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O salão de reuniões do castelo recém-construído era uma obra de arte em si, refletindo a grandiosidade e a ambição do novo reino. As paredes, feitas de uma bela pedra escura, eram adornadas com tapeçarias detalhadas, contrastando com toques modernos de arquitetura. Lustres de ferro fundido pendiam do teto abobadado, lançando uma luz suave que destacava os detalhes intrincados das colunas esculpidas.

No centro, uma mesa imensa de madeira de ipê dominava o espaço, sua forma circular evocando a lendária Távola Redonda dos cavaleiros, simbolizando igualdade e unidade entre os conselheiros. As cadeiras ao redor da mesa permaneciam vazias, uma lembrança silenciosa da ausência de muitos dos representantes. Apesar disso, ainda exalava uma presença imponente, prometendo ser o palco de muitas decisões que moldariam o futuro do reino.

Os detalhes no salão eram cuidadosamente planejados para inspirar respeito e admiração. Criaturas míticas estavam entalhadas nas paredes, suas expressões severas observando os presentes como se julgassem cada palavra dita naquele espaço. Cortinas pesadas de veludo vermelho, um improviso feito pelo povo que não ficou tão ruim, emolduravam as janelas que iam do chão ao teto, e que se abriam para a cidade em constante construção lá fora, permitindo que a luz do sol entrasse e refletisse nas superfícies polidas do mármore falso do chão, dando um brilho quase sobrenatural ao ambiente.

Tudo no local sugeria poder, estratégia, e um toque de mistério. O salão parecia vivo, como se esperasse ansiosamente pelas vozes que um dia o preencheriam com planos grandiosos e conversas decisivas.

Ao entrar, Ana notou que Gabriel já a aguardava, enquanto Miguel permanecia encostado em um canto, quase invisível. A presença dos três era a única constante nas reuniões do conselho, já que os outros conselheiros não achavam necessário comparecer com tanta frequência, e Nyx, como sempre, fugira logo após receber o chamado, alegando que discussões administrativas eram enfadonhas. Ana suspirou, contendo um sorriso ao imaginar a Sombra escapulindo pelas sombras dos corredores, mas logo focou sua atenção nos emissários que aguardavam ansiosamente.

Ela pegou o relatório que lhe haviam entregue, os dedos deslizando sobre o papel sutilmente desgastado enquanto lia com atenção as informações sobre as últimas expedições. Os outros a observavam, aguardando sua avaliação. 

— Bom trabalho — disse, sua voz suave enquanto erguia os olhos para os emissários que se postavam diante dela, acenando em aprovação. — Das sete aldeias que vocês visitaram, cinco aceitaram realizar trocas. Isso é uma taxa de sucesso muito alta, considerando as circunstâncias.

Os emissários trocaram olhares rápidos entre si, satisfeitos com o reconhecimento, mas ainda mantinham uma postura respeitosa e firme. Ana, no entanto, percebeu algo no relatório que fez sua expressão endurecer levemente.

— Vejo que uma das aldeias os atacou. Tivemos alguma baixa? 

O emissário responsável pela visita deu um passo à frente, claramente desconfortável ao relembrar o incidente. Sua máscara tinha grandes olhos esbugalhados, o que dava um ar cômico ao homem magro, mas sua voz, em contraste, era firme e surpreendentemente calma. Duas longas marcas passavam pelo seu pescoço de pedra, e Ana se viu pensando por um breve momento que pareciam obtidas na luta contra algum animal.

— Eles foram hostis desde o momento em que souberam que estávamos ligados à reconstrução da cidade amaldiçoada. Pareciam aterrorizados com a ideia de um novo reino surgindo das ruínas. Felizmente apenas nos afastaram com ataques de alerta, então logo recuamos sem ferimentos.

A caneta da mercenária riscava o papel, fazendo diversas anotações conforme ouvia o relato, e logo deu uma pausa com a cabeça ligeiramente inclinada, ponderando sobre a situação.

— Bem, é surpreendente que não tenhamos encontrado mais resistências assim, não há muito o que fazer — comentou, mais para si mesma que para os outros. — Coloquem-nos em nossa lista de ameaças.

Ela passou até a última página lentamente, absorvendo linha a linha.

— Não vi as aldeias maiores na lista, onde estão? — questionou, sem tirar os olhos dos papéis.

— O conselheiro Luiz acompanhou os outros emissários em direção a elas, mas ainda não retornaram — respondeu o emissário, hesitando por um momento. — Não temos informações concretas para passar no momento…

— Entendo, vamos torcer para ele não estar morto — murmurou a mulher, pensativa. — Continuem monitorando, me avisem assim que tiverem notícias. Até lá, informem os outros que devem preparar os itens para troca. Sobre as ferramentas, irei até as oficinas mais tarde para ensinar um pouco de forja, caso não tenham o conhecimento necessário.

— Eu posso cuidar dos detalhes, Ana — disse Gabriel, interrompendo-a suavemente. — Você não precisa se preocupar com isso.

— Sei disso, mas prefiro ver as coisas com meus próprios olhos, não enche o saco. Por fim, devem sempre levar os bestiais com vocês quando fizerem as entregas. Não quero arriscar a vida dos mascarados em missões desse tipo.

Gabriel assentiu e também fez algumas anotações em seu próprio caderno, já antecipando essa decisão. 

Ana suspirou novamente, mas desta vez mais por cansaço do que por diversão, enquanto se levantava de sua cadeira. Seus olhos pousaram na última página do relatório, onde a menção de uma aldeia em particular, a outra que havia se recusado a negociar, captou sua atenção. Pegando o papel, ela começou a caminhar em direção à saída.

— Onde você vai? — Gabriel perguntou, tentando esconder a tensão em sua voz, mas seus olhos, que normalmente mantinham a calma, revelavam uma preocupação genuína.

Ana ergueu o braço e chacoalhou a folha que havia recolhido de forma brusca, sem parar de caminhar.

— Essa aldeia aqui… parece que solicitaram minha presença pessoalmente. Vou resolver isso. Pelo que li, é a aldeia com mais equipamentos, então não vou recusar um pedido simples desse.

— Você não pode ir sozinha. É arriscado demais.

Ana deu um sorriso torto, embora a máscara escondesse suas expressões.

— Não vou sozinha. Miguel — chamou, olhando para o secretário. — você vai me acompanhar. Além do mais, já os conheci antes. São apenas um bando de voyeurs. Não é nada que eu não possa lidar.

— Só… tome cuidado.

— Farei isso.

Ela deu de ombros, como se a situação fosse banal, e continuou em direção à porta. No entanto, ao alcançar a entrada, uma ideia surgiu em sua mente, fazendo-a parar bruscamente. Com um movimento rápido, quase impulsivo, voltou alguns passos, sua mão já mergulhando nas vestes para puxar uma coroa de prata desgastada. Com um gesto firme, lançou-a para o anjo de pedra, que a pegou no ar com uma expressão curiosa.

— Preciso que você busque alguns humanos não mutados ou estátuas que atuem muito bem. Quero que visitem Barueri, cheguem até a taverna mercenária da cidade.

— E então? — perguntou Gabriel, intrigado, seus olhos vazios fixando-se em Ana.

— Quando estiverem lá, mostrem essa coroa para uma mulher chamada Madame — instruiu Ana, um toque de diversão em sua voz. — Abordem-na com gestos grandiosos e exagerados. Sério, façam isso, vai facilitar tudo. Convide-a para vir até a cidade, digam que a rainha a convoca, ela vai entender ao ver o broche. 

Gabriel observou a coroa por um momento, a mente trabalhando rápido para entender o que sua mestra pretendia com aquele pedido. Ele conhecia bem Ana e sabia que qualquer plano que ela bolasse tinha mais camadas do que se podia imaginar. Até pensou em dizer algo, em questionar aquela decisão, mas logo desistiu, soltando um suspiro cansado, uma ação sem sentido para uma estátua, mas que estava reproduzindo sem perceber nos últimos meses. Sabia que discutir era como tentar conter uma maré; inútil e desgastante.

— E o que exatamente você pretende fazer? — perguntou por fim, sem conseguir se conter.

Ana apenas deu um sorriso enigmático e então virou-se para sair do salão. Ao ser ignorado, o anjo ficou parado, segurando a coroa por mais um momento. Após refletir, guardou-a cuidadosamente e voltou-se para o emissário, que ainda esperava silenciosamente.

— O relatório que estava em suas mãos… qual a aldeia?

— É Ybyty Poty, senhor, o povo verde. Eles parecem interessados em algo mais… simbólico antes de efetuar a troca — o emissário, notando o olhar atento de Gabriel, respondeu com cautela. 

Gabriel franziu a testa, sentindo que havia algo estranho na história revelada.

— Certifiquem-se de que todos os detalhes sobre essa aldeia sejam entregues a mim o quanto antes — ordenou, seu tom de voz assumindo um tom de comando que poucos ousavam ignorar.

Ele sabia que Ana era imprevisível, e que suas ideias muitas vezes seguiam caminhos tortuosos. No entanto, confiava nela — tanto quanto se podia confiar em alguém louco — incondicionalmente. Dando as últimas instruções aos poucos presentes, deixou o salão, sabendo que o dia ainda seria longo e cheio de desafios inesperados.

Enquanto o som de seus passos desaparecia pelos corredores, as luzes bruxuleantes às suas costas lançavam sombras dançantes nas paredes, como se o próprio castelo estivesse ciente da tensão que permeava o ar.

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