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“Então é daí que veio o nome”, pensou Ana, com um misto de admiração e temor.

O olho à sua frente era imenso, cobrindo boa parte do céu visível. Sua cor era um azul profundo, quase surreal, contrastando vivamente com o cinza ao redor. Em frente a tal olhar penetrante, o mundo pareceu parar.

No entanto, tal cenário só durou um breve instante. Tão rápido quanto se abriu, o olho voltou a se fechar, seguindo seu caminho. Acompanhando-o, uma massa branca que se estendia por quilômetros lentamente se revelou de entre a neblina.

Era uma visão fantástica. Uma baleia nadava no céu como se estivesse no mais profundo mar. Estranhamente, as nuvens não se dispersaram com seus movimentos massivos, mas sim abriam suavemente passagem para a criatura.

Em suas costas, esplêndidos prédios se erguiam, com os quentes raios solares refletindo fortemente em seus muitos vitrais. As construções eram como uma coroa para um majestoso imperador dos céus, e as baixas muralhas, não muito úteis em tal nação, iam além do que o olho conseguia ver.

Este era o objetivo da missão, a cidade que orgulhosamente cruzava os céus ao redor do mundo.

— Espera, isso é… Ei, acordem, rápido! Precisamos embarcar! — gritou a garota, fugindo da admiração que a paralisava.

Ana notou centenas de grossas cordas penduradas ao redor da baleia, tão grandes e pesadas que quase tocavam o chão, muitas vezes destruindo partes das árvores nas quais esbarravam. Não parecia que a cidade ia parar para esperá-los, então uma suposição silenciosa emergiu na mente da mercenária: as cordas eram a única entrada para o reino dos céus.

“Maldita Madame, como pôde não ter me avisado de um detalhe tão importante?”, enquanto amaldiçoava, ela continuou a correr em direção ao acampamento. Ao longe, viu que todos haviam caído na mesma prisão mental que ela com a inacreditável visão.

— Vocês não ouviram? Corram, peguem apenas o que for mais importante, a cidade está quase indo embora! 

— Cidade? Do que você está falando, Ana? — Júlia franziu a testa, ainda tentando assimilar a cena diante de seus olhos.

Ana respirou fundo, apontando para cima com uma urgência que fez sua voz tremer.

— Olhe para a porcaria do céu, garota! Esse monstro, essa maravilha… isso é Leviathan!

— O quê? Uma cidade nas costas de uma baleia?! Eu achei que a cidade móvel seria… sei lá, uma máquina! — finalmente percebendo a situação após uma nova olhada rápida para a baleia, ela saltou em direção a sua barraca. 

Os outros já haviam pegado suas mochilas e estavam correndo em direção a Ana, fazendo-a se apressar ainda mais.

As últimas cordas estavam batendo fortemente contra o penhasco, fazendo altos sons que intensificaram a urgência da situação. Vendo que o grupo se reuniu, a rainha mercenária se agarrou a uma delas.

“Merda, é mais difícil do que pensei, espero que os outros consigam se virar”, pensou ela. A corda era feita de um material áspero que machucava as mãos durante o aperto firme e, apesar de parecer estar voando lentamente, a força do vento que caiu sobre seu corpo após embarcar era forte o suficiente para que todos os seus músculos se contraíssem ao máximo.

Olhando para baixo, viu que todos conseguiram subir. Ou melhor, quase todos.

— Não me deixem pra trás! Ei, me esperem! Eeeei! — Júlia gritava sem parar enquanto corria com todas as suas forças para alcançar a última corda.

Todos que estavam pendurados se encararam com um sorriso torto, ignorando por um momento a voz da garota ruiva, mas já se preparando para soltar a corda. Ela não iria sobreviver sozinha no meio da floresta, então não iriam deixá-la para trás só por causa de uma missão, por mais importante que fosse.

— Espera, ainda temos uma chance — gritou Ana, tentando fazer sua voz sobressair-se ao vento intenso. — Brayner, use esses encantamentos estranhos em Alex, deixe-o o mais rápido que puder. Alex, quero que você pegue aquela idiota e use impulsos contínuos com suas luvas em direção as cordas. Se não der certo, nos soltaremos também.

Antes do fim das instruções, o bibliotecário já havia começado seus rápidos murmúrios. No entanto, em um infeliz acidente, o livro aberto em suas mãos escapou, fazendo círculos no ar antes de se perder em meio às árvores.

— Pelo jeito vamos ter realmente que descer — disse Felipe, desesperançoso depois do acontecimento.

— Não, esqueça o livro, tenho cópias em casa. Eu consegui terminar o canto, Alex.

O milagroso vento começou a fluir ao redor do grande caçador, o qual já havia se soltado no exato instante que sentiu seu corpo ficar mais leve. Com uma rápida disparada, ele agarrou a cintura da caçadora atrasada, a jogando sobre o ombro.

— Mais cuidado, não sou um saco de batata! — resmungou a garota, envergonhada com a situação. Ela sabia que era sua culpa, então apenas cobriu as bochechas vermelhas enquanto observava o ofegante Alex correndo de volta para a corda. 

Com um estranho salto, o caçador se jogou em direção ao chão, pousando bruscamente com a palma aberta de sua mão livre. Um pilar de terra nasceu mágicamente entre seus dedos com uma força avassaladora, lançando-o a metros de altura.

— Te peguei! 

— Obr… obrigado, ch. chefe… — respondeu Alex, as palavras mal saindo de sua boca enquanto tentava ajustar sua respiração.

Ana o estava segurando no ar com braços trêmulos, então ele rapidamente ajudou Júlia a se prender a corda, segurando também logo em seguida. Ainda vermelha, a garota lançou um aceno a todos em claro agradecimento, antes de baixar a cabeça para tentar se estabilizar melhor.

— Todos estamos aqui, isso é ótimo, mas… e agora? — perguntou Felipe.

— Como assim “e agora”? Agora temos que subir, não é? — Alex olhou confuso em direção ao irmão.

— E você tem forças para fazer isso, espertão? Mesmo com a força da prótese, sinto que no momento em que eu soltar uma das mãos eu vou sair voando! 

— É uma espécie de teste, apenas os qualificados podem subir. Quando soube que vocês eram todos aventureiros rank E e mesmo assim tentariam, pensei que tinham um plano já definido… — gritou Brayner, chamando a atenção do restante do grupo.

Todos olharam para a líder da equipe de forma questionadora, mas ela apenas deu de ombros, esboçando um sorriso constrangido. Notando que realmente não sabiam sobre o assunto, o bibliotecário continuou.

— Bem, isso é o mínimo esperado. Afinal, estamos em Leviathan, a misteriosa cidade da sabedoria, da aventura e do desafio!


“Finalmente, terra firme… mais ou menos,” pensou Ana, enquanto ajudava Júlia a se estabilizar depois do esforço da subida.

O dia havia sido difícil, a exaustão tomou conta de cada membro do grupo, o cansaço era palpável naquelas cordas titânicas, mas a determinação de todos foi recompensada: após horas de agonia e adrenalina, a noite trouxe uma mudança inesperada. Como se obedecendo ao ciclo natural da vida, a baleia desacelerou, adentrando um estado de semi-sono que permitiu a ascensão final do grupo à cidade. 

As luzes de Leviathan brilhavam intensamente contra o céu noturno, cada lâmpada e lanterna desenhando contornos de edifícios espetaculares que prometiam maravilhas e segredos. À medida que se aproximavam, a arquitetura impressionante tornava-se mais clara — torres altas, domos reluzentes e estruturas flutuantes que desafiavam a gravidade e a compreensão, uma mistura eclética de arquitetura antiga e moderna que refletia o percurso nômade da cidade através dos céus. 

Para a sorte de todos, não havia guardas nos portões, permitindo-os entrar diretamente no local. Imediatamente após cruzarem o grande arco das muralhas, o grupo foi envolvido por uma atmosfera de fascínio e admiração. As ruas eram como um caldeirão cultural fervilhante, um mosaico de influências de todos os cantos do mundo. Sua população, apesar de reduzida, era vibrante e as ruas zumbiam com a energia de inúmeros idiomas, um testemunho da capacidade cognitiva aprimorada pela mana que facilitava a comunicação e o entendimento entre os habitantes diversos.

Mercadores de todos os tipos vendiam artefatos exóticos, tecidos coloridos esvoaçavam ao vento, e os sons de músicas de diferentes povos se misturavam no ar. O aroma de especiarias e alimentos cozinhando enchia o ambiente, guiando-os através de uma experiência sensorial que apenas essa estranha nação poderia oferecer.

— Cada canto disso é espetacular — murmurou Brayner, quase babando ao encarar os escritos mágicos que adornavam as fachadas das lojas.

— Realmente é incrível que tenham construído um lugar assim — respondeu Ana, admirando não só a cidade, mas o pequeno vislumbre do universo que adornava o céu a uma altitude tão grande. — Apesar que, tirando a atmosfera surreal, é quase o bairro da liberdade. Talvez até um pouco menos estranho.

Os outros se entreolharam confusos ao ouvir as palavras da garota e notarem seu sorriso nostálgico.

— Liberdade? Meus pais já me contaram algumas histórias, acha que era tão incrível quanto aqui? — perguntou Júlia, lembrando-se de animadas conversas de seu passado.

“Merda, esqueci que eles eram apenas crianças antes de tudo acontecer”, pensou Ana, percebendo que palavras indevidas escaparam.

— Talvez as histórias que ouvi sobre o assunto tenham sido exageradas, foi só um pensamento que veio à minha mente. Enfim, vamos fazer o que viemos fazer, teremos muito tempo para ver tudo isso depois — fugindo rapidamente do assunto, a garota começou a caminhar em direção a grande taverna mercenária que, coincidentemente, ficava bem próxima aos portões.

Diferente do Madame Eclipse, que escolheu se ocultar nos cantos sombrios de Barueri, este era um ponto de encontro conhecido por todos os aventureiros que passavam por Leviathan. O edifício era robusto, com paredes adornadas com escudos e armas de inúmeras batalhas passadas. O nome da taverna, “O Último Reduto”, estava gravado acima da entrada em letras grandes e rústicas.

Dentro do local, o ambiente era acolhedor e repleto de aventureiros compartilhando histórias de suas jornadas. No entanto, um estranho ar burocrático permeava o local, como se estivessem em meio a um caos controlado ao invés de uma desordem natural que se via comumente nas reuniões mercenárias.

— Me sinto novamente em uma guilda — resmungou Júlia, torcendo o nariz enquanto se aproximavam do balcão.

A recepcionista, uma mulher loira de feições suaves, mas olhar astuto, manejava papéis e pergaminhos com uma eficiência que contrastava fortemente com o resto do ambiente.

— Como posso ajudá-los? — perguntou ela, sem levantar os olhos para o grupo.

— Bem, temos alguns documentos para entregar — disse Ana, tirando os papéis de sua bolsa. — É um pedido especial da Madame.

As mãos da mulher hesitaram por um momento, mas logo soltaram os papéis de forma decidida. Pegando os documentos das mãos da garota, ela começou verificar tudo, um de cada vez, acenando com satisfação ao terminar.

— Te parabenizo, rainha de prata Ana. Tudo está em ordem.

— Sei que sim, cuidei muito bem deles no caminho para cá. Então… é isso? Podemos ir?

— Mas é claro que não! — respondeu a recepcionista, soltando um sorriso de absurdo como se a mercenária tivesse dito algo extremamente atroz. — Por favor, assine neste ponto. E aqui. E mais uma vez aqui.

Suas instruções acompanhavam um extenso formulário, o qual a mercenária assinou rapidamente com um suspiro cansado, sem ler nem mesmo uma linha.

Enquanto finalizava o processo, um homem alto, de postura imponente e cabelos grisalhos bem aparados se aproximou. Sua presença demandava atenção, e não demorou muito para que sentissem seu olhar avaliador.

— Então você é a Ana, a fraca patrona que tem feito tanto barulho por esses dias? — ele perguntou, oferecendo um sorriso que mesclava respeito e um desafio tácito.

— Sou sim, mas sobre ser fraca, depende de quem pergunta… você é forte o suficiente para aguentar meus ataques? — respondeu a mercenária, devolvendo o sorriso com uma dose de cautela.

— Espero que não tenhamos que descobrir. Por sinal, me chamo De Pedro, o líder dessa companhia. Vi que completou a entrega, mas não sabia que viria tão cedo, então não estou com o pagamento neste momento. O que acha de recebê-lo em um jantar hoje à noite? Claro, o seu pequeno grupo também está convidado.

— Claro, por mim tudo bem — Ana disse, trocando olhares com seus animados companheiros, que pareciam igualmente intrigados, exaustos e… famintos?


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