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O ar parou. Ana permaneceu imóvel, um frio desconhecido percorrendo sua espinha enquanto o sangue ainda morno escorria pelo tecido de sua roupa. Os sons da vida selvagem e da atividade humana em torno dela pareciam ter se silenciado, substituídos por um zumbido ensurdecedor em seus ouvidos. A realidade da situação se instalou lentamente, como o crepúsculo caindo sobre o mundo.

“De onde veio o sangue?”, seu olhar rapidamente varreu o ambiente, a adrenalina acelerando seus sentidos. Então ela viu, não muito longe, uma cena que faria seu coração parar, se não estivesse tão acostumada à brutalidade de sua longa existência.

Um dos jovens caçadores que ela acabara de passar, um jovem que ela lembrava ter um sorriso no rosto e uma espada ao lado de seu corpo, jazia sem um dos braços em uma poça de sangue no chão. Não havia sorriso agora, apenas uma expressão vazia e olhos que não viam mais. Ao lado dele, os outros membros do grupo estavam congelados, suas expressões um misto de choque, medo e incompreensão.

A maga que havia retribuído seu aceno estava pálida, a mão estendida como se pudesse trazer o amigo de volta com um simples gesto. A ruiva e o outro homem olhavam para Ana, seus olhos enchendo-se de uma acusação silenciosa.

— O que estão olhando? Não fui eu que fiz isso — ao completar a frase, uma fria respiração passou por seu ombro, fazendo-a entender o motivo dos olhares.

Uma criatura como Ana nunca tinha visto antes, mesmo em seus mil anos de vida, estava emergindo das sombras das árvores atrás dela. Era um ser de pesadelos, se parecia com um lobo, mas seus longos e esguios membros chegavam quase à altura de uma pessoa adulta. Seus olhos brilhavam como brasas em um rosto distorcido por uma fome insaciável e o braço do jovem caçador pendia em sua mandíbula.

— Monstro de rank D! Corram! — Despertando do choque inicial, a garota ruiva gritou para seus companheiros. Apesar de ter lançado um último olhar para seu amigo caído, ela não parou de correr, querendo sair o mais rápido possível daquele lugar.

Nesse instante uma nova criatura saiu de trás das árvores na direção em que a ruiva estava indo, fazendo-a cair ao parar bruscamente. Seu corpo era uma massa de ossos cobertos por uma aparente fina camada de pele, movendo-se de uma forma pouco natural que causava arrepios em seus observadores.

— Droga, se espalhem! Alguém tem que sobreviver! — A garota ruiva, que agora tinha uma expressão ainda mais amedrontada, gritou ordens, tentando organizar uma fuga improvisada.

Os caçadores restantes se recuperaram com este último grito, pegando suas armas com mãos trêmulas. Mas Ana sabia que eles não estavam prontos para enfrentar tal adversário.

— Vamos lá, Ana — ela sussurrou para si mesma, sua mente analítica tomando controle. A faca em sua mão de repente parecia inadequada, trivial contra a ameaça diante dela. — Hora de descobrir o que você realmente é capaz de fazer sem a mana. 

Respirando fundo, ela avançou, não para atacar, mas para colocar-se entre os jovens caçadores e a criatura mais próxima. Suas ações não eram de heroísmo, mas de necessidade. 

“Eu não vivi mil anos para morrer atoa na minha primeira batalha real”, Ana não sabia o que um monstro de rank D representava, então qualquer ajuda em seu experimento inicial era válida.

A outra criatura parecia estar brincando com os jovens, dando longos saltos sempre que algum deles mudava de direção para fugir. Apesar de seu rosto animalesco, uma vaga expressão de deboche podia ser vista.

— Vocês aí, não parece que vai ser tão simples fugir. Juntem-se!

Grande parte de seu conhecimento estava inutilizável, mas Ana ainda era uma mestra de todas as artes. O tempo parecia parar enquanto ela começou a observar as criaturas.

“Seus membros parecem instáveis, mas seus movimentos ágeis sugerem uma força e velocidade que não devem ser subestimadas. Talvez a chave para derrotá-los não esteja na força bruta, mas em aproveitar suas próprias habilidades contra eles.” Ana concentrou-se, sua mente correndo por memórias de batalhas que simulou milhares de vezes em sua mente.

— Mirem nas articulações, ataquem logo após o recuo do salto! — apesar de gritar as ordens, Ana não teve tempo de se virar para ver se os outros a seguiram.

O ar ao redor dela carregava uma tensão elétrica, como se a própria natureza estivesse segurando a respiração. A criatura diante de Ana avançou, movendo-se com uma velocidade sobrenatural, suas garras estendidas como lâminas de pura escuridão. 

Ana se posicionou firmemente, estendendo a faca em sua mão direita e calculando o momento exato do ataque, se movendo com uma precisão que desafiava a física esperada para um corpo humano. Seu primeiro golpe foi uma dança com a morte, deslizando sob um golpe da criatura que teria certamente significado o fim para qualquer outro.

Um fino fio de sangue saiu do braço do grande monstro. Confuso pelo ataque não ter encontrado o alvo, ele rugiu e correu novamente em direção a Ana com sua mandíbula aberta.

A luta foi uma orquestra de caos. A cada ataque que ela desferia, a criatura respondia com uma fúria selvagem, mas estranhamente não conseguia fazer a pequena garota recuar.

“A pele é mais grossa do que parece, mas sua força não é extraordinária.”  

Com pensamentos que fariam qualquer outro ficar indignado pelo absurdo, Ana deslizou pelo lado do grande “lobo”, seguindo com novos cortes em cada abertura.

A batalha não foi silenciosa. O metal cantava contra as sombras, e gritos de dor e de guerra se misturavam ao som de corações batendo em desespero. Ana se movia com a memória de seus músculos, cada movimento reflexivo, cada decisão um cálculo feito no calor do momento.

Em um movimento inesperado, a criatura mordeu ferozmente em direção ao seu rosto, mas foi impedida pela armadura que cobria seu braço. 

— É mais fraco do que eu pensei que seria, essa deve ser a limitação do aço… parece que vou ter que voltar para a bigorna —  foi possível sentir a forte pressão através do metal, apesar de não ter causado danos sérios. 

Aproveitando a breve distração das mordidas descontroladas em seu braço, ela atravessou a faca no ombro esquerdo do monstro, fazendo-o cair repentinamente pela surpresa. O sangue espirrou como uma fonte quando pela primeira vez ela conseguiu atravessar a forte defesa.

Neste momento, enquanto gritos desumanos eram ouvidos no chão, uma estranha aura sombria, mas gentil, chamou a atenção de Ana.

— Gabriel?! — gritou ela com surpresa, olhando em volta ao se esquecer da batalha por um breve momento.

Um ardor em sua mão chamou sua atenção, tirando-a da confusão de não ter encontrado o anjo ao seu lado. Uma aura vermelha brilhava sutilmente sobre a arma.

— Um presente para você, criadora obstinada… — Ana repetiu as palavras ditas séculos atrás, quando uma única gota de sangue penetrou em sua obra recém feita.

Enquanto ficava presa em sua nostalgia, um braço contorcido veio voando em sua direção, acertando de surpresa seu estômago e a fazendo voar contra uma árvore, explodindo-a no mesmo instante.

— Que estupidez! Quando vou entender que não estou mais sozinha? 

Levantando-se lentamente e cuspindo um bocado de sangue, Ana avançou novamente, concentrando toda a sua força, habilidade e esperança na faca que carregava. A criatura, agora mancando, também correu em sua direção, preparando seu ataque com a mesma determinação que sua adversária.

Deslizando por baixo das garras que vinham em sua direção por um fio de cabelo, ela girou seu corpo, aproveitando a força centrífuga para acertar um chute com todo seu peso na caixa torácica do monstro.  

A criatura soltou um grito agonizante enquanto seu corpo subia levemente do chão. Sentindo o momento perfeito instintivamente, Ana direcionou a faca para seu queixo, atravessando com precisão sua cabeça e espalhando fluidos por toda parte.

Assim que confirmou que o lobo parou de se mover, a garota caiu ao chão, exausta, a faca escorregando de seus dedos agora relaxados. Ela respirava pesadamente, cada sopro um testemunho da batalha que havia travado. Ela venceu, mas não sem custos. Seu braço estava ferido e seus órgãos tremiam, seu corpo estava marcado pela batalha. 

“Talvez eu não tenha futuro como caçadora”, pensou, de forma resignada, ao sofrer para matar um simples inimigo de rank D. Apesar disso, ela mesmo não percebeu que seu rosto estava preenchido com um sorriso quase maníaco de prazer.

Ana olhava fixamente para a faca caída a seu lado, que voltou a brilhar levemente após matar a criatura, mas neste momento os sons de outra batalha próxima chegaram aos ouvidos. 

— Merda, isso vai ter que ficar para depois.

Pegando novamente a arma e se levantando com certa dificuldade, ela observou a luta que se desenrolava na sua frente. A garota ruiva  estava aos farrapos, sangue saia de todo seu corpo e uma de suas pernas não parecia se mover. Apesar disso, ela continuava disparando flechas de longe incessantemente, mesmo com seus dedos já em carne viva.

O jovem com a lança parecia chorar enquanto atacava a cada pequena abertura, seus gritos mostravam seu ódio e tristeza, mas a realidade é que sua força restante não era suficiente para sequer perfurar a carne do monstro adequadamente.

Já a maga, apesar de não estar ferida como seus companheiros, mal conseguia se manter em pé. Sua respiração estava pesada e ela se apoiava fracamente em um cajado maior que seu corpo. Parecia que ela iria cair a qualquer momento, mas ainda assim uma luz continuava a sair de suas mãos sempre que a criatura se preparava para atacar, Ana imaginou que seria algum tipo de distração, pois não parecia causar danos.

“Eles não são ruins, mas são muito fracos… além disso, o que esses idiotas estão fazendo? Eu não mandei focar nas articulações?”

Ela hesitou por um momento, pensando se deveria ou não ajudar eles, mas por fim correu em direção a luta. O mundo havia mudado, e ela também teria que mudar com ele.

— Saiam da frente! 

Avistando o grande martelo da garota ruiva abandonado no campo de batalha, Ana foi em direção a ele. Apesar de exausta, usou toda a força para pegá-lo com seu braço esquerdo, com a faca ainda firme em sua mão direita.

Os caçadores não se moveram em um primeiro momento, mas vendo o corpo da outra criatura ao fundo e a estranha garota correndo em sua direção, entenderam que era sua única chance de sobreviver, se afastando rapidamente.

Com a força acumulada durante a corrida, Ana desferiu um golpe extremamente pesado em direção a perna direita do monstro que ainda brincava com os caçadores.

BOOOM!

O martelo fez um barulho estrondoso ao acertar a pedra em sua frente, o monstro havia desviado no último momento. Apesar de não ter deixado aparente, ele era mais inteligente do que demonstrava, havia cautela em seus movimentos ao perceber que seu companheiro estava morto.

— Filho da puta! — Ana saltou para trás apressadamente ao perceber a esquiva repentina, mas ainda foi acertada na perna por uma das garras, causando um ferimento profundo. A criatura voltou a mostrar uma expressão de zombaria enquanto a encarava.

“Quem imaginaria que tudo iria acabar logo no primeiro dia”, com um sorriso de escárnio, ela se preparou para o fim. No entanto, ele não chegou.

Uma flecha veio voando e acertou o olho esquerdo do lobo durante sua distração. Enquanto ele se virava para retalhar seu atacante, uma luz ofuscante cegou seu olho restante, e uma lança vinda de cima acertou o topo de sua cabeça, a fazendo baixar bruscamente.

— Isso é pelo meu irmão, desgraçado!

Aproveitando o grito choroso do jovem, Ana usou toda a sua força na perna restante e atravessou a cabeça em queda do monstro, matando-o de imediato.

“Pois é, não estou sozinha”

Lembrando a si mesma deste fato pela terceira vez no dia, Ana desmaiou.


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