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Capítulo 18 – Qualia X


Ainda a esfregar timidamente a parte de trás de sua cabeça, o garoto volta a sua atenção para o homem à frente, e mesmo estando receoso, o pergunta.

— Mudando de assunto, você tem alguma ideia para onde ir nesse momento? A vila foi destruída, e é bem provável que outras cidades no caminho também tenham sido. 

A expressão de Kazuki é indiferente, ou ao menos o que tenta transparecer, mas seus pensamentos… É como se estivessem a martelar coisas completamente diferentes. 

Foram inúmeros acontecimentos e fatos repentinos que ocorreram, Kazuki, até aquele momento, não havia conseguido processar toda a informação, de modo a pensar em algum plano ou estratégia. 

E, apesar de tudo que aconteceu, o homem fera ainda aparenta estar ligeiramente desacordado e parcialmente fora da realidade. 

Foi difícil presenciar todos os seus conhecidos, amigos e pessoas que convivia nos barzinhos e comércios, mortos, jogados nas mesmas ruas que outrora construira boas lembranças. 

Desconcertante, saber que o restante dos aldeões que tentavam sobreviver, agiam de forma tão impulsiva em prol de sua própria sobrevivência, enquanto ignoravam e passavam por cima de outros indivíduos na mesma situação. 

O resquício de humanidade naquelas pessoas havia desaparecido e evaporado. Pareciam verdadeiros animais, irreconhecíveis. A premissa é uma decepção em relação aos outros, uma desistência completa da sociedade.

Toda essa junção de fatores havia mexido com uma parte de seu psicológico. E, querendo ou não, foram 7 anos de convívio e harmonia, os aldeões eram como familiares, todos na vila consideravam-se parte de uma alcateia enorme de lobos. 

O conflito entre o turbilhão de sentimentos conflitantes de lamentação, culpa e responsabilidade haviam atingido seu ponto fraco. Apenas estar de pé é considerado cansativo, não pelo cansaço, mas sim, pelo excesso de sentimentos autodepreciativos. 

A responsabilidade de necessitar ser uma figura paterna enquanto os sentimentos recorrentes de negação, e arrependimento, martelam a cada segundo que o tempo passa, como se fosse um peso em suas costas, que periodicamente aumenta. 

— Rei, para ser sincero, eu realmente não sei o que fazer… Mia ainda é pequena, e Takayo não consegue nem mesmo dizer uma única palavra — responde. 

— Se fossemos para a capital, tenho medo que os soldados possam me reconhecer. Fora as estradas que devem estar interditadas, isso não só nos colocaria em risco, mas também seria problemático — acrescenta. 

— O que precisamos agora é de tempo e espaço, principalmente as crianças. — Termina de explicar, olhando para Mia e Takayo, sentados no chão. 

Assim que acaba de relatar, o estudante o responde de forma sincera.

— Tudo que rolou foi repentino demais, não deveria estar pensando sobre isso agora. Por favor, tirem o tempo que precisarem.

— Vou ir espairecer minha mente na floresta também, irei aproveitar e trazer algo para comermos. Pelo que percebi, estamos zerados de suplementos — acrescenta.  

Antes que Kazuki pudesse reagir diante do que escutou, o garoto faz um sinal de hang loose. 

— Não precisa se preocupar, pode relaxar. Eu só vou arranjar algo para comermos. — Finaliza a discussão com um sorriso e voz morna. 

Por um segundo, Kazuki compara a voz morna do garoto com uma calda de caramelo derretido em chocolate escuro… ou algo assim. 

Após terminarem a conversa, com as mãos no bolso, Rei, afasta-se de perto do homem e adentra a vasta floresta densa nas proximidades. 


❁10 minutos depois❁

A medida que caminha pela floresta, e tropeça em algumas raízes tortas, cipós e galhos, o garoto nota que o vasto céu avermelhado e nebuloso começa a escurecer e a noite tornar-se nítida.

Terra úmida, vegetação densa e árvores sem fim… A paisagem à vista é como uma floresta tropical. 

Antes, o estudante ouviu dizer que as florestas tropicais geralmente são cheias de animais, insetos e plantas perigosas para os humanos, mas por não ter certeza de como são as coisas por aqui, ele apenas continua caminhando cuidadosamente.

Até que decide sentar-se em um galho espesso próximo, e olhar o seu entorno. 

Ao longe, é possível ver o restante da luz do céu brilhante escapar através das folhagens e iluminar um pequeno espaço da floresta; no ar, pássaros de aparência estranha voam livremente em volta, e o solo se mexe constantemente, como se algo estivesse rastejando por ele… 

Aqui, várias criaturas e plantas não podem ser encontradas no seu mundo, assim como muitos insetos e pequenas criaturas que rodeiam a atmosfera.  

Apesar do clima frio, toda vez que uma ventania bate, os arbustos e folhas balançam, e, ao sentir a sensação, o garoto relaxa os ombros e toma uma profunda e purificante respiração, tentando desvencilhar-se de toda a tragédia que presenciou mais cedo. 

Observa a vista deslumbrante, e fica por alguns segundos momentaneamente aliviado com a visão. 

Uau. 

É uma floresta comum, mas aos olhos de Rei, que passou a maior parte de sua vida na cidade grande, aquele lugar é como um pequeno quadro de artes natural… Igual aos que via estampado em museus, eventos e escolas. 

O garoto com as mãos para trás do tronco espesso, imerge em pequenos pensamentos. 

Arrepende-se por não ter conseguido reagir a tempo, e por não ter forças o suficiente para ajudar Kazuki e Takayo. As coisas poderiam ser diferentes, e com certeza se tivesse uma máquina do tempo tentaria consertar o que havia acontecido. 

Mesmo que estivesse ligeiramente abalado com a situação, e presenciado a morte de pessoas que tivera um contato na vila, o garoto optou em não dizer nada. 

Comparado ao sofrimento de Takayo, Kazuki e Mia, dizer algo como: estou assustado com a morte de outra pessoa, é em seu ponto de vista, algo insensível. 

Não que a dor de outra pessoa seja maior que a dele a ponto de não haver necessidade de desabafar, todos estão passando por um momento complicado. Entretanto, o melhor a se fazer é guardar para si.

Continua… 


Notas finais

Qualia = Não importa o quanto alguém acha que te conhece, a infinidade de seus sentimentos vai além de qualquer compreensão. 

Não existe sofrimento suficiente que se pressupõe e seja maior que o seu, comparação de sentimentos e dores é algo supérfluo. Você é a única pessoa que pode ser levada a sério.

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Olá, eu sou XXX!

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