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O sol se punha sobre o canyon, lançando sombras alongadas sobre a equipe enquanto se preparavam para enfrentar a ameaça rastejante. Julia, de pé sobre uma rocha irregular, apontava para a aranha colossal que se debatia violentamente.

— Pegue uma das pernas direitas, rápido! — gritou ela.

A aranha gigante emergiu como um pesadelo das fendas do canyon, sua carapaça brilhando sinistramente sob os últimos raios do sol poente. Era uma criatura grotesca, com oito olhos injetados de sangue que cintilavam com um brilho maligno, analisando a presa com malevolência. Seu corpo volumoso, coberto por pelos negros e espessos, movia-se com uma agilidade perturbadora. As pernas, longas e desproporcionais, terminavam em garras afiadas como navalhas, capazes de triturar pedra. Seu abdômen pulsante exalava um odor fétido e nauseante, prenunciando morte.

Alex, com agilidade surpreendente, agarrou duas das imensas pernas da criatura, recebendo o forte impacto dos membros restantes. A dor e o esforço quase o subjugaram, mas ele persistiu.

— Estabilize o corpo, segure firme! — Ana comandou, segurando todas as pernas do outro lado em um abraço forte. Ela tinha delegado a Júlia a liderança tática, enquanto se concentrava em dar instruções gerais para todos.

Os monstros começavam a surgir com mais frequência à medida que se aproximavam do ponto mais profundo do canyon. Aranhas, golens, lobos, todos criaturas não tão fortes para o grupo mercenário atual. Em certo ponto todos subiram para o rank E, então a quantidade e velocidade de mana que absorviam diminuiu drasticamente.

Apesar disso, aproveitaram a oportunidade para treinar sempre que possível, utilizando diversas estratégias e revezando a liderança do ataque entre si. Já era o terceiro dia de jornada, e, embora estivessem cansados, todas as noites cantavam para manter o ânimo.

— Júlia, terminei. — em sua voz tímida habitual, Marina chamou a caçadora ruiva. 

— Isso é… estranho. Não sei nem explicar, isso é incrível, Marina!

A flecha armada em seu arco brilhava em dois tons opostos, um azul frio como o gelo na ponta da flecha e um quente vermelho escarlate ao fundo. Marina estava se aperfeiçoando aos poucos, e os muitos debates dos quais participou nesta missão expandiram sua criatividade mágica ao limite. 

Ela estava testando um tipo de magia de fusão elemental, combinando fogo e gelo numa única flecha. Este experimento não apenas desafiava as leis naturais da magia, mas também servia como um testemunho de sua crescente habilidade e confiança. A ideia era que, ao impacto, a flecha criasse uma explosão térmica, aproveitando a violenta reação entre os opostos extremos de temperatura para maximizar o dano.

A flecha disparou do arco como um foguete, indo perfeitamente em direção a cabeça da criatura. Notando o perigo, uma das pernas livres parou de atacar Alex e tentou desviar a trajetória do projétil, mas seu ato descuidado fez com que a perna explodisse instantaneamente.

Gritando em agonia e em um último ato desesperado, a aranha destroçou propositalmente a parte de suas pernas presas por Ana e Alex, utilizando rapidamente sua teia para se puxar em direção ao penhasco próximo.

No entanto, destruindo a pequena esperança do monstro, Felipe cortou desajeitadamente a teia em meio a seu lançamento. Ele estava com poucas balas, então apenas ajudava na liderança do time, mas sua antiga lâmina companheira não deixou sua cintura em nenhum momento, sendo utilizada em situações como essa.

Enquanto a aranha estava atordoada pelos seus planos de fuga não concretizados, Ana deslizou por baixo de seu corpo. A faca, a qual já havia sentido o gosto do sangue em batalha, brilhava em um vermelho intenso. Em um movimento limpo, a garota perfurou o abdômen exposto, deslizando em seguida um corte que se estendeu até a cabeça. 

— Mas que nojo, você devia ter feito algo um pouco menos sujo — reclamou Júlia, cobrindo o nariz ao encarar as entranhas da criatura, as quais agora espalharam o odor podre pelo ar.

Ana deu de ombros e focou seu olhar na faca em suas mãos.

“Se continuar nesse ritmo, logo não poderei mais chamar isso de faca” , pensou ela. 37 riscos eram visíveis na lâmina, e os 35 centímetros originais da faca já haviam se transformado em 40. 

“Parece que o nível da criatura influencia o quanto ela cresce. Apesar de não ter notado um padrão exato nas últimas lutas…”, limpando a faca em um pedaço rasgado da manga de Alex, ela voltou a guardá-la em sua bainha.

— Bom, vamos pegar o que é útil e seguir nosso caminho — suspirando pela falta de noção de Ana e cortando a parte suja de sua roupa, Alex começou a recolher os principais espólios da batalha, quando de repente parou ao ouvir um leve “bip”.

— Finalmente encontramos… esqueçam isso, vamos ter tempo suficiente para caçar mais dessas quando terminarmos a missão.

Com uma expressão animada, Ana encarava o detector em suas mãos. Ele havia ficado silencioso nos últimos dias, mas agora uma leve marca era mostrada em sua tela simples. O sinal oscilava, sumindo e aparecendo novamente.

— Felipe, marque a localização no mapa, só por garantia. Marina, use o vento para aceleração, não vamos arriscar perder mais tempo — dando ordens rápidas aos outros, ela começou a seguir em direção ao seu objetivo.


Uma pequena caverna adornava a montanha à sua frente. A escuridão era avassaladora, mas uma brisa suave e agradável estava fluindo de dentro para fora do local. O vale ao redor era silencioso, desarmônico com o ambiente perigoso pelo qual passaram até agora.

— Pessoal, acho que este é o lugar certo — Marina apontava para pequenas gotas de sangue espalhadas pelo solo. Seja lá o que entrou na caverna, estava com grandes ferimentos. 

— Só vamos saber quando entrarmos. Vamos logo — Júlia já estava impaciente com a correria. De forma imprudente, deu largos passos em direção a entrada.

De repente, como se fosse enviada pelos céus, uma espada negra enorme caiu em sua frente, roçando seu corpo e rasgando levemente suas roupas. A arma era ornamentada com espinhos que pareciam absorver a própria luz ao redor, prometendo um fim torturante a quem quer que enfrentasse seu gume.

— Mas que porra! De onde veio isso? — a respiração da mulher ruiva era pesada e seus olhos assustados deixavam claro seu medo. 

Como se em resposta à sua pergunta, uma figura esbelta saltou do cume da montanha, pousando com uma graça mortal entre eles. A mulher diante deles era como uma visão de outro mundo; sua armadura negra se moldava a ela como uma segunda pele, e seus cabelos alvos caíam suavemente sobre os ombros, levemente separados por dois elegantes chifres que saíam de seu crânio. Seus olhos eram de um cinza gélido, transpassando a alma com um olhar que poderia cortar aço. Uma aura de poder emanava dela, tão palpável que quase podia ser tocada. 

Com uma velocidade insana, Ana puxou Júlia para trás de forma instintiva, a jogando em direção aos outros. 

— Quem é você? — perguntou, já com a faca desembainhada.

A figura não respondeu. Seus olhos passaram por cada integrante sem demonstrar emoção, mas por algum motivo ficaram um longo tempo presos em Ana.

— É decepcionante — murmurou numa voz baixa. — Não tenho um nome ou uma designação. Sou o que sou, uma sombra de quem sirvo, nada além. Mas e você, o que é?

A doce voz fazia cócegas nos ouvidos de quem a escutava. Por um breve momento, Ana se perguntou se ela era realmente uma inimiga, mas logo recobrou a consciência.

— Me chamo Ana.

— Não quem, mas sim o que — esclareceu a sombra.

— Sou Ana, e sou o que sou, nada além — irritada pela falta de expressão da estranha mulher, ela retrucou de forma ríspida.

A sombra sorriu, seu interesse aumentando com a resposta evasiva. Puxando a grande espada para fora do chão com facilidade, ela apontou em direção ao resto do grupo.

— Se saírem daqui, pequenas baratas, não irei atrás de vocês. Já você, senhorita Ana, me espere aqui, tenho algo a buscar — Uma flecha passou raspando por sua bochecha enquanto se virava para entrar na caverna, a fazendo dar uma pausa e olhar para trás.

“Não achei que fossem ignorar minha bondade. Seres ignorantes”, pensou a sombra, encarando as cinco pessoas em posição de ataque que surgiram em seu campo de visão.

— Bem, vocês escolheram isso.

Não eram necessárias mais palavras. A sombra se impulsionou para frente com uma velocidade alarmante, indo em direção a Felipe, o membro mais fraco. Felipe tentou contra atacar o ataque com um tiro, mas usando a própria grande espada como escudo, a sombra continuou a avançar.

Um chute giratório acertou a lateral do corpo do garoto, fazendo-o se machucar ao bater violentamente contra uma árvore. Cuspindo sangue, ele disparou mais alguns tiros, mas não foram efetivos.

Ignorando o jovem ferido, a sombra disparou para Júlia.

— Então foi você quem disparou a flecha? — o sorriso em seu rosto era perturbador, contrastando com os olhos sem vida que adornavam seu rosto.

Fixando seus pés no solo, a sombra balançou horizontalmente a espada, preparada para um golpe de corte. Todos podiam ver o triste destino que esperava Júlia quando a lâmina chegasse ao seu corpo. Em uma tentativa vã, ela defendeu-se com o martelo, mas esse foi destruído instantaneamente, quase como se seu material fosse manteiga ao invés de puro aço reforçado.

No último instante, um estranho escudo de ar apareceu em frente à trajetória da espada. Apesar de não suportar por muito tempo, foi o suficiente para atrasar a arma por um segundo, dando tempo de Alex prender a mulher com um apertado agarrão.

— Alex, segure mais um pouco — aproveitando a oportunidade, Ana direcionou sua faca para a garganta da sombra, decidida a finalizar tudo com um único ataque.

A sombra não se desesperou. A espada caiu de suas mãos e ela apertou os pulsos de Alex. O som de ossos se rompendo causou um arrepio em todos do local.

— Caralho, não dá mais. Cuidado, Ana! — Alex gritou de dor, mas manteve o aperto o máximo possível, tentando dar uma chance ao grupo.

A mulher de armadura negra se desprendeu com facilidade pouco antes da faca encostar em seu pescoço. Ela recuperou sua espada ao chutá-la para cima, e, desafiando a física, deu um aparentemente fraco salto que a lançou metros acima do ar, passando por cima de Ana com facilidade.

Seu pouso atrás de Júlia pegou a caçadora ruiva de surpresa, e antes que pudesse reagir, um golpe já havia acertado seu peito, fazendo-a cair no chão, respirando com dificuldade. Sem uma pausa, a grande espada foi lançada à distância em Marina.

A mente assustada da maga trabalhou além da sua capacidade. Escudos e ataques mágicos estavam sendo sobrepostos continuamente em uma tentativa de parar o lançamento da arma, mas a imponente espada não parou de se mover, acertando o pequeno corpo da garota. Uma grande cortina de sangue se espalhou quando ela caiu para trás.

— Se espalhem, fujam para o mais longe possível! — a voz de Ana rasgou o silêncio, uma ordem simples carregada de urgência. Sem experiência ao enfrentar um ser tão forte quanto a mulher a sua frente, ela pôde apenas expressar o comando mais simples que veio à sua mente. 

“Sobrevivam”, uma prece silenciosa passava por seus pensamentos. Ana sugou uma grande lufada de ar, acalmando a mente. Ela observou a sombra à sua frente, sua mente começando a analisar cada característica única do macabro ser.

“Não posso ser acertada nem mesmo uma única vez”, a postura da mulher era relaxada mas letal, mostrando uma experiência de incontáveis batalhas. Havia uma simetria quase perfeita em seus movimentos, uma precisão que Ana sabia, só poderia vir de um domínio completo de corpo e mente. A respiração da mulher era controlada, mesmo após o salto, indicando um condicionamento físico impressionante e uma reserva de estamina inabalável. Ana firmou o cabo de sua própria arma, preparando-se para o embate inevitável.

— Cada vez que te olho, gosto mais de você — disse a sombra, notando que estava sendo analisada, seus olhos se curvaram em meia lua, com uma estranha alegria em meio a cena sangrenta. Com as mãos ainda nuas, ela correu em direção a garota, como se zombasse de sua falta de força.

A troca de golpes foi um turbilhão; Ana manejando sua faca com destreza contra os golpes desarmados da sombra, que parecia dançar ao redor de suas defesas. Cada movimento era um teste, uma pura medida de habilidade onde cada desvio e cada bloco poderia ser o último.

Em meio a intensa luta, Marina se levantou, cambaleante.

— Eu vou usar o que me resta da magia para esconder vocês — disse ao grupo, que lentamente se reuniu. — Entrem na caverna, se escondam.

— Você tem que vir junto, não há nada que possamos fazer contra esse monstro… — disse Júlia, ainda atordoada pelo soco anterior.

— Eu vou em seguida, preciso saber se a chefe vai sobreviver — seu sorriso estava dolorido, mas todos suspiraram aliviados ao ver que a ferida anterior havia sido apenas um grande corte na lateral do corpo de Marina. — Não se preocupem, eu sinto que aprendi muito durante essa luta, tenho confiança que posso me esconder.

Os três amigos se encararam com as palavras da maga. O olhar confiante da garota, que diferia de seu olhar assustado de sempre, mostrou que não adiantaria discutir.

— Vamos confiar em você. Não faça nada estúpido, fuja se perceber que não pode ajudar em nada — disse Felipe. Em seguida, o grupo começou a se afastar para a caverna, coberto por uma estranha camada de luz que saiu dos dedos de Marina.

Olhando seus companheiros irem para um local seguro, ao menos mais do que ali fora, ela voltou a olhar para a batalha. Pequenas lágrimas começaram a se formar em seus olhos, mas não se sabia o que passava em sua mente.

Neste instante, a luta chegou a uma conclusão. Um chute de pura força, sem envolver nenhuma habilidade, acertou a faca defensiva de Ana, fazendo-a se chocar contra as paredes de pedra. Ela caiu, cuspindo uma quantidade enorme de sangue.

— Essas habilidades… essa faca… você não é normal, é incrível — a sombra mostra apreciação sincera pela luta que acabou de ter, mas seu olhar ao dizer as palavras finais ficou extremamente frio. — Mas você é fraca. Cresça, criança estranha, e venha até mim novamente.

Não dando tempo para uma resposta, a sombra acertou um forte chute no rosto de Ana, a deixando inconsciente, mas viva. Ela viu Marina observando em um canto, mas apenas a deu um leve sorriso torto antes de se dirigir para a caverna.

Quase que se arrastando, a maga se aproximou de Ana. Ela sentou-se, esgotada, e pousou a cabeça da garota desmaiada em seu colo, acariciando seus cabelos.

— Obrigado por tudo. Você me fez perceber que eu posso ser útil. — sua voz era como uma fraca chama ao vento, parecendo que podia sumir a qualquer momento. — Esses últimos dias eu senti ter amigos de verdade, companheiros que fariam tudo por mim. Eu fiquei feliz, Ana.

Sua expressão de dor se suavizou um pouco, Ela sabia que estava falando sozinha, mas sentiu que precisava soltar seus pensamentos, pois não teria outra oportunidade.

Uma voz melancólica começou a soar. Marina cantava para os céus, trazendo um toque de esperança na atmosfera sombria. Luz emanava de seu corpo a cada palavra que saia de seus pequenos lábios, revelando lentamente uma grande ferida que atravessava seu corpo. Uma quantidade enorme de sangue, antes oculta pelo que restava de sua magia de refração, encharcava suas roupas.

O canto tornava-se cada vez mais intenso, mas ao mesmo tempo mais baixo, se transformando em um murmúrio fraco. Os olhos que pareciam encarar o horizonte além do imenso céu azul foram se fechando, devagar. Um último suspiro foi ouvido.

E então, silêncio.


20


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