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Madame ajustou-se no assento confortável do jeep elétrico, enquanto o som suave do motor ecoava. O carro moderno, ou antigo, para alguns, era feito de um material leve e resistente, movia-se suavemente com os condutores de mana acoplados nas laterais. Havia espaço para sete pessoas, mas com a presença imponente de Madame, até mesmo aquele veículo parecia pequeno.

Ela lançou um olhar lateral para os mascarados sentados ao seu lado. Sem suas máscaras, seus rostos pareciam estranhos e tensos, com sorrisos forçados que não convenciam.

— Vocês foram bem ousados ao entrarem na cidade. Têm sorte por eu ser a última leitora de mana restante em Barueri.

Sua voz estava baixa e melancólica, como se estivesse perdida em pensamentos e não esperasse uma resposta imediata. Os mascarados trocaram olhares rápidos, incertos. Após um breve silêncio, um deles, com uma voz calma e controlada, respondeu.

— Foi necessário para cumprir as ordens de nossa rainha — disse, quase mecanicamente.

A dona da taverna balançou a cabeça levemente, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios enquanto girava a coroa de prata entre seus dedos longos e elegantes.

— Sabe, agora tudo faz sentido — ela murmurou. — Na época, não conhecia a existência da cidade das máscaras, mas a ausência de mana… isso agora está claro. Ainda assim, nunca imaginei que minha rainha mercenária fosse uma mascarada… ela tinha uma personalidade tão… expressiva.

— Ausência de mana? — um dos mensageiros, uma mulher mascarada de traços duros e angulosos, inclinou-se ligeiramente para frente, e sussurrou com uma dúvida na voz, parecendo esquecer-se dos outros no local.

Ela se entreolhou novamente com seu companheiro, ambos confusos, mas nada foi dito. O silêncio denso pairou no ar. Madame observou a interação com interesse, seus olhos brilhando com esse estranho povo que a convidou para uma inesperada viagem. Ela riu suavemente, como se o incômodo alheio fosse uma melodia para seus ouvidos.

— Vocês são tão quietos… — comentou ela com diversão, batendo levemente no topo do carro, chamando a atenção de todos. — Quanto tempo ainda falta?

Em cima do veículo, uma mulher alta e musculosa, com cicatrizes que cobriam boa parte de seu corpo e um grande machado descansando ao seu lado, lançou um olhar atento ao mapa que segurava. Seus dedos calejados traçaram os caminhos com rapidez, e após um momento de cálculos, se inclinou para olhar pela janela do carro.

— Talvez menos de uma hora — Sua voz era grave e firme, mas havia uma curiosidade na forma como olhava para o horizonte. — Ser rica na superfície é outra coisa… Quem diria que ainda existem carros funcionando? Você tem sorte, velha. Todo meu status em Tenebris parece lixo em comparação.

Nesse momento, o motorista do veículo, um homem franzino, de cabelos grisalhos e olhar cansado, mas que parecia esconder uma grande variedade de mistérios por baixo de suas grandes vestes, interveio com o cenho franzido.

— Mais respeito com nossa empregadora, Cassandra — sua voz era firme mas não rude. Seus olhos se voltaram para Madame, como se pedissem desculpas silenciosas. — Peço que a ignore, senhora. Ela não está muito acostumada a trabalhar abaixo de alguém…

Madame riu com um ar indulgente, uma risada suave e controlada que parecia aliviar a tensão no ar.

— Não se preocupe tanto, Leonardo. Já estou acostumada com a rudeza dos mercenários. Além disso, adoro ouvir histórias do Abismo. Parece um mundo fantástico, de certa forma.

O homem apenas suspirou e assentiu, ele não conseguia compreender essa mulher, que oscilava entre a autoridade e a descontração a cada instante.

— Talvez seja fascinante visto de fora — murmurou ele. — Viver lá, entretanto, é um inferno.

— Ainda assim, tem suas vantagens, não acha? Olhe pra vocês. Dois novos membros da realeza mercenária emergindo de uma só vez. Já faz uns anos que a última rainha nasceu.

Ela lançou um olhar para Cassandra, que revisava novamente o mapa, e depois para o homem que dirigia. Seus olhos os examinavam como um predador observando presas, mas havia uma faísca de respeito em sua expressão. Em seguida, voltou a encarar a floresta que era esmagada pelas grossas rodas do grande carro.

— Não sei pelo que passaram para chegar até aqui, mas há muito tempo não vejo um manipulador e uma fortalecedora tão poderosos.

— A senhora nos vê com bons olhos. Somos apenas sobreviventes.

— Sobreviventes ou não, o poder de vocês é inegável — retrucou Madame, inclinando-se ligeiramente para a frente, sua voz carregada de mistério. — Nesse mundo, é isso o que mais importa.

Leonardo apenas deu uma risada baixa, sacudindo a cabeça.

— Bem, e sobre essa missão, senhora… quanto tempo acha que ficaremos lá?

Cassandra, ouvindo a pergunta, lançou um olhar breve para Madame, antes de voltar a observar a paisagem que se estendia à sua frente. Os músculos rígidos da mulher estavam sempre prontos, como se esperasse que algo surgisse a qualquer momento.

— Temos nossos próprios afazeres — disse ela, com a impaciência clara em sua voz. — Espero que não demoremos muito.

— Não tenho como garantir o tempo exato. Mas posso garantir que serão adequadamente recompensados — a dona da taverna voltou a girar a coroa de prata em seus dedos, o brilho da peça reluzindo à luz fraca que entrava pelas janelas.

Cassandra bufou em resposta, como se o assunto já não a interessasse mais. Mas logo estreitou a visão ao avistar partes pisoteadas de solo, assim como um sutil cheiro metálico no ar.

— Ei, Leo, fica esperto. Rastros frescos de lobos cinzentos. Devem estar por perto.

As bizarras criaturas haviam se tornado um incômodo frequente na região nos últimos meses. Embora fossem considerados uma espécie fraca em comparação a outros predadores, algo havia mudado. 

Repentinamente, começaram a trabalhar em bandos com uma precisão assustadora, coordenando ataques em emboscadas cuidadosamente planejadas. Sempre observadores e pacientes, atacavam no momento certo, quando suas presas estavam distraídas ou cansadas. Isso os havia tornado uma ameaça dominante na região, aumentando sua classificação de perigo consideravelmente.

— Farei o possível. Vou manter os olhos abertos — respondeu o jornalista, sem dar muita atenção.

— É incrível que animais tão fracos tenham sobrevivido tanto tempo — Cassandra resmungou, esticando os braços e segurando firme seu machado. — É por causa desse tipo de inimigo que os caçadores daquela cidade são tão fracos. Não sobreviveriam um dia na minha arena!

— Não os culpe pelo que não podem mudar — respondeu Madame, rindo do comentário. — Pode demorar, mas alguns poucos estão evoluindo.

— Discordo, mas quem sou eu pra discutir. Agora feche as janelas, velha. Você ainda não nos pagou.

Madame, sem perder o bom humor, acenou em direção a musculosa rainha mercenária enquanto o vidro subia. Se espreguiçando um pouco, voltou a olhar para suas chatas companhias.

— E vocês? — perguntou ela aos mascarados. — Algum problema no caminho de ida?

O mensageiro mascarado, sentado à esquerda de Madame, virou-se lentamente em sua direção, sua expressão permanecendo impassível.

— Não. Na verdade, poucas criaturas se interessam por nós. Não há carne para eles se alimentarem, nem mana para absorver. Não somos uma presa interessante.

— É bem conveniente. A floresta tem estado estranha… quem dera poder sair por aí sem me preocupar com esses malditos monstros.

A conversa terminou no ar, enquanto cada um se perdia em seus próprios pensamentos. Antes que percebessem, o jeep atravessava os últimos metros até a cidade. Os mascarados acenaram para os guardas nas ameias das altas muralhas, e um deles, ao notar o gesto, se retirou rapidamente, apressado para avisar os conselheiros sobre a chegada. A grande ponte de pedra que conectava a cidade ao mundo exterior estava aberta, permitindo a entrada suave do veículo que passava por ela, avançando em direção ao coração do novo reino.

— Isso aqui é muito maior do que eu esperava — comentou Leonardo, admirando as imponentes construções semi-completas que surgiam ao longe.

À medida que avançavam, o grupo observava o frenético movimento de trabalhadores sujos de terra. As construções, grandes e sólidas, estavam em plena expansão. Prédios se erguiam à vista de todos, com andaimes e gruas improvisadas que puxavam grandes blocos de pedra. As ruas estavam repletas de atividades; uma cena de progresso, mas com um toque de caos.

— Não sabia que também usavam escravos por aqui — comentou Cassandra ao observar alguns habitantes cobertos de sujeira e suor,  carregando grandes conjuntos de materiais em suas costas.

— Não são escravos. São parte do povo que jurou lealdade à nossa rainha — corrigiu a mulher mascarada, com um tom neutro, mas firme. — Peço que não volte a ofendê-los.

Os mercenários e a Madame trocaram olhares, a surpresa estampada em seus rostos. A revelação parecia desafiar a visão de mundo atual, mas a elegante mulher dentro do carro parecia ainda mais curiosa, seus olhos brilhando de puro interesse.

— Então… há outras espécies aqui?

A mulher mascarada hesitou por um momento antes de responder.

— No momento, não.

— No momento… — repetiu Madame, em um tom reflexivo, quando subitamente seus olhos se arregalaram, e ela se inclinou para a frente, dando uma ordem a alta voz. — Parem o carro!

Leonardo, pego de surpresa, pisou no freio com força, fazendo o veículo deslizar pela rua antes de parar bruscamente. O jeep sacudiu com o movimento, e Cassandra, no topo, quase perdeu o equilíbrio, xingando em voz alta.

— Maldição, quase caí! — rosnou ela, irritada.

Mas Madame já estava fora do carro antes que as reclamações pudessem continuar. Ela abriu a porta rapidamente, seus pés se movendo com uma agilidade incomum para alguém de sua postura normalmente calma. Caminhou com determinação até parar em frente a uma construção imensa que dominava a praça central da cidade. 

Seus olhos se alargaram de admiração enquanto examinava cada detalhe arquitetônico. A parte de fora da estrutura possuía um ar grandioso, quase religioso, com enormes colunas que lembravam uma catedral gótica em miniatura, mas sem perder a essência do que representava. Era uma construção que exigia o fascínio de quem a observasse, quase que ordenando que atravessassem suas portas.

— Tenho que dizer… isso sim é uma taverna.

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