Felipe estava em um laboratório improvisado, focado em aprender mais sobre a prótese que usava. Ele desmontava e remontava partes, ajustando engrenagens e aprimorando o funcionamento sob a orientação de Ana. Era um espaço pequeno, mas organizado, onde cada ferramenta tinha seu lugar e cada equipamento era bem cuidado. Sendo em um campo aberto e próximo aos sons dos soldados treinando, não proporcionava um ambiente propício para a concentração, mas o caçador preferia assim.
— Será que isso um dia vai ser perfeito? — perguntou ele, meio desanimado após um ajuste não sair como planejado. Felipe tinha passado horas tentando fazer mudanças finas, mas algo sempre parecia dar errado.
— Se quer perfeição, você está no caminho errado — disse Ana, suspirando. — E, sinceramente, você está começando a me lembrar Natalya. Por que não vai encher o saco dela um pouco? Ela não parece estar fazendo nada de qualquer forma — concluiu, apontando para a Colecionadora que assistia ao treino com uma expressão entediada.
Felipe deu um suspiro e olhou para a prótese em sua mão. Ele estava orgulhoso dela, mas também frustrado com suas limitações. A princípio, ele não havia notado elas, mas vendo os muitos modelos feitos no salão de engenharia mágica elas se tornavam cada vez mais aparentes. Ele queria que fosse mais do que apenas funcional, queria que fosse uma extensão perfeita de seu corpo.
Mesmo de longe, ele pôde notar a colecionadora erguendo uma sobrancelha ao vê-lo se aproximar. Ela era uma figura imponente, com uma presença que sempre o intimidava.
— O que é agora, pequeno peão da rainha? — perguntou Natalya, com sua voz seca e irônica. Ela olhou de cima a baixo para o garoto, notando sua expressão preocupada.
— Preciso de sugestões sobre minha prótese — começou Felipe, hesitante. — Quero que ela seja mais forte. Tenho trabalhado nela por um tempo, mas parece que sempre falta algo.
— Uma prótese nunca vai ser forte o suficiente — respondeu Natalya, o olhar frio. — Se quer algo realmente bom, vai ter que ligar a máquina ao coração, assim como eu fiz.
Felipe franziu a testa, pensativo. Ligá-la ao coração era algo muito invasivo, mas ele sabia que Natalya estava certa. Ele olhou para a prótese, refletindo sobre o quanto estava disposto a sacrificar para alcançar seu objetivo.
— É uma decisão difícil, eu sei — disse Natalya, percebendo a hesitação em seu olhar. — Mas se você quer verdadeira força, precisa estar disposto a pagar o preço.
Enquanto o garoto ponderava, grandes alto-falantes começaram a sair de aberturas no chão em toda a cidade, soltando um estranho aviso que anunciava uma invasão. O tom, no entanto, não parecia urgente.
— Atenção, estamos sob ataque! Saiam de suas casas agora.
Antes de Felipe ter tempo de entender a estranheza da mensagem, uma música empolgante começou a tocar, preenchendo o ar com energia.
“Quando eu caí e beijei o chão 🎶”.
— Que estranho… Isso é normal? — perguntou Felipe para Natalya, enquanto avistava Ana e Júlia correndo em sua direção.
— Ah, sempre a mesma coisa… Eu havia me esquecido o motivo de ter parado de vir aqui — ignorando o curioso caçador, Natalya se sentou em um canto, apenas observando o caos dos arredores enquanto apoiava a cabeça em um braço. Um sorriso irônico adornava seus lábios.
De repente, assim que Ana chegou, uma explosão iluminou o céu. Todos se abaixaram instintivamente, mas então perceberam que não eram explosões comuns. Eram fogos de artifício.
“Vi em seus olhos algum brilho de prazer 🎶”.
Os aventureiros ao redor riram, pegando suas armas. O grupo ficou ainda mais confuso, até que um dos homens se aproximou.
— Relaxa, é seu primeiro ataque aqui, não é? — perguntou ele, rindo dos rostos desnorteados.
Felipe e Júlia se entreolharam, ainda incertos, mas foram interrompidos antes de conseguir dar uma resposta pelo som de armas de fogo disparando. Os piratas do céu começaram a lutar em toda a cidade, mas a música não parou.
“Rastejei por algum tempo 🎶”.
“Queda Livre… A música combina bem com o ambiente”, pensou Ana, sorrindo ao ouvir a melodia que ainda tocava ao fundo, sua batida forte e letras intensas ecoando pela cidade.
— Tirem essas expressões complicadas — gritou outro aventureiro. — Aqui é Leviathan, a cidade dos que se arriscam pelo mundo. Piratas são nosso festival, batalhas nosso anti-stress! Apenas não morram.
Deixando os confusos novatos para trás, o homem correu em direção às movimentadas ruas com seu machado levantado, um forte rugido saindo de seu peito.
— Mas que lugar… louco — murmurou Ana, com os dois jovens apenas podendo concordar com um aceno. — Bem, se estamos em um festival, só nos resta aproveitar. Todos vocês, chegou a hora de mostrar o que podem fazer, me acompanhem!
Seu grito ressoou em todo o campo de treinamento, e, pela primeira vez, suas ordens foram acatadas com um sorriso por cada um dos soldados.
“Entenda, isso foi muito bom pra mim 🎶”.
Os sons de tiros e o clangor do metal contra metal se misturavam com a batida empolgante da música, criando uma atmosfera única. A cidade de Leviathan estava em um estado de alerta festivo, com seus habitantes combatendo os invasores com uma mistura de seriedade e alegria.
— Ana, vou encontrar o Alex — gritou Felipe, tentando ser ouvido em meio ao ambiente caótico. — Ele deve estar bem, mas não custa garantir.
Ana acenou para ele, dando a permissão para sair, antes de continuar seu próprio caminho.
“Pude encarar minhas verdades… 🎶”.
— Vamos, precisamos chegar lá! — ordenou ela, sua voz era firme e clara enquanto apontava para as muralhas da cidade. — Júlia, Laura, sigam ao meu lado, os demais, dispersem conforme o necessário para ajudar os cidadãos!
Em cima dos muros mencionados pela mercenária, o capitão dos piratas observava a cidade, transmitindo ordens com um rádio comunicador. Seu olho esquerdo brilhava com uma intensa luz alaranjada, como se estivesse escaneando todo o cenário.
Laura, com seu grande escudo, avançou na linha de frente, bloqueando ataques vindos de pontos cegos. A prática nos treinos mostrou sua eficácia, pois nenhum golpe conseguiu ultrapassar sua defesa. A cada investida, Laura abria espaço para Ana e Júlia atacarem.
Ana, por sua vez, desferiu punhaladas precisas com sua faca. Os piratas comuns não conseguiam acompanhar seus movimentos, tendo seus corações ou pescoços mutilados antes de conseguirem reagir, seu sangue misturando-se com o brilho avermelhado que a faca emanava. Sua técnica era refinada, seus movimentos ágeis e certeiros, como se antecipasse cada ataque.
Júlia, empunhando sua espada, dançava entre os inimigos, os golpes se alinhando ao ritmo da música que ainda tocava.
— De frente pude ver 🎶 — cantou Júlia, acertando um pirata que se aproximava com a lateral da espada. — É estranho, esse ambiente festivo tira toda a tensão da luta.
— Cuidado! — gritou Ana, tentando correr em direção a garota ruiva quando três tiros acertaram seu corpo.
Júlia caiu com um golpe seco no chão, cuspindo um fino fio de sangue. O pirata que ela acabou de derrubar sorria ao ver que acertou os disparos, um sorriso que foi rapidamente dispersado ao perceber uma faca perfurando seu peito.
— Você deve matar eles, idiota!
— E-eles… são humanos… não consigo fazer isso — murmurou a garota caída, com uma voz rouca saindo de seus lábios.
Ana ponderou a respeito das palavras por um instante, mas logo balançou a cabeça deixando o assunto de lado com um longo suspiro. Ao virar Júlia para cima para verificar os ferimentos, notou que duas balas haviam se alojado em seu braço esquerdo e uma em seu estômago. Felizmente, dada a dureza do corpo reforçado de mana da caçadora, não foram ferimentos fatais, com as balas apenas alojadas na carne, mas sem uma perfuração profunda.
“O quanto posso errar, falhar e ver 🎶”.
— Talvez o impacto tenha machucado alguns órgãos, mas não parece grave. Trave os dentes, vou remover as balas agora.
Laura se juntou aos demais soldados, formando uma parede de escudos ao redor da cirurgia improvisada. A remoção foi rápida, e logo Júlia já estava de pé, com algumas pequenas manchas vermelhas em trapos improvisados que cobriam os machucados.
— Você não pode lutar neste estado, vá com Laura e alguns soldados de encontro com o resto do grupo, quero que tragam a Ironia Divina completa para cá.
— Tem certeza que vai ficar bem? — perguntou Júlia, seu olhar dolorido denunciava que os tiros não foram leves, mesmo sendo superficiais.
— Vou dar um jeito, o exército parece estar um nível acima dos intrusos, acredito que conseguirei chegar lá.
— Certo… então me espere, estarei de volta em breve.
— Júlia — disse Ana, quando a caçadora ruiva estava prestes a sair. Sua voz firme deixou claro que não era um assunto que devia se tomar de ânimo leve. — Não importa o que você pensa sobre isso, mate quem aparecer na sua frente, sobreviva. Isso é uma ordem.
Se virando sem esperar por uma resposta, Ana deu ordens aos soldados que sobraram. A sinergia entre eles era clara. Os soldados mantiveram a formação espartana, organizados e disciplinados. A parede de escudos avançava rapidamente, protegendo uns aos outros, enquanto as lanças surgiam entre os escudos, cravando-se nos piratas que tentavam atacá-los.
“Que pode ser muito natural 🎶”.
— Avancem! Ainda temos um grande caminho até a muralha — gritou a rainha mercenária, sua voz clara como um comando divino.
Os soldados seguiram a ordem, empurrando os piratas para trás com um esforço coordenado. Tiros ricocheteavam ou se alojavam em seus pesados escudos e armaduras, mas poucos saíram feridos. No entanto, cada vez menos deles formavam a parede conforme se dispersaram para socorrer qualquer cidadão que parecesse precisar de ajuda.
Agora que voltaram a usar mana, era claro seu avanço. As armas eram manejadas com facilidade que aventureiros comuns não tinham, e a visão estratégica ao atacar os piratas em pequenos grupos mostrava que não tinham a confiança infundada de antigamente.
O capitão pirata os observava de cima, um sorriso arrogante no rosto enquanto Ana se aproximava.
— Abaixem-se, rápido — gritou ela, notando o leve movimento do homem barbudo embaixo de seu casaco.
No entanto, antes que pudessem assimilar as palavras de sua líder, os três soldados restantes caíram com balas perfurando suas cabeças. Uma estranha pistola de cano mais longo do que o normal jazia na mão do pirata, um fio de fumaça subindo lentamente de dentro da arma.
— Oho, parece que temos alguém habilidoso o suficiente para uma boa luta — disse ele, suas palavras carregadas de zombaria enquanto olhavam para a mercenária jogada no chão de paralelepípedos.
— Sabe o quanto foi difícil treinar esses caras? — Ana se levantou com um salto, pegando rapidamente um dos escudos caídos e colocando-o em frente ao seu corpo. — Não deu nem tempo pra mostrar pro meu contratante os resultados, desgraçado!
“Mas que merda essa garota está falando”, pensou o homem, com um olhar que parecia confuso até mesmo em seu olho robótico.
Nesse instante, drones começaram a subir dos becos estreitos de aparência medieval, espalhando-se pela cidade. Quando um deles começou a circular Ana, uma grande tela semi-transparente apareceu no céu, mostrando-a encarar o inimigo à sua frente de forma dramática.
Ela olhou ao redor, surpresa ao ver a mesma coisa acontecer em todo o céu. Em uma das telas, Markus lutava de frente com um homem gigante que carregava um grande canhão, em outra, Pedro acompanhava um grupo de mercenários de aparência intimidante enquanto corria em direção a uma mulher voluptuosa carregada por um pequeno exército de piratas. Por fim, viu seu grupo, Ironia Divina, lutando contra três piratas estranhamente magros, todos com centenas de adagas presas pelo seu corpo.
“Você é covarde demais! 🎶”.
“Pra entender 🎶”.
“O quanto é intenso 🎶”.
A canção se intensificava cada vez mais conforme as cenas iam aparecendo nos grandes hologramas, um de cada vez, com brutais batalhas acontecendo em todos os lugares. Salvo os que já estavam mortos, não havia ninguém sem um sorriso de animação no rosto, seja caçador, mercenário ou um simples aventureiro solitário.
Novos fogos de artifício explodiram nos céus, iluminando a cidade nas mais belas cores. O festival da grande baleia branca estava finalmente aberto.
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