Conselho de Tenentes da facção, que supervisionava a logística, segurança e as finanças do grupo.
Eles estavam ali para relatarem os resultados das investigações que estavam sendo realizadas.
Ao que disseram, mais uma base de operações foi atacada. Dos agentes que estavam presentes no local, alguns foram mortos e outros sequestrados. Não conseguiram identificar a qual grupo pertenciam os invasores.
“Estão tentando nos derrubar pouco a pouco. Eu planejava esperar eles se autodestruirem para usar o soro, mas parece que estamos sendo igualmente alvejados.”
“Pode ser difícil descobrir quem é o responsável, senhor. Todas as facções estavam em silêncio até alguns dias atrás porque não tinham poder suficiente para derrubarmos umas às outras.”
“Aka tem razão. O conflito começou de repente envolvendo todas as facções. Se ninguém tem poder pra isso, então quem diabos se arriscaria desse jeito?” Um homem de cabelos acinzentados se pronunciou.
“É óbvio que deve haver algo mais por trás. É possível que eles estejam cooperando entre si.” O homem de cabelos azulados, quase brancos, deu sua opinião.
“Mas isso não justifica as quatro serem atacadas simultaneamente.”
Ou elas tinham combinado de se atacarem para manter a farsa. Essa possibilidade existia.
“Não façam tanto barulho. Cada um de vocês tem um ponto interessante. É verdade que eles não tinham o poder necessário para atacar ninguém. O que só deixa uma saída”, Yamada afirmou.
Seu pensamento era simples: uma das facções estava aliada com um grupo externo, que lhes deu suporte e poder necessário. Enquanto os outros ataques foram apenas repostas autodefensivas.
“Isso é… Se for assim, então a última organização que foi atacada é a principal suspeita de ter iniciado isso tudo, não é não?”
“Você não está errado em pensar assim, Aka, porém, pode ser que o primeiro ataque já tenha sido uma resposta a outro ataque. No entanto, fomos nós quem sofremos o primeiro ataque e não tínhamos feito nenhum movimento até então. O que descarta essa possibilidade parcialmente.”
“Caramba! Então a gente foi pego no fogo cruzado?”
Era possível. Em uma resposta ao suposto primeiro ataque por baixo dos panos, a facção desconhecida acabou atingindo o alvo errado. Mas isso só levantava mais questões, afinal, a carga que foi atacada era um segredo.
“O que me deixa pensativo é o fato dos Kurokawa não terem feito nenhum movimento brusco ainda. Eles estão apenas respondendo às outras facções. Sem falar que a Golden Society está em silêncio desde o incidente com a Skytree.”
Poderiam ser eles a base de tudo, mas ainda não havia informações o suficiente para chegarem a uma conclusão.
“Continuem atentos. Não sabemos o que estão buscando. Talvez nós devêssemos fazer um ataque para ver as reações deles. Fiquem à vontade para fazer isso.”
“Sim, senhor”, os três disseram, adotando uma postura de saudação.
No entanto, antes de saírem da sala, o rádio comunicador de Aka fez um barulho.
[Senhor, temos um problema.]
“O que foi?”
[O armazém foi atacado por um grupo com os rostos cobertos com balaclavas. Um grande número dos nossos homens foram abatidos.]
“O que eles fizeram?”
[Eles destruíram todo o armazém, senhor. E também… levaram os soros que seriam usados para os testes…]
Aka olhou para seus dois companheiros e seu superior com um olhar estupefato, afinal os soros que haviam sido adquiridos das mãos dos cientistas, que eram capazes de equilibrar os poderes das três facções foram roubados.
“Reúna os outros capitães. Iniciem uma operação de busca—”
“Espera. Não faça isso. Se eles querem o soro, deixe-os ter.”
Yamada interrompeu a comunicação. Aoi e Gure queriam retrucar, mas um breve olhar se seu líder os fez recuar.
Então, Aka disse ao capitão para não fazer nada no momento.
“Tem certeza disso, senhor?”
“Sim. Eu acho que estou entendendo um pouco mais o que eles querem.”
Yamada fechou seus olhos brevemente enquanto imaginava um cenário em sua cabeça. Então, após alguns segundos, ele afirmou:
“Vamos esperar a resposta das outras duas facções. Só depois faremos nosso movimento.”
Os três homens tinham suas ressalvas acerca do soro ter sido roubado. Afinal, eles estavam sendo jogados para baixo pelos inimigos ao perderem o que poderia ser uma arma tão valiosa. Até tentaram entender os motivos de Yamada e tentar persuadi-lo a ordenar uma missão de busca, mas não obtiveram sucesso.
O líder estava firme em sua decisão.
****
Em outro lugar, havia também quem estava preparando seu ataque-resposta às hostilidade daquele grupo que insistia em continuar escondido enquanto semeava a guerra.
Depois de ouvir atentamente o relatório de um subordinado, o homem velho, com uma barba vistosa e branca, assim como seu cabelo já tingido pelo tempo e um olhar duro no rosto, resmungou.
Era certo que aquela situação não lhe agradava nenhum pouco. Era como se estivessem sendo atacados por fantasmas de tão repentinos que foram. Na realidade, até fantasmas teriam dado um aviso prévio antes de um movimento tão ousado.
Apesar disso tudo, Akagi estava mirando um único grupo como seu principal suspeito. Por conta do longo histórico de conflitos com essa facção específica, ele não tinha como não pôr seus olhos sobre ela.
Sua impaciência estava quase explodindo. Se ele quisesse, mandaria seu esquadrão de elite mais poderoso para dar um fim em Takeru. Porém, nem ele era tão tolo assim.
“Esse verme está armando alguma coisa. Atacar tão de repente assim não passa de uma decisão apressada e banal.” Seus cotovelos apoiados sobre a mesa de madeira, olhos fixos na porta à sua frente
Akagi ponderou sobre isso.
“Ele pode estar tentando evitar que nós usemos o soro? Isso quer dizer que ele já usou e sabe para que serve?”
Àquela altura, todas as facções já teriam de estar cientes do que tinham em mãos, mas sua cautela era muito maior. Afinal, eles não faziam ideia de quem eram aqueles cientistas estranhos e misteriosos que os ofereceram algo tão potencialmente perigoso.
Segundo o que eles disseram na hora das negociações, todas as facções dispostas a participarem de um experimento poderiam acabar recebendo um poder tremendo, capaz de abalar as estruturas do submundo e lhes garantir uma vitória absoluta.
“Se for esse o caso, então ele está um pouco atrasado.”
Ao contrário dos outros hesitantes líderes, ao ver de Akagi, ele pegou quatro ampolas daquele soro duvidoso e já havia usado um deles, restando-lhe apenas duas.
“É uma pena para aqueles moleques, mas eu já estou na frente há muito tempo.”
Akagi se lembrou do que aconteceu com o primeiro experimento. Não poderia ser considerado um sucesso absoluto, mas também não era uma falha vergonhosa.
“Mesmo tendo acabado daquele jeito, ter a ajuda daqueles bastardos foi muito conveniente. Talvez eu agradeça a eles de forma generosa quando finalmente tomar o controle dessa sarjeta.”
Akagi arrumou sua postura na cadeira e logo se levantou. Ele tinha um objetivo em mente, então saiu da sala e seguiu em direção a um tipo de laboratório, com um guarda utilizando uma espécie de uniforme militar, que o aguardava fora da sala.
O laboratório, em questão, estava sendo usado para os experimentos com soros, então os pesquisadores reunidos ali estavam com foco total.
“Como está o andamento?’
Akagi se aproximou do responsável pelos experimentos, que respondeu prontamente depois de reverenciar seu líder.
“Bom, nós vamos iniciar a aplicação imediatamente nas cobaias número dois e três. Estamos também estudando as substâncias que compõem esse soro, mas é realmente um desafio.”
“A primeira funcionou com tranquilidade. Não há o que temer. Mande os fiéis se prepararem para o ritual imediatamente. Vamos atacar assim que as armas ficarem prontas.”
“Sim”, o pesquisador responsável respondeu.
Logo, Akagi trocou seu foco para o guarda que o acompanhava.
“Você. O que aconteceu com a cobaia número um?”
“Ela ainda não foi encontrada, senhor. Nós perdemos totalmente o contato com a mulher que foi designada a ficar de olho nela e não temos progresso até agora.”
“Tsk. Que vergonhoso. Por conta das curiosidades imbecis daquele grupo, perdemos uma ampola a mais. É melhor que se certifiquem de encontrá-la. Caso contrário, alguém vai ter que pagar por isso.”
Os olhos de Akagi eram sérios e amedrontadores, tanto que o guarda não conseguiu encará-lo por mais de dois segundos e já ficou trêmulo.
De fato, aquele velho senhor, veterano de guerra com certeza já havia visto todos os horrores que ocorriam nas matanças entre humanos de diversos países.
E mesmo após se aposentar, encerrando sua carreira nas Forças de Autodefesa do Japão como coronel anos atrás, ele ainda não queria largar a sensação de comandar seu próprio exército para a guerra, para o derramamento de sangue.
Foi com esse sentimento que cinco anos atrás ele se envolveu com o submundo, dando a si mesmo como morto para o restante do país, jogando todos os seus anos como militar no lixo, apenas para saciar essa sede por caos.
Ele não era um portador, mas suas habilidades físicas e mentais superaram as de um humano normal. Akagi era capaz de se igualar ou até ultrapassar um portador em seu auge, o que provava que não precisava ser um portador para fazer suas energias internas causarem um efeito significativo em sua existência.
Uma agitação se iniciou naquele laboratório e depois de várias arrumações, cliques e preparações, o silêncio retomou.
As luzes foram apagadas e apenas dois grandes cilindros de vidro cheios de água estavam iluminados. Dentro deles, dois corpos repousavam. Ligados por tubos no rosto e um braço mecânico que carregava uma ponta de agulha, estava tudo preparado para começar o experimento número dois e três.
Após a ordem de Akagi, sons mecânicos soaram pelo laboratório. Os braços mecânicos perfuraram a pele das duas pessoas nuas dentro do cilindro e injetaram nelas o soro sem nome, cuja origem era desconhecida.
O efeito foi imediato. Como se ressuscitassem, as duas pessoas abriram os olhos e começaram a se debater inutilmente sem que pudessem nadar ou sair daqueles cilindros. Veias pulsantes apareceram em seus corpos e sua tonalidade de roxo, brilhante, mostrava que o soro já havia percorrido todo o caminho até o cérebro.
Era questão de tempo até deixarem de ser o que eram.
Enquanto isso, os pesquisadores relataram a situação em voz alta, cada um sobre o que eram responsáveis.
“Pressão arterial: dentro do esperado.”
“Batimentos cardíacos: elevado.”
“A atividade cerebral excedeu a capacidade normal. Se continuar subindo eles vão morrer.”
“Não importa. Apliquem o restante.” Akagi deu de ombros para o aviso. Os computadores tentavam alertar sobre o perigo, mas a ordem do líder era mais importante, então eles não hesitaram em injetar o restante do soro.
Os olhos das duas cobaias estavam arregalados. Ninguém sequer podia imaginar a dor que eles estavam sentindo, afinal, eram um bando de demônios frios que só se importavam com os próprios avanços científicos. Até porque Kagu fez questão de selecioná-los a dedo; cientistas capazes de abandonar seus lados humanos pelo bem das pesquisas.
Quando o desespero estava chegando ao seu ápice, as cobaias — um homem e uma mulher — começaram a bater freneticamente contra o vidro blindado, na fútil tentativa de se libertarem daquela tortura infernal.
Mas nada adiantava. Ninguém iria parar o experimento. Não tinha como voltar atrás. Aqueles dois estavam totalmente aflitos, mas não pela situação em que se encontravam, não que isso não fosse importante. Eles choravam lágrimas de sangue só de pensar na filha que deixaram para trás quando só tinham saído numa pequena viagem de férias, prometendo que voltariam logo.
A mulher se debatia amargamente, enquanto o homem, furioso, persistia em bater no vidro, olhando para sua esposa naquela situação torturante.
Até que o vidro rachou. Era uma esperança. Mas não rachou pela sua determinação em sair dali e salvar a mulher de sua vida, mas porque seu corpo já não era mais humano. Não era um animal, nem um inseto.
Era uma coisa disforme, grotesca e repugnante, cujo corpo continuava a aumentar de tamanho. O vidro enfim cedeu, os alarmes do laboratório dispararam como loucos e todos os guardas apontaram suas armas para a criatura que acabara de ser criada.
O destino da mulher, porém, foi diferente. Seu corpo inflou e começou a derreter lentamente, se dissolvendo na água, desde sua pele até seus ossos, obrigando seu marido a assistir isso até perder a consciência por completo e se tornar nada além de um monstro sem racionalidade.
Os alarmes pararam, assim como a criatura.
“Sem atividade cerebral das duas cobaias. Parece que nenhuma resistiu—”
UURRRAAAHH!
Quando todos pensavam ter sido um fracasso por completo, os computadores tiveram um súbito aumento nos parâmetros ligados ao que era um homem minutos atrás, e o monstro levantou sua cabeça para cima, urrando sem parar, como alguém que gritava de tanta dor e agonia.
“Fo-foi um sucesso! Tivemos nosso segundo sucesso!”, um dos cientistas gritou. Os demais comemoraram com ele, criando um clima de festa repentino no laboratório, totalmente alheios ao sofrimento do monstro, que era incapaz de derramar lágrimas ou ter um luto decente, com sua dignidade humana jogada no lixo.
O monstro continuou urrando e urrando. Se fosse um ser humano, suas pregas vocais já teriam estourado. Ele urrou tão alto que causou um tremor no laboratório inteiro. Então veio sua revolta.
Vendo todas aqueles pessoas doentias e repugnantes sorrindo e cheias de alegria, ele moveu suas mãos grandes, com garras escuras, e começou a destruir tudo ao redor com uma força absurda, enquanto seus gritos pareciam abafar a imensa tristeza de um homem que ainda residia ali dentro daquela carcaça pálida, com olhos verdes sem brilho, uma boca cheia de dentes irregulares que ficava aberta, como se estivesse fadada a gritar para sempre.
Imediatamente os guardas agiram, atirando sem parar contra o monstro. Eles tiveram sucesso nessa parte, e só seria melhor se o monstro não se regenerasse tão rápido quanto um piscar de olhos. Ele então seguiu, furioso, destruindo tudo quanto possível.
“Onde estão os malditos da Tengoku? Não era para estarem aqui?”
“Sim, senhor. Mas nós não conseguimos entrar em contato…”
“Que bando de imprestáveis. Onde eu tava com a cabeça quando pensei em me aliar a eles? No fim, são só um monte de carne inútil que só ocupam espaço.”
Akagi apertou os punhos e andou, deixando todos ao redor atônitos.
Os guardas não estavam dando conta do monstro. Eles eram trucidados tão facilmente quanto bolhas de sabão no ar e seu sangue tingia toda a pele pálida do monstro que não recuava um segundo sequer.
Akagi se aproximou dele. Os passos lentos e passados chamou sua atenção e ele já se preparou para derramar todo o ódio guardado sob aquela carcaça. O monstro urrou tão fortemente, como se ele soubesse quem aquele homem na sua frente era.
Ele ergueu sua mão. As garras prontas para dilacerá-lo rasgaram o ar na direção de Akagi. Porém, como se segurasse a espada de um cavaleiro com as mãos nuas, o líder da facção agarrou dois dedos do monstro e os puxou com violência para si. O monstro caiu, causando um estrondo. Logo em seguida, um soco sobrehumano foi desferido em seu rosto, destruindo o crânio que havia por dentro.
“Você vai se comportar agora, como o bom pedaço de lixo que é.”